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Hoje
vamos falar sobre o Romantismo
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- [...]
Hoje vamos falar sobre o Romantismo,
ao qual podemos chamar a última grande
época
cultural da Europa. [...]
- O
Romantismo durou tanto tempo?
-
Começou em finais do século XVIII e
durou até meados do século passado.
Mas a partir de 1850 já não faz
sentido falar de épocas completas que
abranjam do mesmo modo poesia e
filosofia, arte, ciência e música.
- Mas o
Romantismo foi ainda uma dessas
épocas?
- Sim,
e como disse, a última na Europa. Teve
início na Alemanha como reação ao
culto da razão no Iluminismo.
Após Kant e a sua fria filosofia
racional, os jovens na Alemanha
pareciam respirar fundo.
- E o
que é que colocaram no lugar da razão?
- Os
novos slogans eram
«sentimento», «fantasia», «vivência» e
«nostalgia». Alguns pensadores do Iluminismo
também tinham apontado para a
importância dos sentimentos - por
exemplo, Rousseau - e criticado a
insistência exclusiva da razão. Esta
corrente secundária tornou-se a
corrente principal da vida cultural
alemã.
- Então
Kant não foi popular por muito tempo?
Sim e
não. Muitos românticos viam-se como
herdeiros de Kant. Kant afirmara que
havia limites para aquilo que podemos
conhecer. Por outro lado, mostrara
como era importante o contributo do eu
para o conhecimento. E agora, no
Romantismo, o indivíduo tinha, por
assim dizer, livre curso para a sua
interpretação pessoal da existência.
Os românticos professavam um culto
quase desenfreado do eu. Por
isso, a essência da personalidade
romântica é também o génio artístico.
- Havia
muitos génios naquela época?
-
Alguns. Beethoven, por
exemplo. Na sua música, encontramos
uma pessoa que exprime os seus
próprios sentimentos e nostalgias.
Deste modo, Beethoven era um artista
«livre» - ao contrário dos mestres do
Barroco como Bach e Haendel que
compunham as suas obras para glória de
Deus e geralmente segundo regras
rigorosas.
- Eu
conheço apenas a sonata Ao luar
e a Quinta Sinfonia.
- Mas
vês como é romântica a sonata Ao
luar e como Beethoven se exprime
de forma dramática na Quinta
Sinfonia.
- Disseste
que os humanistas do Renascimento
também eram individualistas.
- Sim,
há muitos paralelismos entre o
Renascimento e o Romantismo. Um desses
paralelismos é, por exemplo, o grande
valor dado à importância da arte para
o conhecimento humano. Também neste
aspeto, Kant tinha aberto caminho para
o Romantismo. Na sua estética, ele
investigara o que sucede quando somos
dominados por uma coisa bela, uma obra
de arte, por exemplo. Quando vemos uma
obra de arte sem outro interesse que o
de «vivê-la» tão intensamente quanto
possível, ultrapassamos o limite
daquilo que podemos conhecer, ou seja,
o limite da nossa razão.
- Isso
quer dizer que o artista nos
proporciona algo que o filósofo não
pode proporcionar-nos?
- Era
assim que Kant pensava, e juntamente
com ele os românticos. [...]
O poeta
romântico inglês Coleridge exprimiu a
mesma ideia do seguinte modo:
(E se
adormecesses? E se, no teu sono,
sonhasses? E se, no teu sonho,
subisses aos céus e ali colhesses
uma estranha e bela flor? E ainda
se, ao acordares, tivesses a flor na
tua mão. Ah, como seria, então?)
- Que
bonito!
- Este
desejo de algo longínquo e inatingível
era típico dos românticos. Eles também
podiam ter a nostalgia de um mundo
desaparecido - por exemplo, a Idade
Média, que no Iluminismo
fora tida pela idade das trevas e era
agora revalorizada. Ou tinham
nostalgia de culturas distantes, por
exemplo, o «Oriente» com a sua
mística. E sentiam-se atraídos pela
noite, por ruínas antigas e pelo
sobrenatural. Preocupavam-se com
aquilo a que chamamos o lado noturno
da vida, ou seja, o obscuro, o lúgubre
e místico.
- Acho
que parece uma época excitante. Mas
quem eram então esses românticos?
- O
romantismo foi sobretudo um fenómeno
urbano. [...]
-
Quando dizes «romântico», eu penso em
grandes pinturas de paisagens. Vejo
florestas misteriosas e a natureza
selvagem... Envolvidas em névoa.
- Aos
traços mais característicos do
Romantismo pertenciam efetivamente a
nostalgia pela natureza e uma
verdadeira mística natural. Era um
fenómeno urbano, como disse - uma
coisa deste género não surge no campo.
Sabes que o estribilho «Regresso à
natureza!» provém de Rousseau. Só
então, no Romantismo, é que este mote
recebeu um verdadeiro impulso.
Gaarder, Jostein, O MUNDO
DE SOFIA, 5ª edição, Editorial
Presença, Lisboa, 1995
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Romantismo
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Romantismo
é designação duma época determinada
da História da Cultura - época mais
ou menos longa, que, no caso
português, abrange, conforme os
pontos de vista: 1) de cerca de
1770, quer dizer, do Pré-Romantismo
aos nossos dias, entendendo-se,
pois, o Realismo, o Simbolismo, O
Modernismo como desdobramentos ou
fases evolutivas dum primeiro
Romantismo, consequência duma
progressiva desagregação espiritual
que arrasta o cerebralismo puro e,
em contraste, a pura expansão das
forças irracionais; 2) de cerca de
1770 a 1865, data em que se produz a
chamada Questão Coimbrã, primeira
afirmação de rebelião da geração que
fará o Realismo português; 3)
excluído o Pré-Romantismo,
- de 1825, data de publicação do
poema Camões de Garrett,
já de intenção romântica, a 1865.
Alguns distinguem ainda entre
Romantismo (no conceito mais
restrito) e Ultrarromantismo,
que seria o período final, com o
postiço e os excessos que
caracterizam a dissolução da escola;
mas não parece fácil delimitar
cronologicamente os dois conceitos,
e mais convirá considerar
«romantismo» e «ultrarromantismo»
duas facetas paralelas, simultâneas,
dum movimento único. Na verdade, A
Noite do Castelo (1836) de
Castilho ou certos trechos da
«tragédia de família» que é a
história de Fr. Dinis nas Viagens
(1846) de Garrett
não são menos «ultrarromânticos» que
Soares de Passos ou João de Lemos;
pelo contrário, os epígonos do
Romantismo, como Bulhão Pato e Tomás
Ribeiro (para já não falarmos num
João de Deus) inclinam-se para uma
estética de maior naturalidade. O
que sucede é que os chefes de fila
do Romantismo português (embora
caindo por vezes nos defeitos que
verberam) procuram manter-se
sobranceiros ao folhetinesco, ao
melodramático, à mecanização de
processos expressionais - pechas que
pejorativamente rotulam de
«ultrarromânticas». E esses perigos
não cessam de ameaçar o Romantismo
ao longo da sua duração, apesar de Garrett,
em 1844, os julgar conjurados: o
público estaria cansado de
«estimulantes violentos»; «depois
das saturnais da escola
ultrarromântica» (eis a palavra que
surge) desejaria ordem e moderação
(«Memória
ao Conservatório»). Nota E). A
palavra será retomada por Camilo
Castelo Branco, que virá a pôr de
lado as receitas de «terror grosso»
com que fabricou os Mistérios de
Lisboa e o Livro Negro.
Os mentores do Romantismo português
procuram uma posição independente,
equilibrada, de certo modo
«antirromântica».
Rigorosamente,
só depois de 1836, quando as feridas
causadas pelas lutas entre
miguelistas e liberais começam a
cicatrizar, o Romantismo se
constitui em Portugal, como escola
com os seus adeptos menores, as suas
revistas, o seu público. Até lá,
assistimos a tentativas isoladas,
prefiguram-se casos individuais de
pioneiros: Garrett
canta a Saudade, idealiza um Camões
romanesco, joguete do Destino,
abjura as ficções pagãs, inspira-se
nos romances populares (Camões,
1825, D. Branca, 1826, Adozinda,
1828) e durante o cerco do porto,
sob o estímulo do romance histórico
de Hugo, delineia O Arco de
Santana; [...] Herculano,
poeta em verdes anos, põe em versos
austeros as fundas experiências do
exílio e dos combates pela
Liberdade, canta Deus e a Pátria (A
Harpa do Crente, 1838).
[...]
O Romantismo
português participa, está claro, das
características do Romantismo
europeu em geral; como sintetiza G.
Díaz-Plaja, «à necessidade de seguir
modelos clássicos, únicos, feitos de
geometria e razão - universais,
portanto -, opõe-se o direito de
multiplicar os modelos segundo o
clima e a época; de defender tantos
cânones quantos os indivíduos, de
preferir o típico ao arquetípico , o
folclore ao gay saber, o
pitoresco ao linear». O culto do
diferente explica a literatura
confessional, em que o eu
liricamente se exibe na
singularidade dos sentimentos e da
imaginação, como explica ainda o
nacionalismo estético, a valorização
do que distingue uma cultura
regional de todas as outras, logo o
apreço do tradicional e do popular
(«Este é um século democrático -
proclama Garrett
-; tudo o que se fizer há-de ser
pelo povo e com o povo»). E
determina do mesmo passo o gosto de
evocar a Idade Média (o distante no
tempo, época de mais livre expansão
dos impulsos, com o prestígio do
ideal cavalheiresco) e o gosto
exótico (o distante no espaço).
Algumas vezes aflora, segundo a
ideia de Rousseau, a ideia da
bondade natural do indivíduo,
pervertido e constrangido pela
sociedade (nas Viagens de Garrett,
por exemplo, e em Júlio Dinis);
Camilo defende contra a sociedade os
direitos dos que amam; mas a nota
dominante é a do espiritualismo
cristão, metafísica do pecado, da
penitência e do resgate (Eurico,
Fr.
Luís
de Sousa, Romance
dum Homem Rico), de mistura
com o fatalismo radicado na mente
popular e na literatura. Na temática
da poesia e da ficção, a par do amor
platónico, aspiração à mulher-anjo,
como a Dulce d' O Bobo,
abundam os sentimentos fortes,
carregados - ciúme, vingança,
desespero -, a exigirem o estilo
exclamativo, «frenético». Aliás, não
faltam os contemplativos, os
plangitivos lamartinianos, que
procuram no seio da natureza os
prazeres da melancolia e os
pressentimentos dum além-mundo. O
Romantismo constitui, por outro
lado, uma tomada de consciência, a
conquista dum senso histórico
(Herculano e discípulos) e dum senso
crítico novo aplicado aos fenómenos
da cultura (Garrett,
A. P. Lopes de Mendonça). Começa-se
a relacionar o Homem com o meio a
que pertence, a época de que é
produto. O instável Carlos das Viagens
é expoente duma época de crise, um moderno
que sofre de duplicidade amorosa e
acaba por se emburguesar, passando
de alma sensível a barão; o
próprio Camilo, conquanto mais
interessado pelas almas que pelas
realidades sociais, flagela com
aguda visão tipos e costumes dum
Portugal em metamorfose (por ex., em
A Queda dum Anjo).
Entretanto
podemos apontar alguns traços que
dão fisionomia particular ao
Romantismo português: estreitamente
ligado à Revolução liberal de 1820,
à emigração, à vitória sobre os
miguelistas e à reforma das
instituições, teve a chefiá-lo
patriotas como Garrett e
Herculano, que «mordiam o cartucho
(no dizer de Camilo) com tanta
seriedade de espírito como escreviam
a Harpa do Crente ou O
Arco de Santana», homens que
entendiam a literatura como tarefa
cívica, meio de ação pedagógica;
cumpre notar que Portugal era um
pequeno país decaído, humilhado,
saudoso da grandeza perdida, e que
portanto esses patriotas, confiantes
nas virtudes da Liberdade, se
propunham contribuir decisivamente
para um renascimento pátrio; o
espírito iluminístico, de
racionalização da ordem social e
difusão de «conhecimentos úteis»,
encontrou atmosfera propícia depois
de 1820, e sobretudo depois da
Revolução de Setembro (1836); aliás
os mentores do Romantismo português
revelaram-se homens de bom-senso, de
alicerces clássicos, inimigos de
excessos, sem propensão mística, sem
alardes messiânicos, antes de pés
fincados na terra; note-se que
lutaram contra a desmesura e a
trivialidade «ultrarromânticas», que
lamentaram a enxurrada de traduções
de novelas francesas, fator de
corrupção da língua vernácula e de
dissolução da moral portuguesa
antiga (isto apesar de um Garrett,
um Camilo até, não hesitarem em
atualizar a língua incorporando nela
modos de dizer alienígenas).
Feito um
balanço, teremos de assinalar um
exagerado historicismo (sobretudo
medievalismo, ingenuamente
convencional no teatro e no solau),
que por demais desviou a atenção da
realidade contemporânea; abundante,
monótona produção lírica, muito
prejudicada pela afetação piegas e
pela estética da espontaneidade, do
coração «ao pé da boca»
(espontaneidade que o autor das Folhas
Caídas, homem de apurado
gosto, habilmente simulou sem de
facto a praticar); frouxa crítica
literária, se a confrontarmos com a
de outros países. [...] restaurou-se
o teatro, chegando Garrett a
escrever uma verdadeira obra-prima,
o Frei
Luís de Sousa, drama
romântico imbuído do espírito
helénico, de trágica simplicidade;
[...]
Coelho, Jacinto do Prado,
DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3ª edição,
3º volume, Porto, Figueirinhas, 1979
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O
termo e o conceito de romântico
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O vocábulo
"romântico", tal como "barroco" ou
"clássico", apresenta uma história
complexa. Do advérbio latino romanice,
que significava «à maneira dos
romanos», derivou em francês o
vocábulo romanz, escrito rommant
depois do século XII e roman a
partir do século XVII. A palavra rommant
designou primeiramente a língua
vulgar, por oposição ao latim, tendo
vindo depois a designar também uma
certa espécie de composição literária
escrita em língua vulgar, em verso ou
em prosa, cujos temas consistiam em
complicadas aventuras heroicas ou
corteses.
[...]
No século XVII,
o adjetivo inglês romantic
significa «como os antigos romances»,
e pode qualificar uma paisagem, uma
cena ou um monumento - [...] -, ou
pode oferecer um significado
estético-literário. [...]
Não admira que
na atmosfera racionalista que envolve
a cultura europeia desde os finais do
século XVII, o vocábulo romantic
passe a significar quimérico,
ridículo, absurdo - qualidades (ou
defeitos) que se atribuíram
precisamente aos romances e poemas
romanescos, quer na literatura
medieval, quer de Ariosto, de Boiardo,
etc. Tal como "gótico", romântico
designa, na época do iluminismo,
tudo o que é produzido pela imaginação
desordenada, aquilo que é
inacreditável e que reflete um gosto
artístico irregular e mal esclarecido.
No entanto, a
par deste significado pejorativo, a
palavra que vimos a analisar oferece
no século XVIII um outro sentido: à
medida que a imaginação adquire
importância e à medida que se
desenvolvem formas novas de
sensibilidade, romantic passa
a designar o que agrada à imaginação,
o que desperta o sonho e a comoção da
alma, aplicando-se às montanhas, às
florestas, aos castelos, etc. Nesta
aceção - que, como foi dito acima, já
remonta ao século XVII -, foi-se
obliterando a conexão do vocábulo com
o género literário do romance,
tendo vindo romantic a
exprimir sobretudo os aspetos
melancólicos e selvagens da natureza.
O vocábulo
inglês romantic era vertido
para francês ora por romanesque,
ora por pittoresque. Em 1776,
porém, Letourneur, no prefácio da sua
tradução da obra de Shakespeare,
distingue romantique de romanesque
e de pitoresque, analisando os
respetivos matizes semânticos e
expondo os motivos que levaram a
preferir romantique, «palavra
inglesa»: o vocábulo, segundo
Letourneur, «encerra a ideia dos
elementos associados de uma maneira
nova e variada, própria para espantar
os sentidos», evocando, além disso, o
sentimento de terna emoção que se
apodera da alma perante uma paisagem,
um monumento, uma cena, etc. Em 1777,
o marquês de Girardin, na sua obra De
la composition des paysages, usa
igualmente o adjetivo romantique,
mas a palavra adquire definitivamente
direito de cidadania na língua
francesa, quando Rousseau, num passo
famoso das suas Rêveries d'un
promeneur solitaire, escreve que
«as margens do lago de Bienne são mais
selvagens e românticas do que as do
lago de Genebra». Através do francês,
o vocábulo penetrou depois noutras
línguas, como o espanhol e o
português.
Voltemos,
todavia, ao significado literário da
palavra romântico, que, como
ficou acima exposto, está já
documentado no século XVII. O vocábulo
romantic reaparece, com um
sentido similar ao que apresenta no
texto já mencionado de Rymer, na History
of english poetry (1774) de
Thomas Warton, cuja introdução se
intitula «The origin of romantic
fiction in Europe». Para Warton, o
termo romantic designa a
literatura medieval e parte da
literatura que se afasta da literatura
renascentista (Ariosto, Tasso,
Spenser), isto é, uma literatura que
se afasta das normas e convenções
vigentes na literatura greco-latina e
no neoclassicismo.
[...]
A par deste
conceito latamente histórico de
literatura romântica, aparece também
com frequência, no início do século
XIX, um conceito tipológico de
romantismo, corporizado principalmente
na oposição clássico-romântico.
Goethe reivindicou a paternidade desta
famigerada distinção, mas foi
indubitavelmente August Wilhelm
Schlegel quem, inspirando-se em boa
parte na oposição estabelecida por
Schiller entre poesia ingénua
e poesia sentimental, elaborou
a mais sistemática e mais influente
exposição sobre as diferenças
existentes entre a arte clássica e a
arte romântica. Na décima terceira
lição do seu Curso de literatura
dramática, A. W. Schlegel
caracteriza a arte clássica como uma
arte que exclui todas as antinomias,
ao contrário da arte romântica, que se
compraz na simbiose dos géneros e dos
elementos heterogéneos: natureza e
arte, poesia e prosa, ideias abstratas
e sensações concretas, terrestre e
divino, etc.; a arte antiga é uma
espécie de «nomos rítmico, uma
revelação harmoniosa e regular da
legislação - fixada para sempre - de
um mundo ideal em que se refletem os
arquétipos eternos das coisas», ao
passo que a poesia romântica «é
expressão de uma misteriosa e secreta
aspiração pelo Caos incessantemente
agitado a fim de gerar novas e
maravilhosas coisas»; a inspiração da
arte clássica era simples e clara,
diferentemente do génio romântico que,
«apesar do seu aspeto fragmentário e
da sua desordem aparente, está contudo
mais perto do mistério do universo,
porque, se a inteligência jamais pode
apreender em cada coisa isolada senão
uma parte da verdade, o sentimento, em
contrapartida, ao abranger todas as
coisas, compreende tudo e em tudo
penetra»; [...]
Nas literaturas
espanhola e portuguesa, aparecem os
primeiros grupos românticos durante a
terceira década do século XIX,
concomitantemente com a instauração de
regimes liberais nos dois países da
Península Ibérica e com o regresso de
exilados que, na França e na
Inglaterra, haviam conhecido as novas
tendências estético-literárias.
Aguiar
e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
Livraria Almedina, 1982
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Diversidade
e
unidade
do
romantismo europeu
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Num importante
estudo que consagrou ao romantismo,
René Wellek defende, contra o parecer
de Arthur Lovejoy e de outros
críticos, que o romantismo constitui
de facto um movimento unificado,
oferecendo através da Europa «a mesma
conceção da poesia, das obras e da
natureza da imaginação poética, a
mesma conceção da natureza e das suas
relações com o homem e, basicamente, o
mesmo estilo poético, com um uso da
imagística, do simbolismo e do mito
que é claramente distinto do do neoclassicismo
do século XVIII». Na verdade, se se
verificam assincronias e diferenças
mútuas acentuadas entre as várias
literaturas românticas europeias, não
é menos certo que em todos os
movimentos românticos nacionais se
revelam alguns princípios basilares
que permanecem constantes e que
conferem unidade substancial ao
período romântico. Os princípios
mencionados por René Wellek - idêntica
conceção da poesia, da imaginação
poética, da criação artística, etc. -
são inquestionavelmente de primeira
importância, mas promanam de um outro
princípio mais geral que constitui o
fundamento primário de toda a estética
e de toda a psicologia românticas -
uma nova conceção do eu, uma nova
forma de Weltanschauung,
radicalmente diferentes da conceção do
eu e da Weltanschauung típicas
do racionalismo iluminista.
Aguiar
e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
Livraria Almedina, 1982
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O
idealismo alemão e o romantismo
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A conceção do Eu elaborada pela
filosofia idealista germânica,
sobretudo por Fichte e Schelling,
constitui um dos elementos dorsais do
romantismo alemão e, de modo difuso,
de todo o romantismo europeu.
Desenvolvendo,
como ele próprio reconheceu, alguns
conceitos do pensamento kantiano,
Fichte desviou de modo total a
filosofia dos objetos exteriores,
superando assim a posição de Kant, que
conservara os conceitos de «coisa em
si» e de «númeno». Para Fichte, o Eu
constitui a realidade primordial e
absoluta, tal como a consciência de si
representa o «princípio absoluto de
todo o saber». O Eu fichtiano
afirma-se a si próprio, revelando-se
como Eu absoluto, pois «a sua essência
consiste unicamente no facto de se
afirmar ele próprio como sendo», e
como Eu puro, pois o Eu é uma
atividade pura, isto é, uma atividade
que não pressupõe um objeto para se
realizar: «Eu sou muito simplesmente o
que sou, e eu sou muito simplesmente
porque sou». Quer dizer, o Eu é
simultaneamente agente e produto da
ação, tendo Fichte definido esta
natureza dupla e ao mesmo tempo única
do Eu com o vocábulo Tathandlung.
A atividade pura do Eu e o Eu puro são
infinitos, definindo-se esta atividade
pura como a «faculdade absoluta de
produção dirigindo-se para o ilimitado
e o ilimitável», isto é, definindo-se
como a infinitude do Eu. Se, num
primeiro momento, o Eu se auto-afirma,
a sua atividade não é possível sem uma
oposição: o Eu opõe-se a um não-Eu.
Desta oposição, que obriga o Eu a
refletir-se e a limitar-se, depende a
consciência - que tem de ser
consciência de alguma coisa - e o
desdobramento do ideal e do real, do
conhecer e do ser.
A teoria
fichtiana do Eu absoluto influenciou
profundamente a conceção romântica do
eu e do universo, pois os românticos,
interpretando erroneamente o
pensamento de Fichte, identificaram o
Eu puro com o eu do indivíduo, com o
génio individual, e transferiram para
este a dinâmica daquele. O espírito
humano, para os românticos,
constitui uma entidade dotada de uma
atividade que tende para o infinito,
que aspira a romper os limites que o
constringem, numa busca incessante do
absoluto, embora este permaneça sempre
como um alvo inatingível. Energia
infinita do eu e anseio do absoluto,
por um lado; impossibilidade de
transcender de modo total o finito e o
contingente, por outra banda - eis os
grandes pólos entre os quais se
desdobra a aventura do eu romântico.
«Por toda a parte procuramos o
Absoluto», escreve Novalis num dos
seus Fragmentos, «e nunca
encontramos senão objetos».
O mundo
romântico, diferentemente do mundo
humanístico e do mundo iluminista,
está radicalmente aberto ao
sobrenatural e ao mistério, pois
representa apenas «uma aparição
evocada pelo espírito». No prólogo da
segunda parte do romance de Novalis Heinrich
von Ofterdingen, Astralis grita:
« Espírito da terra, o teu tempo
passou!» Tudo o que é visível e
palpável não representa o real
verdadeiro, pois que o autêntico real
não é percetível aos sentidos. O
verdadeiro conhecimento exige que o
homem desvie o olhar de tudo quanto o
rodeia e desça dentro de si próprio,
lá onde mora a verdade tão
ansiosamente procurada: «É para o
interior que se dirige o caminho
misterioso. Em nós, ou em parte
nenhuma, estão a eternidade e os seus
mundos, o futuro e o passado. O mundo
exterior é o universo das sombras»,
conclui Novalis.
Aguiar
e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
Livraria Almedina, 1982
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Prometeu - uma
figura mítica dos românticos
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A aventura do eu
romântico apresenta uma feição de
declarado titanismo,
configurando-se o herói romântico como
um rebelde que se ergue, altivo e
desdenhoso, contra as leis e os
limites que o oprimem, que desafia a
sociedade e o próprio Deus. Prometeu é
a figura mítica que os românticos
frequentemente exaltam como símbolo e
paradigma da condição titânica do
homem, pois que, tal como Prometeu, é
o homem um ser em parte divino, um
«turvo rio nascido de uma fonte pura»,
cujo destino é urdido de miséria,
solidão e rebeldia, mas que triunfa
deste destino pela revolta e
transformando em vitória a própria
morte, como proclamou Byron: «Na tua
paciente energia, na resistência e na
revolta do teu invencível Espírito,
que nem a Terra nem o Céu puderam
abalar, herdámos nós uma poderosa
lição; tu és para os Mortais um
símbolo e um sinal do seu destino e da
sua força. Como tu, o Homem é em parte
divino, um turvo rio nascido de uma
fonte pura; e o Homem pode prever
fragmentariamente o seu destino
mortal, a sua miséria, a sua revolta,
a sua triste existência solitária, ao
que o seu Espírito pode opor a sua
essência à altura de todas as dores,
uma vontade firme e uma consciência
profunda que, mesmo na tortura, pode
descobrir a sua recompensa concentrada
em si própria, pois que triunfa quando
ousa desafiar e porque faz da Morte
uma Vitória. [...]
Aguiar
e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
Livraria Almedina, 1982
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O
exotismo e o medievalismo
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Palácio
da Pena - Sintra
Profundamente
desgostado da realidade circundante -
encarnação do efémero, do finito e do
imperfeito -, em conflito latente ou
declarado com a sociedade, lacerado
pelos seus demónios íntimos, o
romântico procura ansiosamente a
evasão: evasão no sonho e no
fantástico, na orgia e na dissipação,
ou evasão no espaço e no tempo.
A evasão no
espaço conduz ao exotismo, ao gosto
pelos costumes e paisagens de países
novos e estranhos, e, por vezes, ao
gosto pelo bárbaro e primitivo.
O exotismo
revelara-se já na literatura pré-romântica,
mas desenvolveu-se grandemente com os
românticos, satisfazendo ao mesmo
tempo os seus anseios de evasão e a
exigência da verdade na pintura do
homem e dos seus costumes. Por isso
mesmo, a cor local, ou seja a
reprodução fiel e pitoresca dos
aspetos característicos de um país,
uma região, uma época, etc., constitui
um dos recursos mais vulgarizados na
arte romântica.
Entre os países
europeus, a Itália e a Espanha, países
de paisagens e costumes tão
característicos, de contrastes
violentos e de paixões exaltadas,
representaram as grandes fontes
europeias do exotismo romântico; fora
da Europa, o Oriente, com o seu
mistério, o fascínio das suas
tradições, das suas cores e dos seus
perfumes, transformou-se no mito
central do exotismo dos românticos.
A evasão no
tempo conduziu à reabilitação e à
glorificação da Idade Média, época
histórica particularmente denegrida
pelo racionalismo iluminista. A Idade
Média atraía a sensibilidade e a
imaginação românticas pelo pitoresco
dos seus usos e costumes, pelo
mistério das suas lendas e tradições,
pela beleza nostálgica dos seus
castelos, pelo idealismo dos seus
tipos humanos mais relevantes - o
cavaleiro, o monge, o cruzado... -,
mas solicitava também o espírito dos
românticos por outras razões mais
poderosas.
As primeiras
gerações românticas europeias
apresentam-se impregnadas, em larga
medida, de uma ideologia reacionária,
contraposta aos princípios
revolucionários de 1789 e ao
racionalismo ateu do «século das
luzes». Para estes românticos,
católicos e antirrevolucionários, a
Idade Média representava uma época de
segurança e de estabilidade política,
social e cultural, que se contrapunha
à tendência individualista e
desagregadora do liberalismo europeu,
herdeiro da Revolução Francesa.
Friedrich Schlegel, por exemplo, opõe
a solidez orgânica e a saúde moral da
sociedade medieva, fundamentada nos
princípios cristãos, à anarquia e ao
individualismo pagão dos tempos
modernos. [...]
Aguiar
e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
Livraria Almedina, 1982
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A
religiosidade romântica
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A valorização do
inconsciente, da intuição e das
faculdades místicas constitui, como
temos referido, um aspeto importante
do romantismo. A revivescência do
ideal religioso, após o parcial
eclipse das crenças religiosas gerado
pelo racionalismo iluminista,
integra-se nesta vaga de misticismo e
de arracionalismo românticos.
Visceralmente
individualista e egotista, o romântico
dificilmente aceita uma ortodoxia
baseada num corpo de dogmas e
garantida pela autoridade de uma
hierarquia. A sua religiosidade é
preponderantemente de natureza
sentimental e intuitiva; o seu diálogo
com a divindade tende a dispensar a
mediação do sacerdote e o formalismo
dos ritos, desenrolando-se na
intimidade da consciência. Na senda da
«Profession de foi du vicaire
savoyard» de Jean-Jacques Rousseau, os
românticos descobriram e cultuaram
Deus nos astros e nas águas do mar,
nas montanhas e nos prados, no vento,
nas árvores e nos animais, em tudo o
que existe nas intérminas plagas do
universo. O panteísmo representa, com
efeito, a forma de religiosidade mais
frequente entre os românticos. [...]
Aguiar e Silva,
Vítor Manuel de, TEORIA DA LITERATURA,
4ª edição, Coimbra, Livraria Almedina,
1982
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Formas e
estilo
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O romantismo
libertou a criação literária das
coações advindas das regras, condenou
a teoria neoclássica dos géneros
literários, reagiu violentamente
contra a conceção dos escritores
gregos e latinos como autores
paradigmáticos, fonte e medida de
todos os valores artísticos.
Muitas formas
literárias características do neoclassicismo,
tais como a tragédia, as odes
pindáricas e sáficas, a égloga, etc.,
entraram em total decadência no
período romântico, ao passo que se
desenvolveram singularmente formas
literárias novas como o drama, o
romance histórico, o romance
psicológico e de costumes, a poesia
intimista e a poesia filosófica, o
poema em prosa, etc.
A língua e o
estilo transformaram-se profundamente,
enriquecendo-se em particular no
domínio do adjetivo e da metáfora. A
linguagem literária abandonou os
artifícios expressivos de origem
mitológica, verdadeiros tópicos da
tradição literária dos séculos
anteriores, já surrados e desprovidos
de qualquer capacidade poética, ao
mesmo tempo que se aproximava da
realidade e da vida: «Sem renunciar à
sintaxe e à disciplina poética, o
romântico reagiu, em geral, contra a
tirania da gramática e combateu o
estilo nobre e pomposo, que
considerava incompatível com o natural
e o real, e defendeu o uso de uma
língua libertada, simples, sem ênfase,
coloquial, mais rica». Igual tendência
para a liberdade se verificou no
domínio da versificação.
Aguiar
e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
Livraria Almedina, 1982
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Características
do Romantismo
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Quanto
ao público que lê
a)
Democratização.
Deixa a nova
literatura de ser só para reis, para
fidalgos ou para círculos fechados de
eruditos e torna-se a literatura do
povo. O livro de cordel, o jornal, o
romance picaresco, até mesmo o D.
Quixote de Cervantes tinham
arroteado o caminho a seguir pela obra
romântica, entusiasmando a burguesia.
Para esta classe, ávida de ler, se
destina a literatura do Romantismo. Os
burgueses é que vão ser os seus
consumidores mais assíduos.
O povo humilde
continuará analfabeto. [...]
Mas pelo menos é
curioso constatar que a poesia das
décadas de 840 e 850 e sobretudo a
ultrarromântica invadiu infrene o
interior das famílias burguesas,
ficando profundamente ligada ao
mundanismo, à vida cívica:
escreviam-se versos em álbuns,
acompanhavam-se poemas a canto e piano
nos salões, havia recitais poéticos em
festas de beneficência e patrióticas,
promoviam-se saraus literários.
Foi por este
motivo que se assistiu então a uma
típica «aculturação» da mulher
burguesa com a aprendizagem da língua
francesa e da música.
b) Tom
de mensagem ao próximo.
A obra literária
literária não é já um mundo fechado de
valores para eleitos; é uma
comunicação franca de ideias práticas
e vitais a todo o leitor. Envereda
até, uma vez ou outra, pelos caminhos
da denúncia social e do
empenhamento político.
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Quanto
ao génio criador
Vai notar-se o
predomínio da emoção, do sentimento
sobre a razão e o espírito ordenador
dos clássicos; isto é, vai sobrepor-se
o culto do «eu» e dos direitos do
coração às imposições orientadoras da
inteligência (reação contra o
racionalismo clássico).
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Quanto
aos temas
a)
Culto da Idade Média. O
«historicismo».
O Romantismo
deixou de ter admiração por tudo
quanto era greco-romano e baniu de vez
o uso da mitologia. A Idade Média,
tempo admirável em que o povo ajudava
os reis a criar nações e em que os
mesteirais, organizados em
corporações, tinham iniludível valor
político-social, seduziu com as suas
narrações cheias de peripécias os
românticos, visceralmente opostos aos
absolutismos e partidários em política
da soberania do povo.
Esta evasão para
os tempos medievos proporcionou aos
escritores o contacto com lugares,
factos e tipos capazes de inspirarem a
imaginação mais fria: castelos
musgosos, lendas e tradições,
cavaleiros, monges, cruzados, mouros,
judeus.
Note-se, porém,
que os temas de atualidade não foram
postergados (por exemplo em Viagens
na Minha Terra de Garrett)
e até estiveram em voga nas poesias
revolucionárias dos epígonos do
Romantismo, para só falarmos no caso
português.
b)
Novo modo de ver a paisagem.
À idealização do
«locus amoenus» prefere o romântico a
descrição do «locus horrendus», e bem
carregada nas tintas.
Despreza, por
isso, o bucolismo de «ervas verdes e
águas cristalinas» e o entusiasmo
vai-lhe todo para a paisagem agreste,
exótica, para a selva virgem com sua
típica desordem, com suas asperezas e
impetuosidades, com suas cataratas e
rios caudalosos. A paisagem noturna,
sepulcral, luarenta, é a que melhor se
adapta aos sentimentos melancólicos
dos autores. Às vezes, num
semipanteísmo, o romântico vê-se
embebido na mesma paisagem, a fazer um
todo com ela e com ela identificando o
seu estado de espírito. Ela como que
se transfigura em símbolos. O poeta
romântico tem com ela uma espécie de
contacto sensual que quase o leva ao
êxtase.
c)
Preferência pelo homem na sua
realidade total.
Sabemos que a
beleza para o escritor clássico
residia na imitação da natureza, não
no particular, mas no universal. Em
vez de criar tipos verosimilhantes aos
seres individualizados e reais,
idealizava seres com todas as
perfeições e sem quaisquer defeitos.
O autor
romântico procede de maneira
diferente: movimenta nas suas obras
todos os tipos humanos. Sente gosto em
referir com pormenor os traços
individuais dos heróis, não tendo pejo
de colocar ao lado de pessoas sãs os
marginais, os fora de lei, os aleijões
tanto morais como físicos: o ladrão, o
pirata, o assassino, o traidor, o
perjuro, i incestuoso, o adúltero, a
prostituta, o sacrílego, o cego, o
corcunda, o mutilado. Às vezes, não
teme aliar a elevação de sentimentos à
hediondez física (como acontece, por
exemplo, nestas personagens muito
conhecidas: o sineiro Quasimodo de Nossa
Senhora de Paris, de Vítor Hugo,
e o jardineiro Belchior de A
Escrava Isaura, de Bedrnardo
Guimarães).
d)
Intimismo e melancolia. Evasão.
Desde Bernardim
e Rodrigues Lobo que o romance
português vinha explorando uma
melancolia patológica, a oscilar entre
o pessimismo confessado e os desejos
de um contentamento e de uma
satisfação sempre longínquos. Agora,
porém, mais do que nunca vai o homem
romântico expandir o que nele há de
mais pessoal e íntimo, a começar pela
sensibilidade e voos da fantasia e a
acabar nos impulsos do subconsciente.
Daí que, ao contrário dos clássicos,
sinta doce volúpia no sofrimento e
prefira registar situações de dor e de
melancolia, e ambientes de
nebulosidade nórdica como o
entardecer, o escurecer, a noite, as
florestas sombrias, as cavernas, as
ruínas, os agouros, os sonhos, a
morte. A personagem romântica,
mergulhada nesta melancolia
pessimista, procura evadir-se umas
vezes para o além-morte através do
suicídio, outras vezes para o
convento, o sacerdócio, a solidão, a
loucura.
e)
Exaltação do que é nacional e
popular.
A cultura
francesa do século XVIII tinha
unificado espiritualmente a Europa;
Napoleão Bonaparte tentou a unificação
política. Como reação, es escritores
românticos procuram exaltar tudo
quanto é nacional, tudo quanto é
popular. E crêem que a alma dos
nacionalismos europeus incarnou no
povo da Idade Média e no povo se tem
mantido inalterada. O popular e o
folclórico adquirem, desta maneira, um
grande prestígio junto da nova escola.
Foi por isso que
a literatura romântica cedo adquiriu
um caráter cívico e patriótico e
enveredou a pouco e pouco pelo
historicismo, tratando com muito
carinho figuras nacionais.
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Quanto
aos aspetos formais
a)
Independência criativa.
O génio criador
agora não pode estar sujeito a normas
férreas, como eram as da estética
clássica. Essas normas são totalmente
banidas, pois convertem a arte num
puro mecanismo. O escritor romântico
voa nas asas da imaginação, dos seus
sentimentos e instintos. Criará obra
estritamente pessoal. Não admite mais
a divisão dos géneros clássicos. Com
exceção do soneto, que conserva,
inventa novos agrupamentos estróficos.
Opõe-se tenazmente à imitação
paradigmática dos escritores gregos e
romanos.
[...]
-
Confronto
entre as tendências do
Classicismo e do Romantismo
Classicismo
|
Romantismo
|
A razão, a
inteligência |
O coração, a
sensibilidade, a imaginação
|
O geral, o
universal |
O particular,
o individual |
O objetivo, o
impessoal |
O subjetivo,
o pessoal |
A vontade, o
heroísmo |
A melancolia,
o abatimento |
A
inteligência, as abstrações
|
As sensações,
a sensibilidade |
A clareza, a
ordenação |
O mistério, o
sonho, a meditação |
O paganismo
|
O
cristianismo |
O culto da
antiguidade greco-latina |
O culto da
Idade Média e dos tempos modernos |
O
aristocrático, o nobre, o
tradicionalista |
O popular, o
pitoresco, a paisagem |
(Cfr.
Vergínia Mota, Manual de História
da Literatura Portuguesa, 2ª
edição, Lisboa, pág. 169).
Barreiros,
António José, HISTÓRIA DA LITERATURA
PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição,
Braga, Livraria Editora Pax, Lda,
1992
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