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No artigo sobre o Romantismo
já foi criticada a propriedade desta designação
usada por Teófilo Braga num sentido restrito,
que a relaciona com o medievismo romântico: «A
representação exclusiva da Idade Média, à falta
de objetividade, levou ao exagero da frase, a
ênfase retórica, produzindo um estilo chamado Ultrarromantismo»
(Introdução e Teoria da História da
Literatura Portuguesa, Porto, 1896, p.
359). Tornou-se habitual classificar de
«ultrarromânticos» os poetas surgidos na
literatura portuguesa depois de 1838: Maria
Browne, Alexandre Braga, José da Silva Mendes
Leal, seu irmão António Joaquim Teodorico Mendes
Leal (1831-1875), autor de Poesias
(1859) e dramaturgo, Camilo Castelo Branco,
Soares de Passos, João de Lemos, Luís Augusto
Palmeirim, Gomes de Amorim, Bulhão Pato, Tomás
Ribeiro, A. X. Rodrigues Cordeiro 8Esparsas,
1889), Joaquim Pinto Ribeiro (Lágrimas e
Flores, 1854; Coroas Flutuantes,
1862), Francisco Palha, Augusto Luso da silva,
J. S. da Silva Ferraz, Ernesto Pinto de Almeida,
etc. O período ultrarromântico iria até 1865,
data da «Questão Coimbrã». A designação
emprega-se também a respeito do teatro, e só
esporadicamente em referência à novelística.
Mas, tendo a palavra Ultrarromantismo um
matiz claramente pejorativo, não parece justo
aplicá-la por igual a toda a produção daqueles
autores; e aspetos «ultrarromânticos»
(ingredientes terríficos, folhetinescos,
convencionais, e oratória de melodrama,
convencional também) encontram-se nas obras dos
grandes românticos, Garrett
e Herculano, como se nos deparam nos poemas de
Castilho à maneira romântica (Noite do
Castelo, Ciúmes do Bardo).
A
poesia dos autores acima aludidos apresenta,
mais ou menos acentuados ou mecanizados, os
carateres que a História Literária atribui ao
Romantismo: pessimismo, insatisfação,
melancolia, ânsia de absoluto, religiosidade
cristã, pendor confessional, idealismo amoroso,
elevada temperatura dos afetos, sentimentalismo
burguês (temas como: o baile, onde nascem
paixões «vulcânicas»; a mãe e o filho morto; o
cemitério). A par disto, gosto de pretextos
medievais; tendência folclórica e popularizante.
Alguns cantam a Pátria e a Liberdade,
denunciando aspirações sociais. Nota-se, por
outro lado, que a poesia desempenha uma função
mundana: há muitos versos para álbuns, versos
para recitar em salões particulares ou teatros.
O preconceito da espontaneidade torna esta
poesia demasiado «fácil», de versificação frouxa
e vocabulário muito repetido. Continua a
respeitar-se a rigorosa distinção entre «poesia»
e «prosa» no domínio lexical: o vocabulário da
poesia é seleto, requintado(«almo», «cerúleo»,
«níveo», «favónio», «carme», etc.), em certos
casos medievalizante (o poeta é «bardo» ou
«trovador», escreve «solaus», etc.).
Os
próprios românticos (Castilho, Garrett, Camilo)
censuraram ou meteram a ridículo os excessos do
Romantismo, a sua
degradação pelo emprego de receitas ao gosto do
público menos exigente. Castilho já em 1832,
numa carta a J. V. Cardoso da Fonseca, usava
pejorativameneto adjetivo ultrarromântico
(tê-lo-á formado?) a respeito dum estilo
declamatório que - supunha - não duraria muito
tempo. Xavier de Novais parodia o teatral
desespero dos vates byronianos da época:«Estou
cético! Descreio / De tudo... mesmo do amor:
/ Rasga-me um punhal o seio, /
não posso com tanta dor...» No romance Helena,
deixado incompleto por Garrett,
também se critica um idealismo doentio,
«escolar», e a respetiva pobreza de rimas: «eu
escrevo uma história, não faço versos à Lua,
debruçado nos balcões ideais duma criação
caprichosa e imaginário estilo... devorado pelo
verme roedor dos negros pensamentos, que
baloiçam tristemente ao vento da solidão no
crepúsculo da noite... et., etc., com três
versos na mesma rima seguida, e um agudo depois
em ão, coração, desesperação
ou semelhantes...» (ed. 1899, t. XXII das Obras
Completas, p. 56). E Camilo, em 1848, num
artigo do Nacional, usa o adjetivo gongórico,
no sentido de maneirista,
a respeito da poesia do tempo: «Queria fazer-te
uma poesia gongórica,
como essas que por aí lês que não passam do rubim,
cramesim, marfim - rosal,
cristal, angelical...» (in Dispersos,
I, p. 40).
Coelho, Jacinto do
Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3ª edição, 4º
volume, Porto, Figueirinhas, 1979
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