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Pré-Romantismo
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Dá-se este nome, na história
da literatura portuguesa, ao conjunto
de manifestações duma sensibilidade e
dum gosto românticos antes de 1825,
data que se toma convencionalmente
para marcar o início do Romantismo em
Portugal. A ideia de que o Romantismo,
ou certos aspetos dele, se encontram,
em germe, na segunda metade do séc.
XVIII remonta à historiografia
literária oitocentista...
(...) Hoje podemos definir o
Pré-Romantismo pelas seguintes
características: inculca-se o perfil
do poeta nascido sob o signo infeliz,
inclinado à melancolia e ao desespero;
assim, o poeta compraz-se no
isolamento e na paisagem emsombrada,
lúgubre; a intuição do mistério do
universo leva-o a confiar em agouros e
pressentimentos, aumentando a sua
inquietação; o poeta vive intensamente
pelos afetos, pelas emoções e até
pelos sentidos, é um ser vibrátil,
apaixonado, e o instrumento da
perseguição dos Fados é muitas vezes
um amor total, de corpo e alma,
avassalador, ou então violentamente
sensual; o instinto, segundo a lição
de Rousseau, é nimbado de inocência, e
chega-se a entender o amor como um
absoluto, uma espécie de religião
depuradora e exaltante que a sociedade
não tem o direito de tolher; a poesia
dá vazão ao tumulto interior, torna-se
expansiva e confidencial, tende a
confundir-se com a vida; por outro
lado, procura-se uma linguagem nova,
não só impressionante, excessiva, de
tintas violentas, mas capaz de
traduzir imediata e fielmente o
próprio fluxo subjetivo (aqui
oscila-se entre a espontaneidade
emocional e a declamação espetacular);
reagindo-se contra o racionalismo
iluminístico, exprime-se a nostalgia
do maravilhoso ou do pitoresco
folclórico (lendas, contos de fadas,
velhos usos e tradições); enfim, o
gosto da paisagem diferente e do
maravilhoso etnográfico leva aos
primeiros assomos de exotismo (entre
nós o exotismo brasílico).
Estes aspetos, que
naturalmente se entrelaçam, abrangem a
maior parte, e a mais significativa,
do que virá a ser o Romantismo; mas
surgem, por ora, associados, não raro
de modo paradoxal, quer ao
neoclassicismo (figuração mitológica,
alegoria, imitação, adoção de modelos
greco-latinos e quinhentistas), quer
ao iluminismo (afirmações de deísmo,
endeusamento da Razão e da Liberdade).
Note-se que, rigorosamente, não há
Pré-Romantismo, pois não se trata de
um movimento uno e de diretrizes
conscientes, mas sim pré-românticos,
cada um com a sua feição individual e
combinando de modo sui
generis ingredientes
neoclássicos e pré-românticos. Só
depois do Romantismo seria possível
tomar consciência de como este
movimento se anunciou e foi elaborando
no séc. XVIII, ante
litteram.
Note-se ainda que os aspetos
atrás apontados nem são comuns a todos
os autores considerados pré-românticos
nem se manifestam simultaneamente. Com
efeito, não são comuns: o endeusamento
do amor que é paixão voluptuosa e
sublimação do instinto encontra-se em
José Anastácio, em Bocage, mas
não em Xavier de Matos ou em Filinto;
mais brando e espiritual é o erotismo
de Gonzaga, apesar de certos
pormenores «realistas» do retrato
físico da noiva; a criação duma
linguagem imediata da sensibilidade,
incerta e ofegante, é privilégio de
José Anastácio; entretanto, não
propende este à pintura do locus horrendus onde,
solitário, o poeta se afoga em
tristeza - pintura em que convergem
Xavier de Matos, a Marquesa de Alorna,
Bocage
(...) o fluminense António Pereira de
Sousa Caldas, se tem aqui jus a
menção, é pela ode «Ao Homem
Selvagem», onde contrapõe as leis
sociais, «montão de cadeias» que
infelicitam os homens, às leis que
escreveu nos nossos peitos a Natureza
«simples e constante» (lição de
Rousseau), ou pelo estilo caloroso,
fremente, ou ainda pela inquietação
religiosa, que também se descobre em
José Anastácio e Bocage: «A
minha alma inconstante / Crê, presume,
vacila, incerta treme, / E em dúvidas
cruéis aflita geme»; a nostalgia do
maravilhoso popular ou tradicional
(contos de fadas, literatura de
cordel) singulariza Filinto Elísio,
acicatado pelas saudades da Pátria e
da infância e sob o estímulo do
germanismo introduzido em Portugal por
Alcipe (a Marquesa de Alorna); são
também as queixas do exilado o que
mais impressiona em Bento Luís Viana,
«Filinto Insulano» (S. Miguel,
1794-Londres, 1823)? cujas Poesias (Paris, 1821)
cantam a Liberdade e exaltam
«Rousseau, Voltaire, Montesquieu
divinos»; o exotismo brasílico
aproxima Santa Rita Durão e J. Basílio
da Gama, nascidos na colónia, e o
árcade Cruz e Silva, nascido na
metrópole, já atento à natureza e às
lendas do Brasil (nomeadamente nas Metamorfoses).
Por outro lado, convém
insistir, esses aspetos não se afirmam
simultaneamente. Agrupar os chamados
pré-românticos em gerações ajudaria a
compreender o modo como o
Pré-Romantismo se processou entre nós.
(...)
Coelho, Jacinto do Prado,
DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3ª edição,
3º volume
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A Liberdade, o
Amor e a Angústia
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O terceiro quartel do século
XVIII em Portugal foi profundamente
perturbado pela ação do marquês de
Pombal, «déspota esclarecido» segundo
um modelo que a conjuntura nacional o
temperamento do ministro afeiçoaram de
maneira empírica, apressada e
contraditória. A ideologia ou as
ideologias do «Iluminismo» penetraram
com dificuldade nos esquemas mentais
Nação que deviam retomar propostas de
há século já. Adoptaram-se assim
ideias de Colbert ainda eis para a
definição do estatuto social de uma
nova classe sobre a qual Pombal devia
apoiar seu sistema. As reformas do
ministro tendiam a levar a cabo uma
cisão entre a corte e a sua nobreza
ainda barroca e uma elite
burguesa empreendedora no plano
dos negócios. Cisão - mas também
fusão, se a nobreza aceitasse servir,
m derrogação, as ideias progressistas
de Pombal. O Colégio dos Nobres,
instalado em lugar Colégio dos
Jesuítas expulsos, velará por esta
fusão necessária. O processo de
evolução ti social foi, na aparência,
provocado e sem dúvida p acelerado
pelo terramoto de 1755, que permitiu
ao ministro ver-se investido de plenos
poderes. Uma nova cidade saiu então da
sua vontade ; os planos de Lisboa
pombalina traduzem esquemas
ideológicos novos, a sua realização
será sobretudo devida aos capitais dos
apaniguados de Pombal (1) .Pode
falar-se então de uma espécie de
mutação na vida nacional. A Lisboa
nova, espécie de Salento real, será o
décor que o «terrível
marquês» oferece à sua própria ação
reformadora - comparável também a um
terra- moto.
Nesta cidade em ruínas, cujos
projetos de reconstrução, sob um
desenho barroco voluntariamente
empobrecido e ainda derivado do
maneirismo espanhol de Herrera,
anunciam as virtudes do neoclassicismo
- nesta cidade racional, os próprios
poetas exaltavam a sageza de uma
realidade burguesa e quotidiana.
Constituindo então a poesia o único
domínio literário importante pela sua
qualidade, nela devemos procurar os
sintomas significativos de uma
alteração estrutural. Sob Pombal, a
poesia, levada por esta reforma da
mentalidade, tinha por dever instruir.
Verney, conselheiro filosófico que o
ministro conservava prudentemente a
distância, impunha-lhe limites
demasiado estreitos que um poeta como
Correia Garção (meio Diderot meio
Boileau, pela força de circunstâncias
anacrónicas) alargava com a sua verve
crítica, no quadro da nova Arcádia,
academia de poetas fiel ao ditador.
As regras que resistiam ainda
aos dados do quotidiano impunham,
porém, o uso de uma cultura clássica
ancilosada cujas imagens mito- lógicas
encontravam uma justificação nas
poéticas de Aristóteles e de Horácio,
manejadas com constância. Horácio,
Virgílio, Ovídio e Píndaro também são
modelos seguidos e frequente- mente
traduzidos. Mas, por detrás da hábil
fachada de um neoclassicismo
literário, fortes sentimentos
individuais despontavam já, mesmo
entre os amigos do marquês reformador.
Dois poetas nascidos em 1774
vão permitir-nos precisar o movimento
subtil que orienta a cultura dos
árcades e marca já o seu processo de
dissolução. Os historiadores da
literatura dão-lhes o nome de
«pré-românticos», separando-os, assim,
da sua geração ainda submetida a
valores clássicos - e nós devemos
aceitar este nome, sem dúvida perigoso
mas que sugere os caminhos do futuro.
Atores no seio da crise de consciência
da segunda metade do século XVIII,
Tomás António Gonzaga e José Anastácio
da Cunha, um magistrado e um
matemático, procuram no interior do
código académico uma possibilidade de
expressão erótica. Ê precisa- mente
por aí que o código explode...
Os amores adocicados dos
pastores da Arcádia, ficções ad usum dos «outeiros»
dos conventos de religiosas, salons de uma
sociedade cristalizada em hábitos do
século XVII, não poderão bastar quando
a carne geme verdadeira- mente ou se
abandona ao prazer. Separado da sua
jovem amada por um destino trágico de
pseudoconspirador posto a ferros,
Gonzaga, aos quarenta anos, desenrola,
na sua prisão, um longo canto de amor
e de agonia, em sequências poéticas às
quais dá o nome sugestivo de «liras».
Eu tenho um coração maior
que o mundo,
Tu, formosa Marília, bem o
sabes:
Um coração, e basta,
Onde tu mesma cabes.
Este coração que o poeta
compara ao mundo é posto a nu pela
primeira vez numa análise onde o
próprio mundo deve caber, por
intermédio do quotidiano. Descrições,
evocações, lamentações, planos para o
futuro ( um futuro burguês e horaciano
ao mesmo tempo), o medo de ter perdido
todas as coisas, inclusivamente a sua
bela - tudo isto flui no poema de
Gonzaga, em versos por vezes muito
belos na sua simplicidade.
É certo que o poeta deu um
nome de pastora à sua amada e ele
próprio tomou um nome pastoril.
«Marília» e «Dirceu» não são, porém,
mais do que pseudónimos de
circunstância que a convenção poética
impõe: nem por isso o jogo do poeta
deixa de ser um jogo novo, em que ele
inteiramente se compromete. Mesmo se,
deportado para Moçambique, Gonzaga aí
se casa um ano mais tarde, enquanto a
sua «Marília», casada também, morrerá
octogenária, inspirando então um
folhetim irónico a um jovem escritor
dos anos 50...
A vida pregou a ambos uma
partida que se tornará numa simples
recordação, Pode comentar-se
cinicamente a sua história lembrando a
pressa que Gonzaga pôs em publicar o
poema, no próprio ano em que tomou o
caminho do exílio: esta história de
amor infeliz alcança uma solução sábia
e realista de que os pastores antigos
não teriam sido capazes. Ela não
deixou por isso de se tornar um tema
de «Modinha» brasileira, docemente
melancólica...
Também José Anastácio da
Cunha dá um nome de pastora à amada,
mas a sua Margarida, maciça camponesa
disposta aos jogos sensuais do poeta,
está presente por detrás de «Marfida»,
com a sua inteira verdade carnal. José
Anastácio leu e traduziu Anacreonte,
Horácio, Virgílio e também Milton,
Pope e Shakespeare, Montesquieu e
Voltaire - mas o que nos interessa é
marcar a nova perspetiva que ele
propôs à poesia portuguesa:
Não vês, inda de gosto
sufocados,
Um no outro nossos peitos
esculpidos?
- uma flama, um ardor dos
sentidos, o glorioso desespero de
possuir a mulher, a própria febre do
amor físico de que o poeta traduz
quase o ritmo tumultuoso.
A sinceridade destes dois
casos, a definição de uma situação
pessoal que se dirige à própria
realidade, que se identifica
inteiramente com ela, significa uma
mutação que não é somente intelectual:
é preciso ver aí um dos elementos de
base de uma nova estrutura
sociocultural que se anuncia. E não é
certamente por acaso que Gonzaga,
filho de brasileiro, integrado na vida
da colónia, participou numa
conspiração nacionalista cujo fim era
a independência. :m igualmente
significativo que José Anastácio
(autor de um lúcido
quadro-requisitório da cultura
portuguesa, em 1780, mantido em estado
de manuscrito) tivesse sido vítima da
Inquisição, acusado de más leituras
filosóficas. A libertação e a
liberdade, referidas a uma pátria ou a
um espírito, casam-se com o
conhecimento do amor: José Anastácio,
morto aos quarenta e três anos, é, em
certa medida, um «libertino» - um
libertino provinciano e tranquilo,
como convinha ao fim do século XVIII
português, que, após a queda de Pombal
(1777), era varrido por uma feroz
reação clerical. Por isso ele não será
publicado antes de 1839, editado então
pelos liberais românticos, que, treze
anos antes, não suspeitavam ainda da
existência da parte mais significativa
da sua obra - e que não deixaram,
aliás, de fazer apreender a edição,
por «abuso de liberdade de imprensa em
matéria religiosa»...
Também como libertino será
considerado um poeta vinte anos mais
jovem mas falecido em 1805, quatro
anos antes de Gonzaga: Bocage.
Detenhamo-nos nesta outra
personagem-chave do panorama literário
do fim do século XVIII. Figura popular
da boémia lisboeta, improvisa- dor
célebre,
Bocage esbanjou o seu talento em
escaramuças de poetas calaceiros,
clientes habituais de cafés de nomes
pitorescos -proletariado intelectual
resultante da mutação da sociedade
portuguesa que, tendo perdido os seus
mecenas, não tinha podido
substituí-los. Agrupados numa «Nova
Arcádia», enganavam-se eles a si
próprios com uma ilusão académica que
já não era do seu tempo. Situada entre
duas épocas, a sua poesia não era,
muitas vezes, mais do que um jogo
hábil de palavras em que a cultura
clássica se esvaziava de sentido.
Assim fazia Bocage - mas o seu talento
lançava-o mais longe, como que contra
a própria vontade.
Por detrás das suas numerosas
paixões, marcadas por eternos nomes de
pastoras, e das suas sátiras, de rara
violência, rompem a inquietação e a
angústia. A obsessão da morte é o
tema-chave da poesia de
Bocage: a
morte que ele reclama e teme -
libertação, castigo ou per- dão. Mas,
sobretudo, uma espécie de terror per-
manente, uma presença noturna que não
o abandona - e que já não é o trio das
Parcas, mesmo se ele ainda pode assim
chamá-la. Este terror abre-se sobre o
vazio, sobre o nada- sobre uma vida
eterna que não seria mais do que
ilusão e engano. Angustiado, o poeta
gritará contra a «pavorosa ilusão da
eternidade»; mas ditará no seu leito
de morte um arrependimento de além
tumba: «Já Bocage não sou! ...À cova
escura...»
Com Bocage , é a morte e a noite ( «Oh
retrato da morte, oh noite amiga» )
que surgem no sentido de modernidade
dos Portugueses. Mas, com ele, a
liberdade ( «mãe dos prazeres, doce
Liberdade» ) adquire também uma cor
nova que a França libertina ilumina,
ao mesmo tempo que lhe oferece «o Deus
da razão», 0 seu Deus
que Bocage brandirá contra o «Deus do
fanatismo», o «Deus que horroriza a
Natureza». A Inquisição condenará as
suas ideias filosóficas - mas não
poderá nada contra o sentido da
natureza que o poeta descobria
traduzindo Bernardin de Saint-Pierre e
Delille, já que, mesmo iludindo as
descrições precisas do primeiro, ele
não deixava de ser sensível às
«ruínas», aos «castelos», aos
«conventos abandonados» do segundo,
arsenal de imagens de um gosto novo.
Chefe de fila dos Elmanistas,
clã de poetas que, no limiar do
Romantismo, se reclamavam da Arcádia,
feliz ele próprio por usar um nome de
pastor antigo, Bocage-Elmano é,
contudo, um homem solitário, à sombra
da morte que outros poetas só quarenta
anos mais tarde sen- tirão. E a sua
morte não deixará de ser interpretada
pelos românticos de 1849 como um
«suicídio» - desfecho lógico das
«lutas de uma vocação incompreendida
com as exigências miseráveis da
sociedade». Ao mesmo tempo, um poeta
ilustre insistirá sobre o seu caráter
popular, vendo nele «um homem do
povo», «o criador de uma poesia
plebeia» ; mas vendo também nele um
poeta maldito - igual a Camões,
«pobre», «criminoso» e «malfadado»
como ele. Camões, de quem José
Anastácio da Cunha havia já
denunciado, em cólera pré-romântica, o
destino miserável que a pátria lhe
tinha oferecido...
Um equívoco popular e
anedótico se constituiu à volta da
vida de Bocage, tanto quanto um equívoco
literário em torno da sua obra; é
preciso, porém, observar que, nele, os
valores instintivos prevalecem sobre
os valores culturais. O seu lugar é
portanto ao lado de José Anastácio e
de Gonzaga e não junto de Filinto
Elísio, o chefe de fila dos
Filintistas, poetas-«pastores» que vão
opor-se aos Elmanistas, numa guerra
pueril que precede a formação de uma
consciência crítica dos problemas do
Romantismo.
O P.e Nascimento, «Filinto
Elísio» para os poetas, merece por seu
lado uma pausa no nosso inquérito.
Contemporâneo de Gessner e de
Wieland, este padre horaciano, que,
passada a quarentena, em 1778, fugiu
da Inquisição e foi instalar-se em
Paris, onde morreu em 1819, foi uma
espécie de pólo e de plaque
tournante da poesia portuguesa
nos fins do século XVIII. O seu nome
encontra-se em relação com o dos
poetas que marcam a transição do
esquema cultural que era o seu para
uma inspiração nova que não podia
ainda definir-se e que Filinto não
poderia certamente aceitar. A sua
poética composta em Paris, em 1790,
ocupação se não obsessão de emigrado
comprometido na «defesa da língua
(portuguesa)», é já um tratado
arcaizante; a sua poesia, obedecendo
às mesmas ideias, não é mais do que um
monumento de gosto horaciano: ele sabe
evitar as armadilhas académicas, mas,
cantando a liberdade e lamentando-se
do exílio, não procura inovações
sentimentais, antes pelo contrário. E,
contudo, os elogios de Filinto Elísio
constituíram a melhor das recompensas
para Bocage e para a sua aluna Alcipe,
tradutora de Thomson, de Gray e de
Wieland - que ele próprio traduzirá,
assim como Chateaubriand. Lamartine, a
quem deu lições de português,
consagrou-lhe estâncias em que falava
do seu exílio. O maior dos poetas
românticos, Garrett,
valer-se-á dele, defendê-lo-á sempre,
após ter-lhe atribuído a composição de
um dos seus primeiros poemas-romances,
pelo qual o Romantismo surgia na
literatura portuguesa. A fidelidade de
Garrett ao velho poeta traduzia-se
então por uma forma hábil e
requintada, obedecendo, ela própria,
aos mais puros valores clássicos. Ê
através do ensino de Filinto que a
influência de Horácio persistirá na
cultura da primeira geração romântica
nacional: E assim, paradoxalmente, os
Filintistas foram mais modernos que os
companheiros de Bocage...
Entre uma e outra geração há,
contudo, um poeta que nos ajuda a
compreender a ev9lução dos sentimentos
e das formas, ao longo destes anos
incertos: «Alcipe», que Filinto
batizou, como ela batizou «Filinto». O
velho poeta foi seu mestre, enleado,
talvez, num amor platónico;
Bocage
dedicar-lhe-á as próprias poesias, em
1804.
França, José-Augusto, O
ROMANTISMO EM PORTUGAL, volume I,
Livros Horizonte, Lisboa, 1975-1977
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Manuel Maria,
associado da SPA.
Textos em conformidade
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