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Textos
teóricos e informativos
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Unidade
de Ação
«Uno é o mito,
mas não por se referir a uma só
pessoa, como crêem alguns, pois há
muitos acontecimentos e infinitamente
vários, respeitantes a um só
indivíduo, entre os quais não é
possível estabelecer unidade alguma.
Muitas são as ações que uma pessoa
pode praticar, mas nem por isso elas
constituem uma ação una.
[...]
Porém Homero, assim como se
distingue em tudo o mais, também
parece ter visto bem, fosse por arte
ou por engenho natural, pois ao compor
a Odisseia não poetou todos os
sucessos da vida de Ulisses, por
exemplo, o ter sido ferido no Parnaso
e o simular-se louco no momento em que
reuniu o exército. Porque, de haver
acontecido uma dessas coisas, não se
seguia necessária e verosimilmente que
outra houvesse de acontecer, mas
compôs em torno de uma ação una a Odisseia
- una, no sentido que damos a esta
palavra - e de modo semelhante a Ilíada.
Por conseguinte, tal como é
necessário que nas demais artes
miméticas una seja a imitação, quando
seja de um objeto uno, assim também o
mito,
porque é imitação de ações, deve
imitar as que sejam unas e completas,
e todos os acontecimentos se devem
suceder em conexão tal que, uma vez
suprimido ou deslocado um deles,
também se confunda ou mude a ordem do
todo. Pois não faz parte de um todo o
que, quer seja quer não seja, não
altera esse todo.»
Aristóteles,
Poética, 51 a
Unidade
de Tempo
«A epopeia e
a tragédia
concordam somente em serem, ambas,
imitação de homens superiores, em
verso; mas difere a epopeia da
tragédia, pelo seu metro único e a
forma narrativa. E também na extensão,
porque a tragédia procura, o mais que
é possível, caber dentro de um período
do sol, ou pouco excedê-lo, porém a
epopeia não tem limite de tempo - e
nisso diferem [...]
Aristóteles,
Poética, 49 b
Unidade
de Espaço
«Aristóteles
exigia para a tragédia um tempo de
história muito curto, isto é, a
ação devia começar, desenvolver-se e
terminar no espaço de 24 horas.
Os
doutrinadores clássicos italianos e
franceses foram apologistas das três
unidade: tempo, lugar e ação.»
Barreiros,
António José, História da
Literatura Portuguesa, vol. I
A
Verdadeira Unidade da Ação Dramática
«O drama,
por sua vez, procura representar
também a totalidade da vida, mas
através de ações humanas que se opõem,
de forma que o fulcro daquela
totalidade reside na colisão
dramática. Por isso, como escreve
Hegel, a verdadeira unidade da ação
dramática «não pode derivar senão do
movimento total, o que significa que o
conflito deve encontrar a sua
explicação exaustiva nas
circunstâncias em que se produz, bem
como nos caracteres e nos objetivos em
presença». Deste modo, a profusão de
personagens, de objetos, de faits-divers
que caracteriza o texto narrativo, não
existe no texto dramático, no qual
tudo se subordina às exigências da
dinâmica do conflito: o tempo da ação
é relativamente condensado, o espaço é
relativamente rarefeito, as
personagens supérfluas são eliminadas,
os episódios laterais abolidos,
desenvolvendo-se a ação como uma
progressão de eventos que resulta
forçosamente da conformação
(psicológica, ética, sócio-cultural,
ideológica) das personagens e das
situações em que estas se encontram
envolvidas. No Frei Luís de
Sousa de Almeida Garrett,
por exemplo, não aparece a
representação minudente da vida
quotidiana de uma família, a descrição
da sua casa e da localidade onde
habita, etc. [...] Os elementos que
porventura pudessem aparecer na obra
de Garrett com o propósito de figurar
a época, a sociedade coeva, o seu
estilo de vida. etc., narrativizariam
inevitavelmente o drama, enfraquecendo
a ação e prejudicando o conflito. No Frei
Luís de Sousa não existem
personagens supérfluas ou tautológicas
ou episódios dispensáveis, sob o ponto
de vista da lógica da ação dramática:
cada personagem ocupa uma posição
definida e desempenha uma função
necessária na ação e a ausência de
qualquer delas afetaria gravemente o
desenvolvimento desta; não existem
episódios providos de certa autonomia
estrutural e destinados a
caracterizar, segundo a expressão
hegeliana, «um estado do mundo», pois
a ação encaminha-se irresistivelmente,
sem ramificações, para a manifestação
do conflito. A vida é assim
representada nos seus momentos de
crise e as relações humanas são
apreendidas nos seus aspetos de tensão
antagónica.»
Aguiar e
Silva, Vítor Manuel de, Teoria da
Literatura, O Texto Dramático
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Lei
das três unidades na obra
Unidade de ação
* No Frei Luís de
Sousa, todos os
acontecimentos se sucedem em
conexão tal, que nada pode ser
suprimido sem que se altere o
conflito e o respetivo desenlace,
tal como postulava Aristóteles;
* O conflito
desenvolve-se num crescendo até ao
clímax,
provocando um pathos
cada vez mais cruel e doloroso;
* A
catástrofe é o desenlace
aguardado;
* A verosimilhança é
inquestionável.
Conclusão: a unidade da ação é
inequivocamente alcançada.
Unidade
de Tempo
* Ato I
- «É no fim da tarde» (didascália
inicial)
- «Há pouca luz do dia
já» (cena
II)
- «Já vai cerrar-se a
noite» (cena
VI)
- «É noite fechada» (cena VII, didascália)
- «São oito horas» (cena VII)
* Ato II
- É de tarde
- «Há oito dias que
estamos nesta casa» (cena I)
- «Ficou naquele estado
em que a temos visto há oito
dias» (cena
I)
- «O arcebispo foi
ontem a Lisboa e volta esta
tarde» (cena
IV)
- «Hoje é sexta-feira»
(cena V)
- «Ora vamos: ao
anoitecer, antes da noite, aqui
estou» (cena
VIII)
* Ato III
- «É alta noite» (didascália
inicial)
- «Manuel - Que
horas são?
Jorge - Quatro, quatro e
meia» (cena
I)
- «Manuel -
[...] a luz desse dia que vem a
nascer» (cena
I)
Conclusão:
1. Embora não respeite
as vinte e quatro horas, tem-se
a noção da condensação do tempo
da ação. Iniciando-se o ato I no
fim da tarde de uma sexta-feira,
termina o mesmo ao cair da noite
com o incêndio do palácio de
Manuel de Sousa Coutinho. Abre o
ato II oito dias depois
(entenda-se um semana, de acordo
com o uso corrente), à tarde,
por isso também numa
sexta-feira, sendo que a chegada
do Romeiro acontece muito antes
do regresso de Lisboa de Manuel
de Sousa Coutinho. O ato III
decorre durante a noite,
consumando-se a morte de Maria e
a tomada de hábito dos dois
esposos antes de se ver a luz do
dia de sábado. Sendo assim, a
transposição da ação de uma
sexta-feira para a sexta-feira
da semana seguinte, só pelo
facto de se manter o mesmo dia
da semana, faz criar a ilusão de
que tudo se passa no mesmo dia.
Aliás, a elipse temporal de uma
semana só se compreenderá pelo
facto de Garrett pretender
justificar a ausência
clandestina de Manuel de Sousa
Coutinho como consequência do
incêndio do seu próprio palácio.
2. De notar o carácter
fatal da sexta-feira, como,
aliás, também acontece para a
família do Vale de Santarém em Viagens
na Minha Terra, do mesmo
autor, e a enorme coincidência
dos diferentes aniversários:
Madalena - Hoje... hoje!
Pois hoje é o dia da minha
vida que mais tenho receado...
que ainda temo que não acabe
sem muito grande desgraça... É
um dia fatal para mim: faz
hoje anos que... que casei a
primeira vez; faz anos que se
perdeu el-rei D. Sebastião;
faz anos também que... vi pela
primeira vez a Manuel de
Sousa.1
Unidade
de Espaço
* Ato I
- Palácio de Manuel de
Sousa Coutinho: «Câmara antiga,
ornada com todo o luxo e
caprichosa elegância portuguesa
dos princípios do século
dezassete. Porcelanas, varões,
sedas, flores; etc.» (didascália)
Jorge - Mas, enfim,
resolveram sair; e sabereis
mais que, para corte e «buen
retiro» dos nossos cinco reis,
os senhores governadores de
Portugal por D. Filipe de
Castela que Deus guarde, foi
escolhida esta nossa boa vila
de Almada, que o deveu à fama
de suas águas sadias, ares
lavados e graciosa vista.
* Ato II
- «É no palácio que
fora de D. João de Portugal, em
Almada: salão antigo de gosto
melancólico e pesado, com
grandes retratos de família
[...]» (didascália)
* Ato III
- «Parte baixa do
palácio de D. João de Portugal,
comunicando, pela porta à
esquerda do espectador, com a
capela da Senhora da Piedade
[...] É um casarão vasto, sem
ornato algum. Arrumadas às
paredes, em diversos pontos,
escadas, tocheiras, cruzes,
ciriais e outras alfaias e
guisamentos de igreja de uso
conhecido. A um lado um esquife
[...]; do outro, uma grande cruz
negra [...] e um hábito completo
de religioso domínico, túnica,
escapulário, rosário, cinto,
etc. (didascália)
Conclusão:
1. Verificamos que, da
passagem do primeiro para o
segundo ato, existe uma mudança
de espaço, o que implica a
necessária mudança de cenário;
da passagem do segundo para o
terceiro ato, embora o espaço
cénico pertença ao mesmo espaço
físico (Palácio de D. João de
Portugal), é já diferente do
anterior, o que implica, de
igual modo, a mudança de
cenário.
2. Assim, se
considerarmos que, para existir
unidade de espaço, este obriga à
manutenção de um mesmo cenário,
concluiremos que tal unidade não
é respeitada. No entanto, muitos
autores consideram a unidade de
espaço sempre que este
represente um só país, uma só
região, uma só cidade, uma só
vila, um só palácio, etc. De
acordo com este ponto de vista,
concluiremos que Garrett
respeitou a unidade de espaço,
já que, embora exista a
referência a outros espaços
físicos, as personagens em cena
permanecem sempre na mesma vila
de Almada.
3. Convém notar que, à
medida que o conflito evolui
para a catástrofe final, o
espaço vai-se tornando cada vez
mais austero e severo, à boa
maneira romântica, até
desembocar na capela da Senhora
da Piedade e no altar-mor da
igreja de S. Paulo.
Conclusão final: penso que estão
reunidos elementos bastantes para
podermos afirmar que Garrett
conseguiu, com engenho, iludir, se
não respeitar, a lei das três
unidades.
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