FL Farol das Letras


| Início | Mapa do Sítio | Autor |

Frei Luís de Sousa
Lei das três unidades

[Textos teóricos e informativos] * [Lei das três unidades na obra]


Textos teóricos e informativos



Unidade de Ação

«Uno é o mito, mas não por se referir a uma só pessoa, como crêem alguns, pois há muitos acontecimentos e infinitamente vários, respeitantes a um só indivíduo, entre os quais não é possível estabelecer unidade alguma. Muitas são as ações que uma pessoa pode praticar, mas nem por isso elas constituem uma ação una.

[...]

Porém Homero, assim como se distingue em tudo o mais, também parece ter visto bem, fosse por arte ou por engenho natural, pois ao compor a Odisseia não poetou todos os sucessos da vida de Ulisses, por exemplo, o ter sido ferido no Parnaso e o simular-se louco no momento em que reuniu o exército. Porque, de haver acontecido uma dessas coisas, não se seguia necessária e verosimilmente que outra houvesse de acontecer, mas compôs em torno de uma ação una a Odisseia - una, no sentido que damos a esta palavra - e de modo semelhante a Ilíada.

Por conseguinte, tal como é necessário que nas demais artes miméticas una seja a imitação, quando seja de um objeto uno, assim também o mito, porque é imitação de ações, deve imitar as que sejam unas e completas, e todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que, uma vez suprimido ou deslocado um deles, também se confunda ou mude a ordem do todo. Pois não faz parte de um todo o que, quer seja quer não seja, não altera esse todo.»

Aristóteles, Poética, 51 a

 


Unidade de Tempo

«A epopeia e a tragédia concordam somente em serem, ambas, imitação de homens superiores, em verso; mas difere a epopeia da tragédia, pelo seu metro único e a forma narrativa. E também na extensão, porque a tragédia procura, o mais que é possível, caber dentro de um período do sol, ou pouco excedê-lo, porém a epopeia não tem limite de tempo - e nisso diferem [...]

Aristóteles, Poética, 49 b


Unidade de Espaço

«Aristóteles exigia para a tragédia um tempo de história muito curto, isto é, a ação devia começar, desenvolver-se e terminar no espaço de 24 horas.

Os doutrinadores clássicos italianos e franceses foram apologistas das três unidade: tempo, lugar e ação

Barreiros, António José, História da Literatura Portuguesa, vol. I


A Verdadeira Unidade da Ação Dramática

«O drama, por sua vez, procura representar também a totalidade da vida, mas através de ações humanas que se opõem, de forma que o fulcro daquela totalidade reside na colisão dramática. Por isso, como escreve Hegel, a verdadeira unidade da ação dramática «não pode derivar senão do movimento total, o que significa que o conflito deve encontrar a sua explicação exaustiva nas circunstâncias em que se produz, bem como nos caracteres e nos objetivos em presença». Deste modo, a profusão de personagens, de objetos, de faits-divers que caracteriza o texto narrativo, não existe no texto dramático, no qual tudo se subordina às exigências da dinâmica do conflito: o tempo da ação é relativamente condensado, o espaço é relativamente rarefeito, as personagens supérfluas são eliminadas, os episódios laterais abolidos, desenvolvendo-se a ação como uma progressão de eventos que resulta forçosamente da conformação (psicológica, ética, sócio-cultural, ideológica) das personagens e das situações em que estas se encontram envolvidas. No Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, por exemplo, não aparece a representação minudente da vida quotidiana de uma família, a descrição da sua casa e da localidade onde habita, etc. [...] Os elementos que porventura pudessem aparecer na obra de Garrett com o propósito de figurar a época, a sociedade coeva, o seu estilo de vida. etc., narrativizariam inevitavelmente o drama, enfraquecendo a ação e prejudicando o conflito. No Frei Luís de Sousa não existem personagens supérfluas ou tautológicas ou episódios dispensáveis, sob o ponto de vista da lógica da ação dramática: cada personagem ocupa uma posição definida e desempenha uma função necessária na ação e a ausência de qualquer delas afetaria gravemente o desenvolvimento desta; não existem episódios providos de certa autonomia estrutural e destinados a caracterizar, segundo a expressão hegeliana, «um estado do mundo», pois a ação encaminha-se irresistivelmente, sem ramificações, para a manifestação do conflito. A vida é assim representada nos seus momentos de crise e as relações humanas são apreendidas nos seus aspetos de tensão antagónica.»

Aguiar e Silva, Vítor Manuel de, Teoria da Literatura, O Texto Dramático

topo





Lei das três unidades na obra

Unidade de ação

* No Frei Luís de Sousa, todos os acontecimentos se sucedem em conexão tal, que nada pode ser suprimido sem que se altere o conflito e o respetivo desenlace, tal como postulava Aristóteles;

* O conflito desenvolve-se num crescendo até ao clímax, provocando um pathos cada vez mais cruel e doloroso;

* A catástrofe é o desenlace aguardado;

* A verosimilhança é inquestionável.

Conclusão: a unidade da ação é inequivocamente alcançada.


Unidade de Tempo

* Ato I

- «É no fim da tarde» (didascália inicial)

- «Há pouca luz do dia já» (cena II)

- «Já vai cerrar-se a noite» (cena VI)

- «É noite fechada» (cena VII, didascália)

- «São oito horas» (cena VII)

* Ato II

- É de tarde

- «Há oito dias que estamos nesta casa» (cena I)

- «Ficou naquele estado em que a temos visto há oito dias» (cena I)

- «O arcebispo foi ontem a Lisboa e volta esta tarde» (cena IV)

- «Hoje é sexta-feira» (cena V)

- «Ora vamos: ao anoitecer, antes da noite, aqui estou» (cena VIII)

* Ato III

- «É alta noite» (didascália inicial)

- «Manuel - Que horas são?

Jorge - Quatro, quatro e meia» (cena I)

- «Manuel - [...] a luz desse dia que vem a nascer» (cena I)

Conclusão:

1. Embora não respeite as vinte e quatro horas, tem-se a noção da condensação do tempo da ação. Iniciando-se o ato I no fim da tarde de uma sexta-feira, termina o mesmo ao cair da noite com o incêndio do palácio de Manuel de Sousa Coutinho. Abre o ato II oito dias depois (entenda-se um semana, de acordo com o uso corrente), à tarde, por isso também numa sexta-feira, sendo que a chegada do Romeiro acontece muito antes do regresso de Lisboa de Manuel de Sousa Coutinho. O ato III decorre durante a noite, consumando-se a morte de Maria e a tomada de hábito dos dois esposos antes de se ver a luz do dia de sábado. Sendo assim, a transposição da ação de uma sexta-feira para a sexta-feira da semana seguinte, só pelo facto de se manter o mesmo dia da semana, faz criar a ilusão de que tudo se passa no mesmo dia. Aliás, a elipse temporal de uma semana só se compreenderá pelo facto de Garrett pretender justificar a ausência clandestina de Manuel de Sousa Coutinho como consequência do incêndio do seu próprio palácio.

2. De notar o carácter fatal da sexta-feira, como, aliás, também acontece para a família do Vale de Santarém em Viagens na Minha Terra, do mesmo autor, e a enorme coincidência dos diferentes aniversários:

Madalena - Hoje... hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado... que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça... É um dia fatal para mim: faz hoje anos que... que casei a primeira vez; faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião; faz anos também que... vi pela primeira vez a Manuel de Sousa.1


Unidade de Espaço

* Ato I

- Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: «Câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância portuguesa dos princípios do século dezassete. Porcelanas, varões, sedas, flores; etc.» (didascália)

Jorge - Mas, enfim, resolveram sair; e sabereis mais que, para corte e «buen retiro» dos nossos cinco reis, os senhores governadores de Portugal por D. Filipe de Castela que Deus guarde, foi escolhida esta nossa boa vila de Almada, que o deveu à fama de suas águas sadias, ares lavados e graciosa vista.

* Ato II

- «É no palácio que fora de D. João de Portugal, em Almada: salão antigo de gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família [...]» (didascália)

* Ato III

- «Parte baixa do palácio de D. João de Portugal, comunicando, pela porta à esquerda do espectador, com a capela da Senhora da Piedade [...] É um casarão vasto, sem ornato algum. Arrumadas às paredes, em diversos pontos, escadas, tocheiras, cruzes, ciriais e outras alfaias e guisamentos de igreja de uso conhecido. A um lado um esquife [...]; do outro, uma grande cruz negra [...] e um hábito completo de religioso domínico, túnica, escapulário, rosário, cinto, etc. (didascália)

Conclusão:

1. Verificamos que, da passagem do primeiro para o segundo ato, existe uma mudança de espaço, o que implica a necessária mudança de cenário; da passagem do segundo para o terceiro ato, embora o espaço cénico pertença ao mesmo espaço físico (Palácio de D. João de Portugal), é já diferente do anterior, o que implica, de igual modo, a mudança de cenário. 

2. Assim, se considerarmos que, para existir unidade de espaço, este obriga à manutenção de um mesmo cenário, concluiremos que tal unidade não é respeitada. No entanto, muitos autores consideram a unidade de espaço sempre que este represente um só país, uma só região, uma só cidade, uma só vila, um só palácio, etc. De acordo com este ponto de vista, concluiremos que Garrett respeitou a unidade de espaço, já que, embora exista a referência a outros espaços físicos, as personagens em cena permanecem sempre na mesma vila de Almada.

3. Convém notar que, à medida que o conflito evolui para a catástrofe final, o espaço vai-se tornando cada vez mais austero e severo, à boa maneira romântica, até desembocar na capela da Senhora da Piedade e no altar-mor da igreja de S. Paulo.

Conclusão final: penso que estão reunidos elementos bastantes para podermos afirmar que Garrett conseguiu, com engenho, iludir, se não respeitar, a lei das três unidades.

topo


Visitas desde 21 de outubro de 2001:


© 2001- - Manuel Maria, associado da SPA.
Textos em conformidade com as normas do novo acordo ortográfico.