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Frei Luís de Sousa
as personagens


[Manuel de Sousa] * [Madalena] * [Maria] * [Telmo] * [D. João de Portugal]


O ator Rui Morison
Imagem do filme
Quem és tu?
de
João Botelho
Manuel Sousa Coutinho

* Nobre, cavaleiro de Malta (1)

- No ato I, assume uma atitude condizente com um espírito clássico, deixando transparecer uma serenidade e um equilíbrio próprios de uma razão (2) que domina os sentimentos e que se manifesta num discurso expositivo e numa linguagem cuidada e erudita:

- revela-se patriota, corajoso e decidido (3);

- não sente ciúmes pelo passado de Madalena (4);

- No ato III, evidencia uma postura acentuadamente romântica: a dor, após a chegada do Romeiro, parece ofuscar-lhe a razão, tal é a forma como exterioriza os seus sentimentos, fazendo-o de uma forma um tanto violenta, descontrolada e, por vezes, até contraditória (a razão leva-o a desejar a morte da filha e o amor impele-o a contrariar a razão e a suplicar desesperadamente pela sua vida) (5);

- Pode-se, pois, concluir que esta personagem, do ponto de vista psicológico, evolui de uma personalidade de tipo clássico (atos I e II) para uma personalidade de tipo romântico (ato III).


Manuel, nobre e cavaleiro de Malta

Madalena - [...] Oh! e quantas faluas navegando tão garridas por esse Tejo! Talvez nalguma delas - naquela tão bonita - venha Manuel de Sousa. Mas neste tempo não há que fiar no Tejo: dum instante para o outro levanta-se uma nortada... e então aqui o pontal de Cacilhas! Que ele é tão bom mareante... Ora, um cavaleiro de Malta! (olha para o retrato com amor)

(ato I, cena II)

Maria - O que eu sou... só eu sei minha mãe... E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser não sou... - Oh! porque não havia de eu ter um irmão que fosse galhardo e valente mancebo, capaz de comandar os terços de meu pai, de pegar numa lança daquelas com que os nossos avós corriam a Índia, levando adiante de si Turcos e Gentios! um belo moço que fosse o retrato próprio daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está. (apontando para o retrato) Como ele era bonito, meu pai! Como lhe ficava bem o preto!... e aquela cruz tão alva em cima! para que deixou ele o hábito, minha mãe, porque não ficou naquela santa religião, a vogar em suas nobres galeras por esses mares, e a afugentar os infiéis da bandeira da Cruz?

(ato I, cena IV)


Manuel e o uso da razão

Manuel - Ora ouve cá, filha. Tu tens uma grande propensão para achar maravilhas e mistérios nas coisas mais naturais e singelas. E Deus entregou tudo à nossa razão, menos os segredos de sua natureza inefável, os de seu amor, e de sua justiça e misericórdia para connosco. Esses são os pontos sublimes e incompreensíveis da nossa fé! Esses crêem-se; tudo o mais examina-se. Mas vamos: (sorrindo) não dirão que sou da Ordem  dos Pregadores? Há-de ser destas paredes, é unção da casa: que isto é quase um convento aqui, Maria... Para frades de S. Domingos não nos falta senão o hábito...

(ato I I, cena III)

Manuel, patriota, corajoso e decidido

Manuel - [...] É preciso sair já desta casa, Madalena.

Maria - Ah! inda bem, meu pai!

Manuel - Inda mal! mas não há outro remédio. Sairemos esta noite mesma. Já dei ordens a toda a família. [...]

[...]

Manuel - Luís de Moura é um vilão ruim, faz como quem é; o arcebispo é... o que os outros querem que ele seja. Mas o conde de Sabugal, o conde de Santa Cruz, que deviam olhar por quem são, e que tomaram este encargo odioso... e vil, de oprimir os seus naturais em nome dum rei estrangeiro... Oh que gente, que fidalgos portugueses!... Hei-de-lhes dar uma lição, a eles, e a este escravo deste povo que os sofre, como não levam tiranos há muito tempo nesta terra.

(ato I, cena VII)

Manuel (passeia agitado de um lado para o outro da cena, com as mãos cruzadas detrás das costas; e parando de repente) - Há-de saber-se no mundo que ainda há um português em Portugal.

Madalena - Que tens tu, dize, que tens tu?

Manuel - Tenho que não hei-de sofrer esta afronta... e que é preciso sair desta casa, senhora.

Madalena - Pois sairemos, sim; eu nunca me opus ao teu querer, nunca soube que coisa era ter outra vontade diferente da tua; estou pronta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo. Mas, oh! esposo da minha alma... para aquela casa não, não me leves para aquela casa. (deitando-lhe os braços ao pescoço)

Manuel - Ora tu não eras acostumada a ter caprichos! Não temos outra para onde ir; e a estas horas, neste aperto... Mudaremos depois, se quiseres... mas não lhe vejo remédio agora. E a casa que tem? Porque foi de teu primeiro marido? É por mim que tens essa repugnância? Eu estimei e respeitei sempre a D. João de Portugal; honro a sua memória, por ti, por ele e por mim; e não tenho na consciência por que receie abrigar-me debaixo dos mesmos tetos que o cobriram. Viveste ali com ele? Eu não tenho ciúmes de um passado que me não pertencia. E o presente, esse é meu, meu só, todo meu, querida Madalena... Não falemos mais nisso; é preciso partir, e já.

Madalena - Mas é que tu não sabes... Eu não sou melindrosa nem de invenções; em tudo o mais sou mulher, e muito mulher, querido; nisso não... Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa. Parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali... - oh perdoa, perdoa-me, não me sai esta ideia da cabeça... - que vou achar ali a sombra despeitosa de D. João que me está ameaçando com uma espada de dois gumes... que a atravessa no meio de nós, entre mim e ti e a nossa filha, que nos vai separar para sempre... Que queres? Bem sei que é loucura; mas a ideia de tornar a morar ali, de viver ali contigo e com Maria, não posso com ela. Sei decerto que vou ser infeliz, que vou morrer naquela casa funesta, que não estou ali três dias, três horas sem que todas as calamidades do mundo venham sobre nós. Meu esposo, Manuel, marido da minha alma, pelo nosso amor te peço, pela nossa filha... Vamos seja para onde for, para a cabana de algum pobre pescador desses contornos, mas para ali não, oh! não.

Manuel - Em verdade nunca te vi assim; nunca pensei que tivesses a fraqueza de acreditar em agouros. Não há senão um temor justo, Madalena: é o temor de Deus; não há espetros que nos possam aparecer senão os das más ações que fazemos. Que tens tu na consciência que tos faça temer? O teu coração e as tuas mãos tão puras; para os que andam diante de Deus, a terra não tem sustos, nem o inferno pavores que se lhes atrevam. Rezaremos por alma de D. João de Portugal nessa devota capela que é parte da sua casa; e não hajas medo que nos venha perseguir neste mundo aquela santa alma que está no Céu, e que em tão santa batalha, pelejando por seus Deus e por seu rei, acabou mártir às mãos dos infiéis. - Vamos, dona Madalena de Vilhena, lembrai-vos de quem sois e de quem vindes, senhora... e não me tires, querida mulher, com vãs quimeras de crianças, a tranquilidade do espírito e a força do coração, que as preciso inteiras nesta hora.

Madalena - Pois que vais tu fazer?

Manuel - Vou, já te disse, vou dar uma lição aos nossos tiranos que lhes há-de lembrar, vou dar um exemplo a este povo que os há-de alumiar...

(ato I, cena VIII)

Madalena - Que fazes?... que fizeste? - Que é isto, oh meu Deus!

Manuel (tranquilamente) - Ilumino a minha casa para receber os muito poderosos e excelentes senhores governadores destes reinos. Suas excelências podem vir quando quiserem.

(ato I, cena XII)


Manuel, uma atitude romântica

Manuel - Oh, minha filha, minha filha! (silêncio longo) Desgraçada filha, que ficas órfã!... órfã de pai e de mãe... (pausa) ...e de família e de nome, que tudo perdeste hoje... (levanta-se com violenta aflição) A desgraçada nunca os teve! Oh, Jorge, que esta lembrança é que me mata, me desespera! (apertando a mão do irmão, que se levantou após ele e o está consolando do gesto) É o castigo terrível do meu erro... se foi erro... crime sei que não foi. E sabe-o Deus, Jorge, e castigou-me assim, meu irmão!

[...]

Manuel - Olha, Jorge: queres que te diga o que eu sei decerto, e que devia ser consolação... mas não é, que eu sou homem, não sou anjo, meu irmão - devia ser consolação, e é desespero, á a coroa de espinhos e toda esta paixão que estou passando... É que a minha filha... Maria, a filha do meu amor, a filha do meu pecado, se Deus quer que seja pecado, não vive, não resiste, não sobrevive a esta afronta. (Desata a soluçar, com os cotovelos fixos na mesa e as mãos apertadas no rosto: fica nesta posição por longo tempo. Ouve-se de quando em quando um soluço comprido. [...])

[...]

Manuel - A lançar sangue?... Se ela deitou o do coração!... não tem mais. Naquele corpo tão franzino, tão delgado, que mais sangue há-de haver? Quando ontem a arranquei de ao pé da mãe e a levava nos braços, não mo lançou todo às golfadas aqui no peito? (mostra um lenço branco todo manchado de sangue) Não o tenho aqui... o sangue... o sangue da minha vítima?... que é o sangue das minhas veias... que é o sangue da minha alma, é o sangue da minha querida filha! (beija o lenço muitas vezes) Oh, meu Deus, meu Deus! Eu queria pedir-te que a levasses já... e não tenho ânimo. Eu devia aceitar por mercê de tuas misericórdias que chamasses aquele anjo para junto dos teus, antes que o mundo, este mundo infame e sem comiseração, lhe cuspisse na cara com a desgraça do seu nascimento. Devia, devia... e não posso, não quero, não sei, não tenho ânimo, não tenho coração. Peço-te vida, meu Deus (ajoelha e põe as mãos), peço-te vida, vida, vida... vida para ela, vida para a minha filha!... saúde, vida para a minha querida filha!... e morra eu de vergonha, se é preciso; cubra-me o escárnio do mundo, desonre-me o opróbrio dos homens, tape-me a sepultura uma loisa de ignomínia, um epitáfio que fique a bradar por essas eras desonra e infâmia sobre mim!... Oh, meu Deus, meu Deus! (cai de bruços no chão [...])

(ato III, cena I)



As atrizes Suzana Borges (Madalena) e Patrícia Guerreiro (Maria)

Imagem do filme

Quem és tu?
de
João Botelho
D. Madalena de Vilhena


* Uma mulher bem nascida, da família e sangue dos Vilhenas (6), os sentimentos dominam a razão:

- «Não é uma figura típica da época clássica, em que vive, em oposição ao que acontece com Manuel de Sousa. Toda a ordem abstrata de valores encontra nela uma ressonância pouco profunda, todo o idealismo generoso se empobrece dentro dos limites de um seu conceito prático, objetivo, pessoal de felicidade imediata, toda a espécie de transcendência choca, numa zona muito íntima da sua personalidade, com uma aspiração vitalista de realização humana e terrena.» - Luís Amaro de Oliveira, Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, Realização Didática;

- O sentimento do amor à Pátria é praticamente inexistente: considera a atitude dos governadores espanhóis como uma ofensa pessoal (7);

- Para ela, é inaceitável que o sentimento do amor de Deus possa conduzir ao sacrifício do amor humano, não compreendendo, nem aceitando a atitude da condessa de Vimioso que abandonou o casamento para entrar em votos (8): isto explica que, até ao limite, tente dissuadir o marido da tomada do hábito, só se resignando quando tem a certeza de que ele já foi (9);

- Apesar de se não duvidar do seu amor de mãe, é nela mais forte o amor de mulher, ao contrário do que acontece com Manuel de Sousa Coutinho, que se mostra muito mais preocupado com a filha do que com a mulher (10);


- A consciência da sua condição social mantém a sua dignidade, mas tal não impediu de ter amado Manuel de Sousa ainda em vida de D. João de Portugal e de ter casado com aquele sem a prova material da morte deste (11).

* Supersticiosa (12)

- Nota de curiosidade: Madalena, que, desde o primeiro instante, vive aterrorizada com o «fantasma» do seu primeiro marido, no momento em que o tem, fisicamente, diante de si, e apesar das inúmeras coincidências, é incapaz de o reconhecer! Penso que as modificações físicas que entretanto se operaram na pessoa não justificam, por si só, tal falha.


Madalena, a mais honrada e virtuosa dama que tem Portugal

Telmo - Desgraçada! Porquê? Não sois feliz na companhia do homem que amais, nos braços do homem a quem sempre quisestes mais sobre todos? - Que o pobre do meu amo... respeito, devoção, lealdade, tudo lhe tivestes, como tão nobre e honrada senhora que sois... mas amor!

[...]

Telmo (ajoelhando e beijando-lhe a mão) - Senhora... senhora D. Madalena, minha ama, minha senhora... castigai-me... mandai-me já castigar, mandai-me cortar esta língua perra que não toma insino. Oh senhora, senhora! é vossa filha, é a filha do senhor Manuel de Sousa Coutinho, fidalgo de tanto primor, e de tão boa linhagem como os que têm por melhores neste reino, em toda a Espanha. A senhora D. Maria... a minha querida D. Maria é sangue de Vilhenas e de Sousas; não precisa mais nada, mais nada, minha senhora, para ser... para ser...

(ato I, cena II)

Telmo - Sois injusto.

Romeiro - Bem sei o que queres dizer. E é verdade isso? É verdade que por toda a parte me procuraram, que por toda a parte... ela mandou mensageiros, dinheiro?

Telmo - Como é certo estar Deus no céu, como é verdade ser aquela a mais honrada e virtuosa dama que tem Portugal.

(ato III, cena V)


Uma ofensa pessoal


Jorge
- [...] É certo que tive umas notícias de Lisboa...

Madalena (assustada) - Pois que é, que foi?

Jorge - Nada, não vos assusteis; mas é bom que estejais prevenida, por isso vo-lo digo. Os governadores querem sair da cidade... é um capricho verdadeiro...  Depois de aturarem metidos ali dentro toda a força da peste, agora que ela está, se pode dizer, acabada, que são raríssimos os casos, é que por força querem mudar de ares.

Madalena - Pois coitados!...

[...]

Jorge (alto) - Mas, enfim, resolveram sair; e sabereis mais que, para corte e «buen retiro» dos nossos cinco reis, os senhores governadores de Portugal por D. Filipe de Castela que Deus guarde, foi escolhida esta nossa boa vila de Almada, que o deveu à fama de suas águas sadias, ares lavados e graciosa vista.

Madalena - Deixá-los vir.

Jorge - Assim é, que remédio! Mas ouvi o resto. O nosso pobre convento de S. Paulo tem de hospedar o senhor arcebispo D. Miguel de Castro, presidente do governo. Bom prelado é ele; e, se não fosse que nos tira do humilde sossego de nossa vida, por vir como senhor e príncipe secular... o mais, paciência. Pior é o vosso caso.

Madalena - O meu?

Jorge - O vosso e o de Manuel de Sousa: porque os outros quatro governadores - e aqui está o que me mandaram dizer em muito segredo de Lisboa - dizem que querem vir para esta casa, e pôr aqui aposentadoria.

[...]

Madalena - Mas que mal fizemos nós ao conde de Sabugal e aos outros governadores para nos fazerem esse desacato? Não há por aí outras casas; e eles não sabem que nesta há senhoras, uma família... e que estou eu aqui?...

(ato I, cena V)


Madalena e a atitude da condessa de Vimioso

Manuel - Oh! querida mulher minha, parece que vou eu agora imbarcar num galeão para a Índia... Ora vamos: ao anoitecer, antes da noite, aqui estou. E Jesus!... Olha a condessa de Vimioso, esta Joana de Castro que a nossa Maria tanto deseja conhecer... Olha se ela faria esses prantos quando disse o último adeus ao marido...

Madalena - Bendita ela seja! Deu-lhe Deus muita força, muita virtude. Mas não lhe invejo, não sou capaz de chegar a essas perfeições.

[...]

Madalena - Vivos ambos... sem ofensa um do outro, querendo-se, estimando-se... e separar-se cada um para sua cova! Verem-se com a mortalha já vestida e... vivos, sãos... depois de tantos anos de amor... e convivência... condenarem-se a morrer longe um do outro, sós, sós! E quem sabe se nessa tremenda hora... arrependidos!...

(ato II, cena VIII)


Madalena não se resigna à tomada de hábito

Madalena - Ouve, espera: uma só, uma só palavra, Manuel de Sousa!... (toca o órgão dentro)

[...]

Madalena (indo abraçar-se com a cruz)- Oh Deus, Senhor meu! pois já, já? nem mais um instante, meu Deus? Cruz do meu Redentor, oh cruz preciosa, refúgio de infelizes, ampara-me tu, que me abandonaram todos neste mundo, e já não posso com as minhas desgraças... e estou feita um espetáculo de dor e de espanto para o céu e para a terra! Tomai, Senhor, tomai tudo... A minha filha também?... Oh! a minha filha, a minha filha... também essa vos dou, meu Deus. E agora, que mais quereis de mim, Senhor? (toca o órgão outra vez)

[...]

Madalena (enxugando as lágrimas e com resolução) - Ele foi?

Jorge - Foi sim, minha irmã.

Madalena (levantando-se) - E eu vou. (saem ambos pela porta do fundo)

(ato III, cena IX)


Madalena tenta a todo o custo salvar o seu casamento

Madalena - Esposo, esposo, abri-me, por quem sois. Bem sei que aqui estais! Abri!

[...]

Madalena - Marido da minha alma, pelo nosso amor te peço, pelos doces nomes que me deste, pelas memórias da nossa felicidade antiga, pelas saudades de tanto amor e tanta ventura, oh! não me negues este último favor.

[...]

Madalena - Meu marido, meu amor, meu Manuel!

(ato III, cena VI)

Madalena - Sim, ouvi. Onde está ele Telmo? Onde está meu marido... Manuel de Sousa?

Manuel (que tem estado no fundo, enquanto Madalena, sem o ver, se adiantara para a cena, vem agora à frente) - Esse homem está aqui, senhora; que lhe quereis?

Madalena - Oh, que ar, que tom, que modo esse com que me falas!...

Manuel (enternecendo-se) - Madalena... (caindo em si e gravemente) Senhora como quereis que vos fale, que quereis que vos diga? Não está tudo dito entre nós?

Madalena - Tudo! quem sabe? Eu parece-me que não. Olha: eu sei?... mas não daríamos nós, com demasiada precipitação, uma fé tão cega, uma crença tão implícita a essas misteriosa palavras de um romeiro, um vagabundo... um homem enfim que ninguém conhece? Pois dize...

[...]

Manuel - Oh Madalena, Madalena! não tenho mais nada que te dizer. Crê-me, que to juro na presença de Deus: a nossa união, o nosso amor é impossível.

(ato III, cena VII)


Madalena e o remorso do pecado do passado

Madalena - Hoje... hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado... que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça... É um dia fatal para mim: faz hoje anos que... que casei a primeira vez; faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião; faz anos também que... vi pela primeira vez a Manuel de Sousa.

Jorge - Pois contais essa entre as infelicidades de vossa vida?

Madalena - Conto. Este amor - que hoje está santificado e bendito no Céu, porque Manuel de Sousa é meu marido - começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi... e quando o vi - hoje, hoje... foi em tal dia como hoje! - D. João de Portugal ainda era vivo. O pecado estava-me no coração; a boca não o disse... os olhos não sei o que fizeram; mas dentro da minha alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante... já não guardava a meu marido, a meu bom... a meu generoso marido... senão a grosseira fidelidade que uma mulher bem nascida quase que mais deve a si do que ao seu esposo. Permitiu Deus... quem sabe se para me tentar?... que naquela funesta batalha de Alcácer, entre tantos, ficasse também D. João...

(ato II, cena X)


Madalena, superstição e terrores

Madalena (repetindo maquinalmente e devagar o que acaba de ler)

«Naquele ingano d'alma ledo e cego

Que a fortuna não deixa durar muito...»

Com paz e alegria d'alma... um ingano, um ingano de poucos instantes que seja... deve de ser a felicidade suprema neste mundo. E que importa que o não deixe durar muito a fortuna? Viveu-se, pode-se morrer. Mas eu!... (pausa) Oh! que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu vivo... este medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor. Oh! que amor, que felicidade... que desgraça a minha!

(ato I, cena I)

Madalena (assustada) - Está bom: não entremos com os teus agouros e profecias do costume: são sempre de aterrar... Deixemo-nos de futuros...

[...]

Telmo - [...] «vivo ou morto, Madalena, hei-de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo.» - Não era assim que dizia?

Madalena (aterrada) - Era.

Telmo - Vivo não veio... inda mal! E morto... a sua alma, a sua figura...

Madalena (possuída de grande terror) - Jesus, homem!

Telmo - Não vos apareceu decerto.

Madalena - Não, credo!

Telmo (misterioso) - Bem sei que não. [...]

Madalena - Valha-me Deus, Telmo! Conheço que desarrazoais; e contudo as vossas palavras metem-me um medo... Não me faças mais desgraçada.

(ato I, cena II)

Madalena - [...] Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa. Parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali... - oh perdoa, perdoa-me, não me sai esta ideia da cabeça... - que vou achar ali a sombra despeitosa de D. João que me está ameaçando com uma espada de dois gumes... que a atravessa no meio de nós, entre mim e ti e a nossa filha, que nos vai separar para sempre... Que queres? Bem sei que é loucura; mas a ideia de tornar a morar ali, de viver ali contigo e com Maria, não posso com ela. Sei decerto que vou ser infeliz, que vou morrer naquela casa funesta, que não estou ali três dias, três horas sem que todas as calamidades do mundo venham sobre nós. [...]

(ato I, cena VIII)

Madalena - Sexta-feira! (aterrada) Ai que é sexta-feira!

[...]

Madalena - E tua mãe, filha, deixa-la aqui só, a morrer de tristeza?  (aparte) e de medo?

(ato II, cena V)

Madalena - Hoje... hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado... que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça... É um dia fatal para mim: faz hoje anos que... que casei a primeira vez; faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião; faz anos também que... vi pela primeira vez a Manuel de Sousa.

(ato II, cena X)




A atriz Patrícia Guerreiro

Imagem do filme

Quem és tu?
de
João Botelho
Maria

* Uma personagem idealizada:

- a ingenuidade, a pureza, a meiguice, o abandono, etc., próprios duma alma infantil, e a inteligência, a experiência, a cultura, a intuição, características de um espírito adulto, confluem numa personagem pouco real, só entendida à luz do desvelo que Garrett votava a sua filha Maria Adelaide e à condição social que, para a mesma, resultara da morte prematura da mãe;

- protótipo da mulher-anjo, tão do agrado dos românticos, Maria é demasiado angélica para ser verdadeira;

- a sua dimensão psicológica resulta, por isso, contraditória, ao revelar comportamentos, simultaneamente, de criança e de adulto;

* Alguns traços caracterizadores de Maria:

- ternura (13)

- culto sebastianista (14)

- dom de sibila (dom da profecia) (15)

- cultura (16)

- coragem, ingenuidade e pureza (17)

- tuberculosa (18)


Ternura de Maria

Maria - Então, minha mãe, então! - Vêem, vêem?... também minha mãe não gosta. Oh! essa ainda é pior, que se aflige, chora... ela aí está a chorar... (Vai-se abraçar com a mãe, que chora.) Minha querida mãe, ora pois então! [...] Minha querida mãe!

(ato I, cena III)

Maria (com sa lágrimas nos olhos, e tomando-lhe as mãos) - Meu Telmo, meu bom Telmo!... é uma glória ser filha de tal pai, não é? Dize!

(ato II, cena I)

Maria (reconhecendo-o) - Oh meu pai, meu querido pai! Já me não diz mais nada o coração senão isto. (lança-se-lhe nos braços e beija-o na face muitas vezes) Ainda bem que vieste.

(ato I I, cena II)

Maria - Minha mãe! (abraçando-a) Então, se chorais assim, não vou.

(ato II, cena VII)


Sebastianismo de Maria

Maria (entrando com umas flores na mão, incontra-se com Telmo, e o faz tornar para cena) - [...] Telmo, aqui posto a conversar com minha mãe, sem se importar de mim! Que é do romance que me prometeste? Não é o da batalha, não é o que diz:

«Postos estão, frente a frente,

Os dois valorosos campos;»

é o outro, é o da ilha incoberta onde está el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há-de vir, um dia de névoa muito cerrada... Que ele não morreu; não é assim, minha mãe?

Madalena - Minha querida filha, tu dizes coisas! [...] O povo, coitado, imagina essas quimeras para se consolar na desgraça.

Maria - Voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe: eles que andam tão crentes nisto, alguma coisa há-de ser. Mas ora o que me dá que pensar é ver que, tirado aqui o meu bom velho Telmo (chega-se toda para ele, acarinhando-o), ninguém nesta casa gosta de ouvir falar em que escapasse o nosso bravo rei, o nosso santo rei D. Sebastião. [...]

(ato I, cena III)

Maria - Pois não há profecias que o dizem? Há, e eu creio nelas. E também creio naqueloutro que ali está (indica o retrato de Camões), aquele teu amigo com quem tu andaste lá pela Índia, nessa terra de prodígios e bizarrias, por onde ele ia ... como é? ah, sim...

«N'uma mão sempre a espada e n'outra a pena...»

[...]

Maria - Ninguém mais!... Pois não lêem aquele livro que é para dar memória aos mais esquecidos?

[...]

Maria - Está no céu. Que o céu fez-se para os bons e para os infelizes, para os que já cá da terra o adivinharam! - Este lia nos mistérios de Deus; as suas palavras são de profeta. Não te lembras o que lá diz do nosso rei D. Sebastião?... Como havia de ele então morrer? Não morreu.

(ato II, cena I)


Profecias de Maria

Maria - Não é isso, não é isso: é que vos tenho lido nos olhos... Oh, que eu leio nos olhos, leio, leio!... e nas estrelas do céu também - e sei coisas...

[...]

 Maria - [...] quero-a dormir de um sono, não quero sonhar, que me faz ver coisas... lindas às vezes, mas tão extraordinárias e confusas...

(ato I, cena IV)

Maria - [...] Vês tu? Ela que não cria em agouros, que sempre me estava a repreender pelas minhas cismas, agora não lhe sai da cabeça que a perda do retrato é prognóstico fatal de outra perda maior que está perto, de alguma desgraça inesperada, mas certa, que a tem de separar de meu pai. - E eu agora é que faço de forte e assisada, que zombo de agouros e de sinas... para a animar, coitada!... que aqui entre nós, Telmo, nunca tive tanta fé neles. Creio, oh, se creio! que são avisos que Deus nos manda para nos preparar. E há...oh! há grande desgraça a cair sobre meu pai... decerto! e sobre minha mãe também, que é o mesmo.

[...]

Maria - [...] Mas tenho cá uma coisa que me diz que aquela tristeza de minha mãe, aquele susto, aquele terror em que está, e que ela disfarça com tanto trabalho na presença de meu pai (também a mim mo queria incobrir, mas agora já não pode, coitada!), aquilo é pressentimento de desgraça grande...

[...]

Maria - Pois não há profecias que o dizem? Há, e eu creio nelas. 

(ato I I, cena I)

Maria - [...] Mãe, mãe, eu bem o sabia... nunca to disse, mas sabia-o: tinha-mo dito aquele anjo terrível que me aparecia todas as noites para me não deixar dormir... 

(ato III, cena XI)


Cultura de Maria

Maria (entrando com umas flores na mão, incontra-se com Telmo, e o faz tornar para cena) - [...] Que é do romance que me prometeste? Não é o da batalha, não é o que diz:

«Postos estão, frente a frente,

Os dois valorosos campos;»

é o outro, é o da ilha incoberta onde está el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há-de vir, um dia de névoa muito cerrada...

(ato I, cena III)

Maria - E não lhas posso realizar, bem sei. - Mas que hei-de eu fazer? eu estudo, leio...

[...]

Madalena - Lês de mais, cansas-te, não te distrais como as outras donzelas da tua idade, não és...

(ato I, cena IV)

Jorge - A minha donzela Teodora!

(ato I, cena V)

Nota: mulher do imperador Justiniano I, Teodora é símbolo de coragem e da sabedoria feminina.

Maria - Tio, venha, quero ver se me acomodam os meus livrinhos; (confidencialmente) e os meus papéis, que eu também tenho papéis. Deixai que lá na outra casa vos hei-de mostrar... Mas segredo!

(ato I, cena VII)

Maria - «Menina e moça me levaram de casa de meu pai» - é o princípio daquele livro tão bonito que minha mãe diz que não intende: intendo-o eu. [...]

[...]

Maria - Pois não há profecias que o dizem? Há, e eu creio nelas. E também creio naqueloutro que ali está (indica o retrato de Camões), aquele teu amigo com quem tu andaste lá pela Índia, nessa terra de prodígios e bizarrias, por onde ele ia ... como é? ah, sim...

«N'uma mão sempre a espada e n'outra a pena...»

(ato I I, cena I)


Coragem, ingenuidade e pureza de Maria

Maria - Coitado do povo! Que mais valem as vidas deles? Em pestes e desgraças assim, eu entendia, se governasse, que o serviço de Deus e do rei me mandava ficar, até à última, onde a miséria fosse mais e o perigo maior, para atender com remédios e amparo aos necessitados. Pois rei não quer dizer pai comum de todos?

[...]

Maria (com vivacidade) - Fechamo-lhes as portas. Metemos a nossa gente dentro - o terço de meu pai tem mais de seiscentos homens - e defendemo-nos. Pois não é uma tirania?... - e há-de ser bonito!... Tomara eu ver seja o que for que se pareça com uma batalha!

(ato I, cena V)


Doença de Maria

Telmo - [...] (aparte, e indo-se depois de lhe tomar as mãos) Que febre que ela tem hoje, meu Deus! queimam-lhe as mãos... e aquelas rosetas nas faces... Se o perceberá a pobre da mãe!

(ato I, cena III)  

Maria - Pois oiço eu muito claro. É meu pai que aí vem... e vem afrontado!

(ato I, cena V)

Nota: diz-se que os tuberculosos têm o ouvido muito apurado.

Jorge - [...] mas quero-te mais fria de cabeça, ouves?

Maria (aparte) - Fria!... quando ela estiver oca!

(ato II, cena V)

Manuel - A lançar sangue?... Se ela deitou o do coração!... não tem mais. Naquele corpo tão franzino, tão delgado, que mais sangue há-de haver? Quando ontem a arranquei de ao pé da mãe e a levava nos braços, não mo lançou todo às golfadas aqui no peito? (mostra um lenço branco todo manchado de sangue) Não o tenho aqui... o sangue... o sangue da minha vítima?... que é o sangue das minhas veias... que é o sangue da minha alma, é o sangue da minha querida filha!

(ato III, cena I)




O ator José Pinto

Imagem do filme
Quem és tu?
de
João Botelho

Telmo Pais
A personagem central do Frei Luís de Sousa?

«A tragédia grega é a história de um fado que brinca com os homens: é típico o caso de Édipo. Os homens bem fazem, bem fogem, bem inventam desculpas e subterfúgios - vale tanto como nada. Eles próprios sabem, muito embora finjam o contrário, que o destino os virá colher na rede. E pouco a pouco a face deles, que se fingia despreocupada, vai-se cavando e petrificando nas rugas do terror. Ora é este destino que se aproxima passo a passo e este terror crescente dos humanos que se sabem colhidos na rede da história que Garrett nos conta no Frei Luís de Sousa. Por isso mesmo, o drama quase não tem enredo. Logo de começo se sabe o que vai acontecer; o desfecho é evidente e não interessa ao autor torná-lo incerto por meio de uma intriga complicada. Interessa-lhe antes contar o terror e o pasmo dos homens ante esse desfecho garantido de antemão. A única ação movimentada - a resistência de Manuel de Sousa aos regentes e o incêndio de sua casa - serve para encaminhar as personagens ao ponto preciso em que o destino as quer apanhar: a casa do próprio D. João de Portugal, à vista do seu retrato. Em vão D. Madalena resiste, em vão Manuel de Sousa sossega, tentando conjurar o destino pela ignorância inocente do que todos sabem que vai acontecer.

[...]

Convém analisar o terceiro elemento que Garrett recebeu do teatro clássico: o conflito psicológico suscitado pelos dilemas perante os quais são colocadas as personagens.

Este terceiro elemento realiza-se particularmente na figura de Telmo Pais, que Garrett interpretou pessoalmente na representação particular da peça. 

Telmo Pais tem de escolher entre Maria, que ele criou, e D. João, que ele também criou e a quem deve, além disso, fidelidade de escudeiro. Mas o que faz deste caso uma novidade na história do teatro é que Telmo Pais, na realidade, não tem de escolher, ele está de antemão decidido. A perplexidade perante o dilema é apenas a forma exterior com que Garrett revestiu uma coisa bem diferente daquilo que o teatro clássico conhecia. Telmo Pais, amo e criado de D. João de Portugal, era o seu maior amigo, e nenhuma criatura sofreu tanto como ele o seu desaparecimento; opôs-se quanto pôde a que a sua viúva casasse segunda vez e não lhe pôde perdoar a infidelidade para com o amo, cuja morte se recusou sempre a aceitar. (19) O resto dos seus dias é consagrado ao culto do desaparecido, a quem levanta no seu coração um altar. E lentamente os dias vão passando, a imagem de D. João vai-se-lhe entranhando na alma, tornando-se com o tempo talvez mais rígida, mais nítida, mais adorada. O tempo só fazia aumentar a adoração. Mas deste casamento abominado nascera uma criança. Quis o destino que Telmo também fosse o amo dela, e o seu coração cresceu com este novo amor. (20) Mas pode Telmo continuar a não acreditar na morte de seu amo? Porque se ele é vivo e voltar, que será feito da sua menina? Órfã e desgraçada é o que ela será, segundo a moral da época. Durante muito tempo Telmo não chega a ter consciência clara desta contradição. Conserva os círios acesos no altar de D. João - mas, no fundo, desejará a sua vinda? Os círios, que ele não deixa apagar, não serão, realmente, círios à imagem de um morto a quem desta maneira se paga uma dívida e se pede perdão por continuarmos a viver? É o que se verá quando D. João chegar.

No momento culminante, o pobre Telmo Pais descobre que no fundo da alma desejava que D. João tivesse continuado morto. (21) O seu reaparecimento transtorna-lhe a sua verdadeira vida. E Garrett leva o drama desta personagem às suas consequências últimas, porque é ele - a mandado de D. João, é verdade, mas com uma satisfação secreta e cheia de remorsos -, é ele quem vai à última hora espalhar que o Romeiro é um impostor. É ele, afinal, e isto é que é terrível, quem vai matar definitivamente seu amo (22), ele, o único que lhe não tinha acreditado na morte e que fizera votos pelo seu regresso, o único que pode testemunhar a sua vida.

Se esta interpretação é verdadeira, Garrett põe mediante esta personagem um problema, que é novo, na história do teatro. Telmo Pais tem uma personalidade fictícia, convencional, e por baixo desta uma personalidade autêntica. A personalidade fictícia, construída, feita da nossa vida passada, coerente, é aquela que nós próprios nos atribuímos e aquela com que figuramos nos atos correntes da vida. Mas a outra personalidade, secreta, que nós próprios às vezes não conhecemos, é a que vem à superfície nos momentos de crise e ante o nosso próprio espanto. Telmo quer ser coerente com o seu passado; a imagem em que ele próprio se construiu foi a do escudeiro fiel: com essa máscara o vêem os outros e se vê ele próprio a si. e um dia esta imagem é quebrada como uma capa de gelo, e a onda da vida jorra. [...]»

António José Saraiva, Conferência proferida em 29/03/1947 no Salão de O SÉCULO



Oposição de Telmo ao segundo casamento de D. Madalena

Telmo (deitando-lhe os olhos) - Oh! oh! livro para damas - e para cavaleiros... e para todos: um livro que serve para todos; como não há outro, tirante o respeito devido ao da palavra de Deus! Mas esse não tenho eu a consolação de ler, que não sei latim como o meu senhor... quero dizer, como o Sr Manuel de Sousa Coutinho - que lá isso!... [...]

Madalena - Olhai, Telmo; eu não vos quero dar conselhos: bem sabeis que desde o tempo que... que...

Telmo - Que já lá vai, que era outro tempo.

[...]

Madalena - [...] Conheci-te de tão criança, de quando casei a... a... a... primeira vez - costumei-me a olhar para ti com tal respeito: já então eras o que és, o escudeiro valido, o familiar quase parente, o amigo velho e provado de teus amos...

Telmo (enternecido) - Não digais mais, senhora, não me lembreis de tudo o que eu era.

Madalena (quase ofendida) - Porquê? Não és hoje o mesmo, ou mais ainda, se é possível? Quitaram-te alguma coisa da confiança, do respeito, do amor e carinho a que estava costumado o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal, que Deus tenha em glória?

Telmo (aparte) - Terá...

[...]

Madalena - [...] Depois que fiquei só, depois daquela funesta jornada de África que me deixou viúva, órfã e sem ninguém... sem ninguém, e numa idade... com dezassete anos! - em vós, Telmo, em vós só, achei o carinho e proteção, o amparo que eu precisava. Ficastes-me em lugar de pai: e eu... salvo numa coisa! - tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha.

Telmo - Oh, minha senhora, minha senhora! mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos...

Madalena - Para essa houve poder maior que as minhas forças... D. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente. (sinal de impaciência em Telmo) Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos de sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia, por todas as sejanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves aí houve... Cabedais e valimentos, tudo se empregou; gastaram-se grossas quantias; os embaixadores de Portugal e Castela tiveram ordens apertadas de o buscar por toda a parte; aos padres da Redenção, a quanto religioso ou mercador podia penetrar naquelas terras, a todos se encomendava o seguir a pista do mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos, aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer. Tudo foi inútil; e a ninguém mais ficou resto de dúvida...

Telmo - senão a mim.

Madalena - Dúvida de fiel servidor, esperança de leal amigo, meu bom Telmo, que diz com vosso coração, mas que tem atormentado o meu... E então sem nenhum fundamento, sem o mais leve indício... Pois dizei-me em consciência, dizei-mo de uma vez, claro e desenganado: a que se apega esta vossa credulidade de sete... e hoje mais catorze... vinte e um anos?

Telmo (gravemente) - Às palavras, às formais palavras daquela carta escrita na própria madrugada do dia da batalha, e entregue a Frei Jorge que vo-la trouxe. - «Vivo ou morto» - rezava ela - «vivo ou morto...» Não me esqueceu uma letra daquelas palavras: e eu sei que homem era meu amo para as escrever em vão: - «vivo ou morto, Madalena, hei-de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo.» - Não era assim que dizia?

Madalena (aterrada) - Era.

Telmo - Vivo não veio... inda mal! E morto... a sua alma, a sua figura...

Madalena (possuída de grande terror) - Jesus, homem!

Telmo - Não vos apareceu decerto.

Madalena - Não, credo!

Telmo (misterioso) - Bem sei que não. Queria-vos muito; e a sua primeira visita, como de razão, seria para minha senhora. Mas não sei se ia sem aparecer também ao seu aio velho.

Madalena - Valha-me Deus, Telmo! Conheço que desarrazoais; e contudo as vossas palavras metem-me um medo... Não me faças mais desgraçada.

Telmo - Desgraçada! Porquê? Não sois feliz na companhia do homem que amais, nos braços do homem a quem sempre quisestes mais sobre todos? - Que o pobre do meu amo... respeito, devoção, lealdade, tudo lhe tivestes, como tão nobre e honrada senhora que sois... mas amor!

Madalena - Não está em nós dá-lo, nem quitá-lo, amigo.

Telmo - Assim é. Mas os ciúmes que meu amo não teve nunca - bem sabeis que têmpera de alma era aquela - tenho-os eu... aqui está a verdade nua e crua... tenho-os eu por ele. Não posso, não posso ver... e desejo, quero, forcejo por me acostumar... mas não posso. Manuel de Sousa... o senhor Manuel de Sousa Coutinho é guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português... mas - mas não é, nunca há-de ser, aquele espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons... Ah meu nobre amo, meu santo amo!

(ato I, cena II)


Amor de Telmo por Maria

Madalena - Filha do meu coração!

Telmo - E do meu. Pois não se lembra, minha senhora, que ao princípio era uma criança que eu não podia... - é a verdade, não a podia ver: já sabereis porquê; mas vê-la, era ver... Deus me perdoe!... nem eu sei... E daí começou-me a crescer, a olhar para mim com aqueles olhos a fazer-me tais meiguices, e a fazer-se-me um anjo tal de formosura e de bondade, que - vedes-me aqui agora, que lhe quero mais do que seu pai.

Madalena (sorrindo) - Isso agora...

Telmo - Do que vós.

Madalena (rindo) - Ora, meu Telmo!

Telmo - Mais, muito mais. E veremos: tenho cá uma coisa que me diz que, antes de muito, se há-de ver quem é que quer mais à nossa menina nesta casa.

[...]

Telmo - Assim é. Mas os ciúmes que meu amo não teve nunca - bem sabeis que têmpera de alma era aquela - tenho-os eu... aqui está a verdade nua e crua... tenho-os eu por ele. Não posso, não posso ver... e desejo, quero, forcejo por me acostumar... mas não posso. Manuel de Sousa... o senhor Manuel de Sousa Coutinho é guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português... mas - mas não é, nunca há-de ser, aquele espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons... Ah meu nobre amo, meu santo amo!

Madalena - Pois sim, tereis razão... tendes razão, será tudo como dizeis. Mas refleti, que haveis cabedal de inteligência para muito; eu resolvi-me por fim a casar com Manuel de Sousa; foi do aprazimento geral de nossas famílias, da própria família de meu primeiro marido, que bem sabeis quanto me estima; vivemos (com afetação) seguros, em paz e felizes... há catorze anos. Temos esta filha, esta querida Maria que é todo o gosto e ânsia da nossa vida. Abençoou-nos Deus na formosura, no ingenho, nos dotes admiráveis daquele anjo... E tu, meu Telmo, que és tão seu, que chegas a pretender ter-lhe mais amor que nós mesmos...

Telmo - Não, não tenho!

Madalena - Pois tens: melhor! E és tu o que andas, continuamente e quase por acinte, a sustentar essa quimera, a levantar esse fantasma, cuja sombra, a mais remota, bastaria para inodoar a pureza daquela inocente, para condenar a eterna desonra a mãe e a filha!... (Telmo dá sinais de grande agitação) Ora dize: já pensaste bem no mal que estás fazendo? Eu bem sei que a ninguém neste mundo, senão a mim, falas em tais coisas... falas assim como hoje temos falado... mas as tuas palavras misteriosas, as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse, por quem ainda espera em sua leal incredulidade, - esses contínuos agouros, em que andas sempre, de uma desgraça que está iminente sobre a nossa família... não vês que estás excitando com tudo isso a curiosidade daquela criança, aguçando-lhe o espírito - já tão perspicaz! - a imaginar, a descobrir... quem sabe se a acreditar nessa prodigiosa desgraça, em que tu mesmo... tu mesmo... sim, não crês deveras? Não crês, mas achas não sei que doloroso prazer em ter sempre viva e suspensa essa dúvida fatal. E então considera, vê: se um terror semelhante chega a entrar naquela alma, quem lho há-de tirar nunca mais?... O que há-de ser dela e de nós? - Não a perdes, não a matas... não me matas a minha filha?

Telmo (em grande agitação durante a fala precedente, fica pensativo e aterrado; fala depois como para si) - É verdade que sim! A morte era certa. E não há-de morrer: não, não, não, três vezes não. (para Madalena) À fé de escudeiro honrado, senhora D. Madalena, a minha boca não se abre mais; e o meu espírito há-de... há-de fechar-se também... (aparte) Não é possível, mas eu hei-de salvar o meu anjo do Céu! (alto para Madalena) Está dito, minha senhora.

(ato I, cena II)

Telmo (só) - Virou-se-me a alma toda com isto: já não sou o mesmo homem. Tinha um pressentimento do que havia de acontecer... parecia-me que não podia deixar de suceder... e cuidei que o desejava enquanto não veio. Veio, e fiquei mais aterrado, mais confuso que ninguém! Meu honrado amo, o filho do meu nobre senhor está vivo... o filho que eu criei nestes braços... vou saber novas certas dele, no fim de vinte anos de o julgarem todos perdido; e eu, eu que sempre esperei, que sempre suspirei pela sua vinda... - era um milagre que eu esperava sem o crer! - Eu agora tremo... É que o amor desta outra filha, desta última filha, é maior, e venceu... venceu, apagou o outro. Perdoe-me Deus, se é pecado. Mas que pecado há-de haver com aquele anjo? Se ela me viverá, se escapará desta crise terrível? Meu Deus! (ajoelha) Levai o velho que já não presta para nada, levai-o por quem sois! (aparece o romeiro à porta da esquerda, e vem lentamente aproximando-se de Telmo que não dá por ele) Contentai-vos com este pobre sacrifício da minha vida, Senhor, e não me tomeis dos braços o inocentinho que eu criei para vós, Senhor, para vós... mas ainda não, não mo leveis ainda. Já padeceu muito, já traspassaram bastantes dores aquela alma; esperai com a da morte algum tempo!...

(ato III, cena IV)


Telmo deseja a morte de D. João de Portugal

Telmo (só) - Virou-se-me a alma toda com isto: já não sou o mesmo homem. Tinha um pressentimento do que havia de acontecer... parecia-me que não podia deixar de suceder... e cuidei que o desejava enquanto não veio. Veio, e fiquei mais aterrado, mais confuso que ninguém! Meu honrado amo, o filho do meu nobre senhor está vivo... o filho que eu criei nestes braços... vou saber novas certas dele, no fim de vinte anos de o julgarem todos perdido; e eu, eu que sempre esperei, que sempre suspirei pela sua vinda... - era um milagre que eu esperava sem o crer! - Eu agora tremo... É que o amor desta outra filha, desta última filha, é maior, e venceu... venceu, apagou o outro. Perdoe-me Deus, se é pecado. Mas que pecado há-de haver com aquele anjo? Se ela me viverá, se escapará desta crise terrível? Meu Deus! (ajoelha) Levai o velho que já não presta para nada, levai-o por quem sois! (aparece o romeiro à porta da esquerda, e vem lentamente aproximando-se de Telmo que não dá por ele) Contentai-vos com este pobre sacrifício da minha vida, Senhor, e não me tomeis dos braços o inocentinho que eu criei para vós, Senhor, para vós... mas ainda não, não mo leveis ainda. Já padeceu muito, já traspassaram bastantes dores aquela alma; esperai com a da morte algum tempo!...

(ato III, cena IV)

Telmo - Esta voz... esta voz! Romeiro, quem és tu?

Romeiro (tirando o chapéu e alevantando o cabelo dos olhos) - Ninguém, Telmo, ninguém, se nem já tu me conheces.

Telmo (deitando-se-lhe às mãos para lhas beijar) - Meu amo, meu senhor... sois vós? Sois, sois. D. João de Portugal, oh, sois vós, senhor?

Romeiro - Teu filho já não?

[...]

Telmo - Por tão longe andastes?

Romeiro - E por tão longe eu morrera! - Mas não quis Deus assim.

Telmo - Seja feita a Sua vontade.

Romeiro - Pesa-te?

Telmo - Oh, senhor!

Romeiro - Pesa-te.

Telmo - Há-de-me pesar da vossa vida? (aparte) Meu Deus, parece-me que menti...

(ato III, cena V)


Telmo "mata" D. João de Portugal

Romeiro - Basta: vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que ninguém mais houve novas dele; que tudo isto foi vil e grosseiro embuste dos inimigos de... dos inimigos desse homem que ela ama... E que sossegue, que seja feliz. Telmo, adeus!

Telmo - E eu hei-de mentir, senhor, eu hei-de renegar de vós, como um ruim vilão que não sou?

Romeiro - Hás-de, porque eu te mando.

Telmo - Por tão longe andastes?

Romeiro - E por tão longe eu morrera! - Mas não quis Deus assim.

Telmo (em grande ansiedade) - Senhor, senhor, não tenteis a fidelidade do vosso servo. É que vós não sabeis... D. João, meu senhor, meu amo, meu filho, vós não sabeis...

Romeiro - O quê?

Telmo - Que há aqui um anjo... uma outra filha minha, senhor, que eu também criei...

Romeiro - E a quem já queres mais que a mim, dize a verdade.

Telmo - Não mo pergunteis.

Romeiro - Nem é preciso. Assim devia de ser. Também tu! Tiraram-me tudo. [...]

Telmo - Meu Deus, meu Deus! que hei-de eu fazer?

Romeiro - O que te ordena teu amo. Telmo, dá-me um abraço. (abraçam-se) Adeus, adeus, até...

Telmo (com ansiedade crescente) - Até quando, senhor?

Romeiro - Até ao dia do juízo.

Telmo - Pois vós?...

Romeiro - Eu... - Vai, saberás de mim quando for tempo. Agora é preciso remediar o mal feito. Fui imprudente, fui injusto, fui duro e cruel. E para quê? D. João de Portugal morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava... oh, Telmo, Telmo, com que amor a amava eu! - sua mulher que ele já não pode amar sem desonra e vergonha!... Na hora em que ela acreditou na minha morte, nessa hora morri. Com a mão que deu a outro riscou-me do mundo dos vivos. D. João de Portugal não há-de desonrar a sua viúva. Não, vai; dito por ti terá dobrada força: dize-lhe que falaste com o romeiro, que o examinaste, que o convenceste de falso e de impostor... dize o que quiseres, mas salva-a a ela da vergonha, e ao meu nome da afronta. de mim já não há senão esse nome, ainda honrado; a memória dele que fique sem mancha. está em tuas mãos, Telmo, entrego-te mais do que a minha vida. Queres faltar-me agora?

Telmo - Não, meu senhor; a resolução é nobre e digna de vós. Mas pode ela aproveitar ainda?

Romeiro - Porque não?

Telmo - Eu sei! - Talvez...

(ato III, cena V)

Telmo (à parte, a Jorge) - Tenho que vos dizer, ouvi. (conversam ambos à parte)

[...]

Jorge (continuando a conversação com Telmo, e levantando a voz com aspereza) - É impossível já agora... e sempre o devia ser.

(ato III, cena VII)

Romeiro (para Telmo) - Vai, vai; vê se ainda é tempo; salva-os, salva-os, que ainda podes.... (Telmo dá alguns passos para diante)

(ato III, cena XII)





O ator Francisco d'Orey
Imagem do filme
Quem és tu?
de
João Botelho
D. João de Portugal

* Casado com D. Madalena, mas desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir (23), revela-se como:

- Uma existência abstrata (uma espécie de fantasma omnipresente) até à cena XII do ato II, inclusive, permanecendo em cena através dos receios evocativos de Madalena (24), da crença de Telmo em relação ao seu regresso (25) e do sebastianismo de Maria (26) (se D. Sebastião pode regressar, o mesmo pode acontecer em relação a D. João de Portugal);

- Uma existência concreta a partir da cena XIII do ato II:

- regressa a Portugal ao fim de 21 anos, depois de ter passado 20 em cativeiro, em África e na Ásia, surgindo na figura do Romeiro (mesmo assim, a sua identidade só é revelada no final do ato II (27));

- procura interferir voluntariamente na ação dramática, tentando impedir, com a cumplicidade de Telmo, a entrada em hábito de Madalena e de Manuel de Sousa (28);

- acaba por assistir à morte de Maria e à tomada de hábito dos ex-cônjuges (29).



Desaparecido na batalha de Alcácer Quibir

Madalena - [...] a todos se encomendava o seguir a pista do mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos, aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer. [...]

(ato I, cena II)

Manuel - [...] Rezaremos por alma de D. João de Portugal nessa devota capela que é parte da sua casa; e não hajas medo que nos venha perseguir neste mundo aquela santa alma que está no Céu, e que em tão santa batalha, pelejando por seus Deus e por seu rei, acabou mártir às mãos dos infiéis. [...]

(ato I, cena VIII)

Madalena (na maior ansiedade) - Deus tenha misericórdia de mim! E esse homem, esse homem, Jesus! esse homem era... esse homem tinha sido... levaram-no aí de donde?... de África?

Romeiro - Levaram.

Madalena - Cativo?...

Romeiro - Sim.

Madalena - Português?... cativo da batalha de?...

Romeiro - De Alcácer Quibir.

(ato II, cena XIV)


Revelação da identidade do Romeiro

Jorge - [...] Oh! Inspiração divina... (chegando ao Romeiro) Conheceis bem esse homem, romeiro, não é assim?

Romeiro - Como a mim mesmo.

Jorge - Se o víreis ainda que fora noutros trajos... com menos anos, pintado, digamos, conhecê-lo-eis?

Romeiro - Como se me visse a mim mesmo num espelho.

Jorge - Procurai nesses retratos, e dizei-me se algum deles pode ser.

Romeiro (sem procurar, e apontando logo para o retrato de D. João) - É aquele.

(ato II, cena XIV)

Jorge - Romeiro, Romeiro! quem és tu?

Romeiro (apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal) - Ninguém.

(ato II, cena XV)


D. João assiste à morte de Maria

Romeiro (para Telmo) - Vai, vai; vê se ainda é tempo; salva-os, que ainda podes... (Telmo dá alguns passos para diante)

Maria (apontando para o Romeiro) - É aquela voz, é ele, é ele. Já não é tempo... Minha mãe, meu pai, cobri-me bem estas faces, que morro de vergonha... (esconde o rosto no seio da mãe) morro, morro... de vergonha... (cai e fica morta no chão. Manuel de Sousa e Madalena prostram-se ao pé do cadáver da filha)

Manuel (depois de algum espaço, levanta-se de joelhos) - Minha irmã, rezemos por alma... encomendemos a nossa alma a este anjo que Deus levou para si. Padre Prior, podeis-me lançar aqui o escapulário?

Prior (indo buscar os escapulários ao altar-mor e tornando) - Meus irmãos, Deus aflige neste mundo àqueles que ama. A coroa de glória não se dá senão no Céu.

(Toca o órgão; cai o pano.)

(ato III, cena XII)



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