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Farol
das
Letras |
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[Esse
Jasmim] * [Esse
baixel] * [Saío a
noiva] * [É um
nada Amor] * [Amor é
fogo]
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Esse jasmim
que arminhos desacata,
Essa aurora que nácares aviva,
Essa fonte que aljôfares deriva,
Essa rosa que púrpuras desata;
Troca em cinza voraz lustrosa prata,
Brota em pranto cruel púrpura viva,
Profana em turvo pez prata nativa,
Muda em luto infeliz tersa escarlata.
Jasmim na alvura foi, na luz Aurora,
Fonte na graça, rosa no atributo,
Essa heróica deidade que em luz repousa.
Porém fora melhor que assim não fora,
Pois a ser cinza, pranto, barro e luto,
Nasceu jasmim, aurora, fonte, rosa.
Francisco de
Vasconcelos (1665-1723), FÉNIX RENASCIDA
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Linhas
de leitura
- Tema: o carácter efémero da
beleza duma “heróica deidade”, que se vê
reduzida a cinza por efeito da morte;
- Soneto organizado na base de
quatro elementos que se desdobram (jasmim,
aurora, fonte e rosa), caracterizadores, de
forma superlativa, da «heróica deidade que
em luz repousa»;
- Presença de jogos de palavras
(sinonímia (jasmim/rosa; troca/muda;
pez/barro), antonímia ou oposição
(jasmim/cinza; aurora/pranto; fonte/pez;
rosa/luto) e enumerações), jogos de imagens
(metáforas) e jogos de construções
(paralelismos (dez primeiros versos),
quiasmos (verso 7) e antíteses);
- Mudança dos tempos verbais
correspondente aos efeitos da mudança do
tempo, comprovando o seu poder erosivo até à
destruição, aos quais não escapou a
«deidade»;
- Burilado excessivo da forma e
desproporcionado em relação à temática;
- Características cultistas
(pontos 2, 3 e 5).
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À
fragilidade da vida
Esse baixel nas
praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.
Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em Vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.
Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,
Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.
Francisco de
Vasconcelos (1665-1723), FÉNIX RENASCIDA
III
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Linhas
de leitur
-
Tema: tal como no
texto anterior, o carácter efémero da vida
humana, como nos é demonstrado no último
terceto, com particular incidência no
último verso;
-
Soneto organizado na
base de quatro elementos (baixel, farol,
nácar e Estio) que se desdobram de acordo
com a finalidade temática;
-
Presença de jogos de
palavras (sinonímia (baixel/nau;
farol/sol; nácar/rosa; estio/Primavera),
antonímia ou oposições (nau/estrago;
Sol/eclipse; rosa/cinza; Primavera/ardor
cruel; rosa/cinza; Primavera/incêndio;
Sol/eclipse; baixel/estrago),
enumerações), jogos de imagens (metáforas)
e jogos de construções (paralelismos (nas
duas quadras), antíteses (nos dois
tercetos));
-
Estrutura interna
bipartida do soneto (1.ª parte: quadras;
2.ª parte: tercetos);
-
Burilado excessivo da
forma e desproporcionado em relação à
temática;
- Características cultistas
(pontos 2, 3 e 5).
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A uns noivos que se foram receber,
levando ele os vestidos emprestados, e indo
ela muito doente e chagada.
Saío a noiva muito
bem trajada
Saío o noivo muito bem trajado,
O noivo em tudo muito bem conchegado,
A noiva em tudo muito bem conchagada.1
Ela uma enágoa2
muito bem bordada
Ele um capote muito bem bordado;
Do mais do noivo tudo d'emprestado,
Do mais da noiva tudo emprastada.
Folgámos todos os amigos seus
De ver o noivo assim com tanto brio,
De ver a noiva assim com tantos brios.
Disse-lhe o cura então: - Confio em Deus,
E respondeo o noivo: - E eu confio.
E respondeu a noiva: - E eu com fios.3
D. Tomás de Noronha (? - 1651), FÉNIX
RENASCIDA
1 - com chagas, com feridas; 2 - saiote; 3
- ligaduras.
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Linhas
de
leitura
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A mulher e
o amor
Intertextualidade
É um nada Amor que
pode tudo,
É um não se entender o avisado,
É um querer ser livre e estar atado,
É um julgar o parvo por sisudo;
É um parar os golpes sem escudo,
É um cuidar que é estar trocado,
É um viver alegre e enfadado,
É não poder falar e não ser mudo;
É um engano claro e mui escuro,
É um não enxergar e estar vendo,
É um julgar por brando ao mais duro;
É um não querer dizer e estar dizendo,
É um no mor perigo estar seguro,
É, por fim, um não sei quê, que não entendo.
Anónimo, FÉNIX RENASCIDA IV
Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões, SONETO
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Linhas
de leitura
Notar:
-
que o paralelismo
anafórico é mais rígido no poema do autor
anónimo;
-
que, em ambos os
poemas, se verifica o recurso à imagem e à
metáfora;
-
que, de igual modo,
assistimos ao uso de antíteses, de
paradoxos e de oximoros;
- que o grande teorizador do
barroco, Baltazar
Gracián, cita Camões a título
documentativo, no seu TRATADO DE AGUDEZA Y
ARTE DE INGENIO, conforme o testemunha Maria
de Lurdes Belchior no DICIONÁRIO DE
LITERATURA.
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©
2001-
-
Manuel Maria,
associado da SPA.
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