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Sonetos de Antero de Quental

Índice

Nota: os sonetos com asterisco (*) contêm Linhas de Leitura de Manuel Maria.



A M. C.

Pôs-te Deus sobre a fronte a mão piedosa:

O que fada o poeta e o soldado

Volveu a ti o olhar, de amor velado,

E disse-te: «vai, filha, sê formosa!»

 

E tu, descendo na onda harmoniosa,

Pousaste neste solo angustiado,

Estrela envolta num clarão sagrado,

Do teu límpido olhar na luz radiosa...

 

Mas eu... posso eu acaso merecer-te?

Deu-te o Senhor, mulher! o que é vedado,

Anjo! deu-te o Senhor um mundo à parte.

 

E a mim, a quem deu olhos para ver-te,

Sem poder mais... a mim o que me há dado?

Voz que te cante e uma alma para amar-te!

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A M. C.

Porque descrês, mulher, do amor, da vida?

Porque esse Hermon transformas em Calvário?

Porque deixas que, aos poucos, do sudário

Te aperte o seio a dobra humedecida?

 

Que visão te fugiu, que assim perdida

Buscas em vão neste ermo solitário?

Que signo obscuro de cruel fadário

Te faz trazer a fronte ao chão pendida?

 

Nenhum! intacto o bem em si assiste:

Deus, em penhor, te deu a formosura:

Bênçãos te manda o Céu em cada hora.

 

E descrês do viver?... E eu, pobre e triste,

Que só no teu olhar leio a ventura,

Se tu descrês, em que hei-de eu crer agora?

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A M. C.

No Céu, se existe um céu para quem chora,

Céu para as mágoas de quem sofre tanto...

Se é lá do amor o foco, puro e santo,

Chama que brilha, mas que não devora...

 

No Céu, se uma alma nesse espaço mora,

Que a prece escuta e enxuta o nosso pranto...

Se há pai, que estenda sobre nós o manto

Do amor piedoso... que eu não sinto agora...

 

No Céu, ó virgem! findarão meus males:

Hei-de lá renascer, eu que pareço

Aqui ter só nascido para dores.

 

Ali, ó lírio dos celestes vales!

Tendo seu fim, terão o seu começo,

Para não mais findar, nossos amores.

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IDEAL*

Aquela que eu adoro não é feita

De lírios nem de rosas purpurinas,

Não tem as formas lânguidas, divinas,

Da antiga Vénus de cintura estreita...

 

Não é a Circe, cuja mão suspeita

Compõe filtros mortais entre ruínas,

Nem a Amazonas, que se agarra às crinas

Dum corcel e combate satisfeita...

 

A mim mesmo pergunto, e não atino

Com o nome que dê a essa visão,

Que ora amostra ora esconde o meu destino...

 

É como uma miragem que entrevejo,

Ideal, que nasceu na solidão,

Nuvem, sonho impalpável do Desejo...

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BEATRICE*

Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,

Se foi a nuvem de ouro ideal que eu vira erguida;

Depois que vi descer, baixar do céu da vida

Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:

 

Depois que sobre o peito os braços apertando

Achei o vácuo só, e tive a luz sumida

Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida

A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:

 

Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,

Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos

Senão à estrela ideal, que a luz do amor contém...

 

Não temas pois - Oh vem! o Céu é puro, e calma

E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...

A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!

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A UM POETA*

Surge et ambula!

Tu que dormes, espírito sereno,

Posto à sombra dos cedros seculares,

Como um levita à sombra dos altares,

Longe da luta e do fragor terreno,

 

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,

Afugentou as larvas tumulares...

Para surgir do seio desses mares,

Um mundo novo espera só um aceno...

 

Escuta! é a grande voz das multidões!

São teus irmãos, que se erguem! são canções...

Mas de guerra... e são vozes de rebate!

 

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,

E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate!

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JUSTITIA MATER

Nas florestas solenes há o culto

Da eterna, íntima força primitiva:

Na serra, o grito audaz da alma cativa,

Do coração, em seu combate inulto:

 

No espaço constelado passa o vulto

Do inominado Alguém, que os sóis aviva:

No mar ouve-se a voz grave e aflitiva

Dum Deus que luta, poderoso e inculto.

 

Mas nas negras cidades, onde solta

Se ergue, de sangue mádida, a revolta,

Como incêndio que um vento bravo atiça,

 

Há mais alta missão, mais alta glória:

O combater, à grande luz da história,

Os combates eternos da Justiça!

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TESE E ANTÍTESE

I

Já não sei o que vale a nova ideia,

Quando a vejo nas ruas desgrenhada,

Torva no aspecto, à luz da barricada,

Como bacante após lúbrica ceia!

 

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia...

Respira fumo e fogo embriagada...

A deusa de alma vasta e sossegada

Ei-la presa das fúrias de Medeia!

 

Um século irritado e truculento

Chama à epilepsia pensamento,

Verbo ao estampido de pelouro e obus...

 

Mas a ideia é num mundo inalterável,

Num cristalino Céu, que vive estável...

Tu, pensamento, não és fogo, és luz!

II

Num Céu intemerato e cristalino

Pode habitar talvez um Deus distante,

Vendo passar em sonho cambiante

O Ser, como espectáculo divino:

 

Mas o homem, na terra onde o destino

O lançou, vive e agita-se incessante...

Enche o ar da terra o seu pulmão possante...

Cá da terra blasfema ou ergue um hino...

 

A ideia encarna em peitos que palpitam:

O seu pulsar são chamas que crepitam,

Paixões ardentes como vivos sóis!

 

Combatei pois na terra árida e bruta,

Té que a revolva o remoinhar da luta,

Té que fecunde o sangue dos heróis.

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MAIS LUZ!

Amem a noite os magros crapulosos,

E os que sonham com virgens impossíveis,

E os que se inclinam, mudos e impassíveis,

À borda dos abismos silenciosos...

 

Tu, Lua, com teus raios vaporosos,

Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,

Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis,

Como aos longos cuidados dolorosos!

 

Eu amarei a santa madrugada,

E o meio-dia, em vida refervendo,

E a tarde rumorosa e repousada.

 

Viva e trabalhe em plena luz: depois,

Seja-me dado ainda ver, morrendo,

O claro Sol, amigo dos heróis!

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A UM CRUCIFIXO

Não se perdeu teu sangue generoso,

Nem padeceste em vão, quem quer que foste,

Plebeu antigo, que amarrado ao poste

Morreste como vil e faccioso.

 

Desse sangue maldito e ignominioso

Surgiu armada uma invencível hoste...

Paz aos homens e guerra aos deuses! - pôs-te

Em vão sobre um altar o vulgo ocioso...

 

Do pobre que protesta foste a imagem:

Um povo em ti começa, um homem novo:

De ti data essa trágica linhagem.

 

Por isso nós, a Plebe, ao pensar nisto,

Lembraremos, herdeiros desse povo,

Que entre nossos avós se conta Cristo.

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HINO À RAZÃO*

Razão, irmã do Amor e da Justiça,

Mais uma vez escuta a minha prece,

É a voz dum coração que te apetece,

Duma alma livre, só a ti submissa.

 

Por ti é que a poeira movediça

De astros e sóis e mundos permanece;

E é por ti que a virtude prevalece,

E a flor do heroísmo medra e viça.

 

Por ti, na arena trágica, as nações

Buscam a liberdade, entre clarões,

E os que olham o futuro e cismam, mudos,

 

Por ti, podem sofrer e não se abatem,

Mãe de filhos robustos, que combatem

Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

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DESPONDENCY

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram

Ninho e filhos e tudo, sem piedade...

Que a leve o ar sem fim da soledade

Onde as asas partidas a levaram...

 

Deixá-la ir, a vela que arrojaram

Os tufões pelo mar, na escuridade,

Quando a noite surgiu da imensidade,

Quando os ventos do Sul se levantaram...

 

Deixá-la ir, a alma lastimosa,

Que perdeu fé e paz e confiança,

À morte queda, à morte silenciosa...

 

Deixá-la ir, a nota desprendida

Dum canto extremo... e a última esperança...

E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!

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O PALÁCIO DA VENTURA*

Sonho que sou um cavaleiro andante.

Por desertos, por sóis, por noite escura,

Paladino do amor, busco anelante

O palácio encantado da Ventura!

 

Mas já desmaio, exausto e vacilante,

Quebrada a espada já, rota a armadura...

E eis que súbito o avisto, fulgurante

Na sua pompa e aérea formosura!

 

Com grandes golpes bato à porta e brado:

Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...

Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!

 

Abrem-se as portas d' ouro, com fragor...

Mas dentro encontro só, cheio de dor,

Silêncio e escuridão - e nada mais!

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A J. FÉLIX DOS SANTOS

Sempre o futuro, sempre! e o presente

Nunca! Que seja esta hora em que se existe

De incerteza e de dor sempre a mais triste,

E só farte o desejo um bem ausente!

 

Ai! que importa o futuro, se inclemente

essa hora, em que a esperança nos consiste,

Chega... é presente... e só à dor assiste?...

Assim, qual é a esperança que não mente?

 

Desventura ou delírio?... O que procuro,

Se me foge, é miragem enganosa,

Se me espera, pior, espectro impuro...

 

Assim a vida passa vagarosa:

O presente, a aspirar sempre ao futuro:

O futuro, uma sombra mentirosa.

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LAMENTO

Um dilúvio de luz cai da montanha:

Eis o dia! eis o Sol! o esposo amado!

Onde há por toda a Terra um só cuidado

Que não dissipe a luz que o Mundo banha?

 

Flor a custo medrada em erma penha,

Revolto mar ou golfo congelado,

Aonde há ser de Deus tão olvidado

Para quem paz e alívio o Céu não tenha?

 

Deus é Pai! Pai de toda a criatura:

E a todo o ser o seu amor assiste:

De seus filhos o mal sempre é lembrado...

 

Ah! se Deus a seus filhos dá ventura

Nesta hora santa... e eu só posso ser triste...

Serei filho, mas filho abandonado!

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A ALBERTO TELES

Só - Ao ermita sozinho na montanha

Visita-o Deus e dá-lhe confiança:

No mar, o nauta, que o tufão balança,

Espera um sopro amigo que o Céu tenha...

 

Só! - Mas quem se assentou em riba estranha,

Longe de seus, lá tem inda a lembrança;

E Deus deixa-lhe ao menos a esperança

Ao que a noite soluça em erma penha...

 

Só! - Não o é quem na dor, quem nos cansaços,

Tem um laço que o prenda a este fadário,

Uma crença, um desejo... e inda um cuidado...

 

Mas cruzar, com desdém, inertes braços,

Mas passar, entre turbas, solitário,

Isto é ser só, é ser abandonado!

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AMARITUDO

Só por ti, astro ainda e sempre oculto,

Sombra do Amor e sonho da Verdade,

Divago eu pelo Mundo e em ansiedade

Meu próprio coração em mim sepulto.

 

De templo em templo, em vão, levo o meu culto,

Levo as flores duma íntima piedade.

Vejo os votos da minha mocidade

Receberem somente escárnio e insulto.

 

À beira do caminho me assentei...

Escutarei passar o agreste vento,

Exclamando: assim passe quanto amei! -

 

Ó minha alma, que creste na virtude!

O que será velhice e desalento,

Se isto se chama aurora e juventude?

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MEA CULPA

Não duvido que o Mundo no seu eixo

Gire suspenso e volva em harmonia;

Que o homem suba e vá da noite ao dia,

E a homem vá subindo insecto e seixo.

 

Não chamo a Deus tirano, nem me queixo,

Nem chamo ao céu da vida noite fria;

Não chamo à existência hora sombria;

Acaso à ordem; nem à lei desleixo.

 

A Natureza é minha mãe ainda...

É minha mãe... Ah, se eu à face linda

Não sei sorrir; se estou desesperado;

 

Se nada há que me aqueça esta frieza;

Se estou cheio de fel e de tristeza...

É de crer que só eu seja o culpado!

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NOX*

Noite, vão para ti meus pensamentos,

Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,

Tanto estéril lutar, tanta agonia,

E inúteis tantos ásperos tormentos...

 

Tu, ao menos, abafas os lamentos,

Que se exalam da trágica enxovia...

O eterno Mal, que ruge e desvaria,

Em ti descansa e esquece alguns momentos...

 

Oh! antes tu também adormecesses

Por uma vez, e eterna, inalterável,

Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,

 

E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,

Dormisse no teu seio inviolável,

Noite sem termo, noite do Não-ser!

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ESTOICISMO

Tu que não crês, nem amas, nem esperas,

Espírito da eterna negação,

Teu hálito gelou-me o coração

E destroçou-me da alma as primaveras...

 

Atravessando regiões austeras,

Cheias de noite e cava escuridão,

Como num sonho mau, só oiço um não,

Que eternamente ecoa entre as esferas...

 

- Porque suspiras, porque te lamentas,

Cobarde coração? Debalde intentas

Opor à Sorte a queixa do egoísmo...

 

Deixa os tímidos, deixa aos sonhadores,

A esperança vã, seus vãos fulgores...

Sabe tu encarar sereno o abismo!

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CONSULTA

Chamei em volta do meu frio leito

as memórias melhores de outra idade,

Formas vagas, que às noites, com piedade,

Se inclinam, a espreitar, sobre meu peito...

 

E disse-lhes: - No mundo imenso e estreito

Valia a pena, acaso, em ansiedade

Ter nascido? dizei-mo com verdade,

Pobres memórias que eu ao seio estreito...

 

Mas elas perturbaram-se - coitadas!

E empalideceram, contristadas,

Ainda a mais feliz, a mais serena...

 

E cada uma delas, lentamente,

Com um sorriso mórbido, pungente,

Me respondeu: - Não, não valia a pena!

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NIRVANA

Para além do Universo luminoso,

Cheio de formas, de rumor, de lida,

De forças, de desejos e de vida,

Abre-se como um vácuo tenebroso.

 

A onda desse mar tumultuoso

Vem ali expirar, esmaecida...

Numa imobilidade indefinida

Termina ali o ser, inerte, ocioso...

 

E quando o pensamento, assim absorto,

Emerge a custo desse mundo morto

E torna a olhar as coisas naturais,

 

À bela luz da vida, ampla, infinita,

Só vê com tédio, em tudo quanto fita,

A ilusão e o vazio universais.

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LACRIMAE RERUM

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,

Quantas vezes tenho eu interrogado

Teu verbo, teu oráculo sagrado,

Confidente e intérprete da Sorte!

 

Aonde são teus sóis, como coorte

De almas inquietas, que conduz o Fado?

E o homem porque vaga desolado

E em vão busca a certeza que o conforte?

 

Mas, na pompa de imenso funeral,

Muda, a noite, sinistra e triunfal,

Passa volvendo as horas vagarosas...

 

É tudo, em torno de mim, dúvida e luto;

E, perdido num sonho imenso, escuto

O suspiro das coisas tenebrosas...

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A UM CRUCIFIXO

Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços

E clamaste da cruz: «Há Deus!» e olhaste, ó crente,

O horizonte futuro e viste, em tua mente,

Um alvor ideal banhar esses espaços!

 

Porque morreu sem eco o eco de teus passos,

E de tua palavra (ó Verbo!) o som fremente?

Morreste... ah! dorme em paz! não volvas, que descrente

Arrojaras de novo à campa os membros lassos...

 

Agora, como então, na mesma terra erma,

A mesma humanidade é sempre a mesma enferma,

Sob o mesmo ermo Céu, frio como um sudário...

 

E agora, como então, viras o Mundo exangue

E ouviras perguntar: «De que serviu o sangue

Com que regaste, ó Cristo, as urzes do Calvário?»

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TORMENTO DO IDEAL

Conheci a Beleza que não morre

E fiquei triste. Como quem da serra

Mais alta que haja, olhando aos pés a terra

E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

 

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:

Assim eu vi o Mundo e o que ele encerra

Perder a cor, bem como a nuvem que erra

Ao pôr do Sol e sobre o mar discorre.

 

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,

Tropeço, sombras, na matéria dura,

E encontro a imperfeição de quanto existe.

 

Recebi o baptismo dos poetas,

E, assentado entre as formas incompletas,

Para sempre fiquei pálido e triste.

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VOZ DO OUTONO

Ouve tu, meu cansado coração,

O que te diz a voz da Natureza:

- «Mais te valera, nu e sem defesa,

Ter nascido em aspérrima soidão,

 

Ter gemido, ainda infante, sobre o chão

Frio e cruel da mais cruel devesa,

Do que embalar-te a Fada da Beleza,

Como embalou, no berço da Ilusão!

 

Mais valera à tua alma visionária,

Silenciosa e triste, ter passado

Por entre o Mundo hostil e a turba vária,

 

(Sem ver uma só flor das mil que amaste)

Com ódio e raiva e dor... que ter sonhado

Os sonhos ideais que tu sonhaste!» -

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NOCTURNO

Espírito que passas, quando o vento

Adormece no mar e surge a Lua,

Filho esquivo da noite que flutua,

Tu só entendes bem o meu tormento...

 

Como um canto longínquo - triste e lento -

Que voga e subtilmente se insinua,

Sobre o meu coração, que tumultua,

Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...

 

A ti confio o sonho em que me leva

Um instinto de luz, rompendo a treva,

Buscando, entre visões, o eterno Bem.

 

E tu entendes o meu mal sem nome,

A febre de Ideal, que me consome,

Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!

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ANIMA MEA

Estava a Morte ali, em pé, diante,

Sim, diante de mim, como serpente

Que dormisse na estrada e de repente

Se erguesse sob os pés do caminhante.

 

Era de ver a fúnebre bacante!

Que torvo olhar! que gesto de demente!

E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,

Loba faminta, pelo Mundo errante?»

 

- «Não temas, respondeu (e uma ironia

Sinistramente estranha, atroz e calma,

Lhe torceu cruelmente a boca fria).

 

Eu não busco o teu corpo... Era um trofeu

Glorioso de mais... Busco a tua alma.» -

Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»

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ENQUANTO OUTROS COMBATEM

Empunhasse eu a espada dos valentes!

Impelisse-me a acção, embriagado,

Por esses campos onde a Morte e o Fado

Dão a lei aos reis trémulos e às gentes!

 

Respirariam meus pulmões contentes

O ar de fogo do circo ensanguentado...

Ou caíra radioso, amortalhado

Na fulva luz dos gládios reluzentes!

 

Já não veria dissipar-se a aurora

De meus inúteis anos, sem uma hora

Viver mais que de sonhos e ansiedade!

 

Já não veria em minhas mãos piedosas

Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas

Desta pálida e estéril mocidade!

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MÃE

Mãe - que adormente este viver dorido,

E me vele esta noite de tal frio,

E com as mãos piedosas até o fio

Do meu pobre existir, meio partido...

 

Que me leve consigo, adormecido,

Ao passar pelo sítio mais sombrio...

Me banhe e lave a alma lá no rio

Da clara luz do seu olhar querido...

 

Eu dava o meu orgulho de homem - dava

Minha estéril ciência, sem receio,

E em débil criancinha me tornava,

 

Descuidada, feliz, dócil também,

Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,

Se tu fosses, querida, a minha mãe!

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A GERMANO MEIRELES

Só males são reais, só dor existe;

Prazeres só os gera a fantasia;

Em nada, um imaginar, o bem consiste,

Anda o mal em cada hora e instante e dia.

 

Se buscamos o que é, o que devia

Por natureza ser não nos assiste;

Se fiamos num bem, que a mente cria,

Que outro remédio há aí senão ser triste?

 

Oh! quem tanto pudera que passasse

A vida em sonhos só, e nada vira...

Mas, no que se não vê, labor perdido!

 

Quem fora tão ditoso que olvidasse...

Mas nem seu mal com ele então dormira,

Que sempre o mal pior é ter nascido!

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À VIRGEM SANTÍSSIMA

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

Num sonho todo feito de incerteza,

De nocturna e indizível ansiedade

É que eu vi teu olhar de piedade

e (mais que piedade) de tristeza...

 

Não era o vulgar brilho da beleza,

Nem o ardor banal da mocidade...

Era outra luz, era outra suavidade,

Que até nem sei se as há na natureza...

 

Um místico sofrer... uma ventura

Feita só do perdão, só da ternura

E da paz da nossa hora derradeira...

 

Ó visão, visão triste e piedosa!

Fita-me assim calada, assim chorosa...

E deixa-me sonhar a vida inteira!

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NO CIRCO

Muito longe daqui, nem eu sei quando,

Nem onde era esse Mundo em que eu vivia...

Mas tão longe... que até dizer podia

Que enquanto lá andei, andei sonhando...

 

Porque era tudo ali aéreo e brando,

E lúcida a existência amanhecia...

E eu... leve como a luz... até que um dia

Um vento me tomou e vim rolando...

 

Caí e achei-me, de repente, envolto

Em luta bestial, na arena fera,

Onde um bruto furor bramia solto.

 

Senti um monstro em mim nascer nessa hora,

E achei-me de improviso feito fera...

- É assim que rujo entre leões agora!

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TRANSCENDENTALISMO

Já sossega, depois de tanta luta,

Já me descansa em paz o coração.

Caí na conta, enfim, de quanto é vão

O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.

 

Penetrando, com fronte não enxuta,

No sacrário do templo da Ilusão,

Só encontrei, com dor e confusão,

Trevas e pó, uma matéria bruta...

 

Não é no vasto Mundo - por imenso

Que ele pareça à nossa mocidade -

Que a alma sacia o seu desejo intenso...

 

Na esfera do invisível, do intangível,

Sobre desertos, vácuo, soledade,

Voa e paira o espírito impassível!

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NA MÃO DE DEUS

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão

Desci a passo e passo a escada estreita.

 

Como as flores mortais, com que se enfeita

A ignorância infantil, despojo vão,

Depus do Ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.

 

Como criança. em lôbrega jornada,

Que a mãe leva ao colo agasalhada

E atravessa, sorrindo vagamente,

 

Selvas, mares, areias do deserto...

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na não de Deus eternamente!

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IGNOTO DEO

Que beleza mortal se te assemelha,

Ó sonhada visão desta alma ardente,

Que reflectes em mim teu brilho ingente,

Lá como sobre o mar o Sol se espelha?

 

O Mundo é grande - e esta ânsia me aconselha

A buscar-te na Terra: e eu, pobre crente,

Pelo Mundo procuro um Deus clemente,

Mas a ara só lhe encontro... nua e velha...

 

Não é mortal o que eu em ti adoro.

Que és tu aqui? olhar de piedade,

Gota de mel em taça de venenos...

 

Pura essência das lágrimas que choro

E sonho dos meus sonhos! se és verdade,

Descobre-te, visão, no Céu ao menos!

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SALMO

Esperemos em Deus! Ele há tomado

Em suas mãos a massa inerte e fria

Da matéria impotente e, num só dia,

Luz, movimento, acção, tudo lhe há dado.

 

Ele, ao mais pobre de alma, há tributado

Desvelo e amor: ele conduz à via

Segura quem lhe foge e se extravia,

Quem pela noite andava desgarrado.

 

E a mim, que aspiro a ele, a mim, que o amo,

Que anseio por mais vida e maior brilho,

Há-de negar-me o termo deste anseio?

 

Buscou quem o não quis: e a mim, que o chamo,

Há-de fugir-me, como a ingrato filho?

Ó Deus, meu pai e abrigo! espero!... eu creio!

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ASPIRAÇÃO

Meus dias vão correndo vagarosos,

Sem prazer e sem dor, e até parece

Que o foco interior já desfalece

E vacila com raios duvidosos.

 

É bela a vida e os anos são formosos,

E nunca ao peito amante o amor falece...

Mas, se a beleza aqui nos aparece,

Logo outra lembra de mais puros gozos.

 

Minha alma, ó Deus! a outros céus aspira:

Se um momento a prendeu mortal beleza,

É pela eterna pátria que suspira...

 

Porém, do pressentir dá-me a certeza,

Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,

Eu sempre bendirei esta tristeza!

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COMUNHÃO

Reprimirei meu pranto!... Considera

Quantos, minha alma, antes de nós vagaram,

Quantos as mãos incertas levantaram

Sob este mesmo céu de luz austera!...

 

- Luz morta! amarga a própria Primavera! -

Mas seus pacientes corações lutaram,

Crentes só por instinto, e se apoiaram

Na obscura e heróica fé, que os retempera...

 

E sou eu mais do que eles? igual fado

Me prende à lei de ignotas multidões. -

Seguirei meu caminho confiado,

 

Entre esses vultos mudos, mas amigos,

Na humilde fé de obscuras gerações,

Na comunhão dos nossos pais antigos.

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O CONVERTIDO

Entre os filhos dum século maldito

Tomei também lugar na ímpia mesa,

Onde, sob o folgar, geme a tristeza

Duma ânsia impotente de infinito.

 

Como os outros, cuspi no altar avito

Um rir feito de fel e de impureza...

Mas um dia abalou-se-me a firmeza,

Deu-me rebate o coração contrito!

 

Erma, cheia de tédio e de quebranto,

Rompendo os diques ao represo pranto,

Virou-se para Deus minha alma triste!

 

Amortalhei na Fé o pensamento,

E achei a paz na inércia e esquecimento...

Só me falta saber se Deus existe!

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EM VIAGEM

Pelo caminho estreito, aonde a custo

Se encontra uma só flor, ou ave, ou fonte,

Mas só bruta aridez de áspero monte

E os sóis e a febre do areal adusto,

 

Pelo caminho estreito entrei em susto

E sem susto encarei, vendo-os de fronte,

Fantasmas que surgiam do horizonte

A acometer meu coração robusto...

 

Quem sois vós, peregrinos singulares?

Dor, Tédio, Desenganos e Pesares...

Atrás deles a Morte espreita ainda...

 

Conheço-vos. Meus guias derradeiros

Sereis vós. Silenciosos companheiros,

Bem-vindos, pois, e tu; Morte, bem-vinda!

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MORS LIBERATRIX

Na tua mão, sombrio cavaleiro,

Cavaleiro vestido de armas pretas,

Brilha uma espada feita de cometas,

Que rasga a escuridão, como um luzeiro.

 

Caminhas no teu curso aventureiro,

Todo envolto na noite que projectas...

Só o gládio de luz com fulvas betas

Emerge do sinistro nevoeiro.

 

- «Se esta espada que empunho é coruscante

(Responde o negro cavaleiro andante),

É porque esta é a espada da Verdade:

 

Firo mas salvo... Prostro e desbarato,

Mas consolo... Subverto, mas resgato...

E, sendo a Morte, sou a liberdade.»

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O QUE DIZ A MORTE

«Deixai-os vir a mim, os que lidaram;

Deixai-os vir a mim, os que padecem;

E os que cheios de mágoa e tédio encaram

As próprias obras vãs, de que escarnecem...

 

Em mim, os Sofrimentos que não saram,

Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.

As torrentes da Dor, que nunca param,

Como num mar, em mim desaparecem.» -

 

Assim a Morte diz. Verbo velado,

Silencioso intérprete sagrado

Das coisas invisíveis, muda e fria,

 

É, na sua mudez, mais retumbante

Que o clamoroso mar; mais rutilante,

Na sua noite, do que a luz do dia.

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ELOGIO DA MORTE

Morrer é ser iniciado.

Antologia Grega

I

Altas horas da noite, o Inconsciente

Sacode-me com força, e acordo em susto.

Como se o esmagassem de repente,

Assim me pára o coração robusto.

 

Não que de larvas me povoe a mente

Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,

Ou forceje a razão por que afugente

Algum remorso, com que encara a custo...

 

Nem fantasmas nocturnos visionários,

Nem desfilar de espectros mortuários,

Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte...

 

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,

Um muro de silêncio e treva em torno,

E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,

Se interna meu dorido pensamento;

Nas regiões do vago esquecimento

Me conduz, passo a passo, a fantasia.

 

Atravesso, no escuro, a névoa fria

Dum mundo estranho, que povoa o vento,

E meu queixoso e incerto sentimento

Só das visões da noite se confia.

 

Que místicos desejos me enlouquecem?

Do Nirvana os abismos aparecem,

A meus olhos, na muda imensidade!

 

Nesta viagem pelo ermo espaço

Só busco o teu encontro e o teu abraço,

Morte! irmã do Amor e da Verdade!

III

Eu não sei quem tu és - mas não procuro

(Tal é a minha confiança) devassá-lo.

Basta sentir-te ao pé de mim, no escuro,

Entre as formas da noite com que falo.

 

Através do silêncio frio e obscuro

Teus passos vou seguindo, e, sem abalo,

No cairel dos abismos do Futuro

Me inclino à tua voz, para sondá-lo.

 

Por ti me engolfo no nocturno mundo

Das visões da região inominada,

A ver se fixo o teu olhar profundo...

 

Fixá-lo, compreendê-lo, basta uma hora,

Funérea Beatriz de mão gelada...

Mas única Beatriz consoladora!

IV

Longo tempo ignorei (mas que cegueira

Me trazia este espírito enublado!)

Quem fosses tu, que andavas a meu lado,

Noite e dia, impassível companheira...

 

Muitas vezes, é certo, na canseira,

No tédio extremo dum viver magoado,

Para ti levantei o olhar turbado,

Invocando-te, amiga verdadeira...

 

Mas não te amava então nem conhecia:

Meu pensamento inerte nada lia

Sobre essa muda fronte, austera e calma.

 

Luz íntima, afinal, aluminou-me...

Filha do mesmo pai, já sei teu nome,

Morte, irmã coeterna da minha alma!

V

Que nome te darei, austera imagem,

Que avisto já num ângulo da estrada,

Quando me desmaiava a alma prostrada

Do cansaço e do tédio da viagem?

 

Em teus olhos vê a turba uma voragem,

Cobre o rosto e recua apavorada...

Mas eu confio em ti, sombra velada,

E cuido perceber tua linguagem...

 

Mais claro vejo, a cada passo, escritos,

Filha da noite, os lemas do Ideal,

Nos teus olhos profundos sempre fitos...

 

Dormirei no teu seio inalterável,

Na comunhão da paz universal,

Morte libertadora e inviolável!

VI

Só quem teme o Não-ser é que se assusta

Com teu vasto silêncio mortuário,

Noite sem fim, espaço solitário,

Noite da Morte, tenebrosa e augusta...

 

Eu não: minha alma humilde, mas robusta,

Entra crente em teu átrio funerário:

Para os mais és um vácuo cinerário,

A mim sorri-me a tua face adusta.

 

A mim seduz-me a paz santa e inefável

E o silêncio sem par do Inalterável,

Que envolve o eterno amor no eterno luto.

 

Talvez seja pecado procurar-te,

Mas não sonhar contigo e adorar-te,

Não-ser, que és o Ser único absoluto.

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MORS-AMOR

Esse negro corcel, cujas passadas

Escuto em sonhos, quando a sombra desce,

E, passando a galope, me aparece

Da noite nas fantásticas estradas,

 

Donde vem ele? Que regiões sagradas

E terríveis cruzou, que assim parece

Tenebroso e sublime, e lhe estremece

Não sei que horror nas crinas agitadas?

 

Um cavaleiro de expressão potente,

Formidável, mas plácido, no porte,

Vestido de armadura reluzente,

 

Cavalga a fera estranha sem temor:

E o corcel negro diz: «Eu sou a Morte!»

Responde o cavaleiro: «Eu sou o Amor!»

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A JOÃO DE DEUS

Se é lei, que rege o escuro pensamento,

Ser vã toda a pesquisa da verdade,

Em vez da luz achar escuridade,

Ser uma queda nova cada invento:

 

É lei também, embora cru tormento,

Buscar, sempre buscar a claridade,

E só ter como certa realidade

O que nos mostra claro o entendimento.

 

O que há-de a alma escolher, em tanto engano?

Se uma hora crê de fé, logo duvida:

Se procura, só acha... o desatino!

 

Só Deus pode acudir em tanto dano:

Esperemos a luz duma outra vida,

Seja a terra degredo, o Céu destino.

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IGNOTUS

Onde te escondes? Eis que em vão clamamos,

Suspirando e erguendo as mãos em vão!

Já a voz enrouquece e o coração

Está cansado - e já desesperamos...

 

Por Céu, por mar e terra procuramos

O Espírito que enche a solidão

E só a própria voz na imensidão

Fatigada nos volve... e não te achamos!

 

Céus e terra, clamai, aonde? aonde? -

Mas o espírito antigo só responde,

Em tom de grande tédio e de pesar:

 

- Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade,

Que eu mesmo, desde toda a eternidade,

Também me busco a mim... sem me encontrar!

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O INCONSCIENTE

O espectro familiar que anda comigo,

Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,

Que umas vezes encaro com desgosto

E outras muitas ansioso espreito e sigo,

 

É um espectro mudo, grave, antigo,

Que parece a conversas mal disposto...

Ante esse vulto, ascético e composto,

Mil vezes abro a boca... e nada digo.

 

Só uma vez ousei interrogá-lo:

- «Quem és (lhe perguntei com grande abalo),

Fantasma a quem odeio e a quem amo?»

 

- «Teus irmãos (respondeu), os vãos humanos,

Chamam-me Deus, há mais de dez mil anos...

Mas eu por mim não sei como me chamo...»

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DIVINA COMÉDIA

Erguendo os braços para o Céu distante

E apostrofando os deuses invisíveis,

Os homens clamam: - «Deuses impassíveis,

A quem serve o destino triunfante,

 

Porque é que nos criastes?! Incessante

Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,

Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,

Num turbilhão cruel e delirante...

 

Pois não era melhor na paz clemente

Do nada e do que ainda não existe,

Ter ficado a dormir eternamente?

 

Porque é que para a dor nos evocastes?»

Mas os deuses, com voz inda mais triste,

Dizem: - «Homens! porque é que nos criastes?!»

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DISPUTA EM FAMÍLIA

I

Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta

O que dizem teus filhos rebelados,

Velho Jeová de longa barba hirsuta,

Solitário em teus céus acastelados:

 

«- Cessou o império enfim da força bruta!

Não sofreremos mais, emancipados,

O tirano, de mão tenaz e astuta,

Que mil anos nos trouxe arrebanhados!

 

«Enquanto tu dormias impassível,

Topámos no caminho a liberdade,

Que nos sorriu com gesto indefinível...

 

«Já provámos os frutos da verdade...

Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível,

Não passas duma vã banalidade! -»

II

Mas o velho tirano solitário,

De coração austero e endurecido,

Que um dia, de enjoado ou distraído,

Deixou matar seu filho no Calvário,

 

Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário

Tumultuoso coro e alarido

Do povo insipiente, que, atrevido,

Erguia a voz em grita ao seu sacrário:

 

- «Vanitas vanitatum!» (disse). É certo

Que o homem vão medita mil mudanças,

Sem achar mais do que erro e desacerto.

 

«Muito antes de nascerem vossos pais

Dum barro vil, ridículas crianças,

Sabia eu tudo isso... e muito mais! -»

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PALAVRAS DUM CERTO MORTO

Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,

Posto sobre um rochedo à chuva e ao vento:

Não há como eu espectro macilento,

Nem mais disforme que eu nenhum aborto...

 

Só o espírito vive: vela absorto

Num fixo, inexorável pensamento:

«Morto, enterrado em vida!», o meu tormento

É isto só... do resto não me importo...

 

Que vivi sei-o bem... mas foi um dia,

Um dia só... - no outro, A Idolatria

Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me,

 

Como se eu fosse alguém! como se a Vida

Pudesse ser alguém! - logo em seguida

Disseram-me que era um Deus... e amortalharam-me!

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LUTA

Dorme a noite encostada nas colinas.

Como um sonho de paz e esquecimento

Desponta a Lua. Adormeceu o vento,

Adormeceram vales e campinas...

 

Mas a mim, cheia de atracções divinas,

Dá-me a noite rebate ao pensamento.

Sinto em volta de mim, tropel nevoento,

Os Destinos e as Almas peregrinas!

 

Insondável problema!... Apavorado

Recua o pensamento!... E já prostrado

E estúpido à força de fadiga,

 

Fito inconsciente as sombras visionárias,

Enquanto pelas praias solitárias

Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.

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A IDEIA

I

Pois que os deuses antigos e os antigos

Divinos sonhos por esse ar se somem,

E à luz do altar da Fé, em Templo ou Dólmen,

A apagaram os ventos inimigos;

 

Pois que o Sinai se enubla e os seus pascigos,

Secos à míngua de água, se consomem,

E os profetas doutrora todos dormem

Esquecidos, em terra sem abrigos;

 

Pois que o Céu se fechou, e já não desce

Na escada de Jacob (na de Jesus!)

Um só anjo que aceita a nossa prece;

 

É que o lírio da Fé já não renasce:

Deus tapou com a mão a sua luz

E ante os homens velou a sua face!

II

Pálido Cristo, ó condutor divino!

A custo agora a tua mão tão doce

Incerta nos conduz, como se fosse

Teu grande coração perdendo o tino...

 

A palavra sagrada do Destino

Na boca dos oráculos secou-se:

A luz da sarça-ardente dissipou-se

Ante os olhos do vago peregrino!

 

Ante os olhos dos homens - porque o Mundo

Desprendido rolou das mãos de Deus,

Como uma cruz das mãos dum moribundo!

 

Porque já não se lê seu nome escrito

Entre os astros... e os astros, como ateus,

Já não querem mais lei que o infinito!

III

Força é pois ir buscar outro caminho!

Lançar o arco de outra nova ponte

Por onde a alma passe - e um alto monte

Aonde se abra à luz o nosso ninho.

 

Se nos negam aqui o pão e o vinho,

Avante! é largo, imenso, esse horizonte...

Não, não se fecha o Mundo! e além, defronte,

E em toda a parte há luz, vida e carinho!

 

Avante! os mortos ficarão sepultos...

Mas os vivos que sigam, sacudindo

Como o pó da estrada os velhos cultos!

 

Doce e brando era o seio de Jesus...

Que importa? havemos de passar, seguindo,

Se além do seio dele houver mais luz!

IV

Conquista pois sozinho o teu futuro,

Já que os celestes guias te hão deixado,

Sobre uma terra ignota abandonado,

Homem - proscrito rei - mendigo escuro!

 

Se não tens que esperar do Céu (tão puro,

Mas tão cruel!) e o coração magoado

Sentes já de ilusões desenganado,

Das ilusões do antigo amor perjuro;

 

Ergue-te, então, na majestade estóica

Duma vontade solitária a altiva,

Num esforço supremo de alma heróica!

 

Faze um templo dos muros da cadeia

Prendendo a imensidade eterna e viva

No círculo de luz da tua Ideia!

V

Mas a Ideia quem é? quem foi que a viu,

Jamais, a essa encoberta peregrina?

Quem lhe beijou a mão divina?

Com seu olhar de amor quem se vestiu?

 

Pálida imagem, que a água de algum rio,

Reflectindo, levou... incerta e fina

Luz, que mal bruxuleia pequenina...

Nuvem que trouxe o ar e o ar sumiu...

 

Estendei, estendei-lhe os vossos braços,

Magros da febre dum sonhar profundo,

Vós todos que a seguis nesses espaços!

 

E entanto, ó alma triste, alma chorosa,

Tu não tens outra amante em todo o Mundo

Mais que essa fria virgem desdenhosa!

VI

Outra amante não há! não há na vida

Sombra a cobrir melhor nossa cabeça,

Nem bálsamo mais doce, que adormeça

Em nós a antiga, a secular ferida!

 

Quer fuja esquiva, ou se ofereça erguida,

Como quem sabe amar e amar confessa,

Quer nas nuvens se esconda ou apareça,

Será sempre ela a esposa prometida!

 

Nossos desejos para ti, ó fria,

Se erguem, bem como os braços do proscrito

Para as bandas da pátria, noite e dia.

 

Podes fugir... nossa alma, delirante,

Seguir-te-á através do infinito,

Até voltar contigo, triunfante!

VII

Oh! o noivado bárbaro! o noivado

Sublime! aonde aos céus, os céus ingentes,

Serão leito de amor, tendo pendentes

Os astros por dosel e cortinado!

 

As bodas do Desejo, embriagado

De ventura, afinal! visões ferventes

De quem nos braços vai de ideais ardentes

Por espaços sem termo arrebatado!

 

Lá, por onde se perde a fantasia

No sonho da beleza; lá, aonde

A noite tem mais luz que o nosso dia;

 

Lá, no seio da eterna claridade,

Aonde Deus à humana voz responde,

É que te havemos de abraçar, Verdade!

VIII

Lá! Mas onde é lá? aonde? - Espera,

Coração indomado! o Céu, que anseia

A alma fiel, o Céu, o céu da Ideia,

Em vão o buscas nessa imensa esfera!

 

O espaço é mudo: a imensidade austera

Debalde noite e dia se incendeia...

Em nenhum astro, em nenhum sol se alteia

A rosa ideal da eterna Primavera!

 

O Paraíso e o templo da Verdade,

Ó mundos, astros, sóis, constelações!

Nenhum de vós o tem na imensidade...

 

A Ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essência,

Só se revela aos homens e às nações

No céu incorruptível da Consciência!

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LOGOS

Tu, que eu não vejo, e estás ao pé de mim

E, o que é mais, dentro de mim - que me rodeias

Com um nimbo de afectos e de ideias,

Que são o meu princípio, meio e fim...

 

Que estranho ser és tu (se és ser) que assim

Me arrebatas contigo e me passeias

Em regiões inominadas, cheias

De encanto e de pavor... de não e sim...

 

És um reflexo apenas da minha alma,

E, em vez de te encarar como fronte calma,

Sobressalto-me ao ver-te e tremo e exoro-te...

 

Falo-te, calas... calo, e vens atento...

És um pai, um irmão, e é um tormento

Ter-te a meu lado... és um tirano, e adoro-te!

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DIÁLOGO

A cruz dizia à terra onde assentava,

Ao vale obscuro, ao monte áspero e mudo:

- «Que és tu, abismo e jaula, aonde tudo

Vive na dor e em luta cega e brava?

 

Sempre em trabalho, condenada escrava,

Que fazes tu de grande e bom, contudo?

Resignada, és só lodo informe e rudo;

Revoltosa, és só fogo e hórrida lava...

 

Mas a mim não há alta e livre serra

Que me possa igualar!... amor, firmeza,

Sou eu só: sou a paz, tu és a guerra!

 

Sou o espírito, a luz!... tu és tristeza,

Ó lodo escuro e vil!» - Porém a terra

Respondeu: «Cruz, eu sou a Natureza!»

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HOMO

Nenhum de vós ao certo me conhece,

Astros do espaço, ramos do arvoredo,

Nenhum adivinhou o meu segredo,

Nenhum interpretou a minha prece...

 

Ninguém sabe quem sou... e mais, parece

Que há dez mil anos já, neste degredo,

Me vê passar o mar, vê-me o rochedo

E me contempla a aurora que alvorece...

 

Sou um parto da Terra monstruoso;

Do húmus primitivo e tenebroso

Geração casual, sem pai nem mãe...

 

Misto infeliz de trevas e de brilho,

Sou talvez Satanás - talvez um filho

Bastardo de Jeová - talvez ninguém!

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METEMPSICOSE

Ardentes filhas do prazer, dizei-me!

Vossos sonhos quais são, depois da orgia?

Acaso nunca a imagem fugidia

Do que foste em vós se agita e freme?

 

Noutra vida e outra esfera, aonde geme

Outro vento, e se acende um outro dia,

Que corpo tínheis? que matéria fria

Vossa alma incendiou, com fogo estreme?

 

Vós fostes, nas flores, bravas feras,

Arrastando, leoas ou panteras,

De dentadas de amor um corpo exangue...

 

Mordei pois esta carne palpitante,

Feras feitas de gaze flutuante...

Lobas! leoas! sim, bebei meu sangue!

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EVOLUÇÃO*

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,

Tronco ou ramo na incógnita floresta...

Onda, espumei, quebrando-me na aresta

Do granito, antiquíssimo inimigo...

 

Rugi, fera talvez, buscando abrigo

Na caverna que ensombra urze e giesta;

Ou, monstro primitivo, ergui a testa

No limoso paul, glauco pascigo...

 

Hoje sou homem - e na sombra enorme

Vejo, a meus pés, a escada multiforme,

Que desce, em espirais, na imensidade...

 

Interrogo o infinito e às vezes choro...

Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro

E aspiro unicamente à liberdade.

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ESPIRITUALISMO

I

Como um vento de morte e de ruína,

A dúvida soprou sobre o Universo.

Fez-se noite de súbito, imerso

O Mundo em densa e álgida neblina. 

 

Nem astro já reluz, nem ave trina,

Nem flor sorri no seu aéreo berço.

Um veneno subtil, vago, disperso,

Empeçonhou a criação divina.

 

E, no meio da noite monstruosa,

Do silêncio glacial, que paira e estende

O seu sudário, donde a morte pende,

 

Só uma flor humilde, misteriosa,

Como um vago protesto da existência,

Desabrocha no fundo da Consciência.

II

Dorme entre os gelos, flor imaculada!

Luta, pedindo um último clarão

Aos sóis que ruem pela imensidão,

Arrastando uma auréola apagada...

 

Em vão! Do abismo a boca escancarada

Chama por ti na gélida amplidão...

Sobe do poço eterno, em turbilhão,

A treva primitiva conglobada...

 

Tu morrerás também. Um ai supremo,

Na noite universal que envolve o Mundo,

Há-de ecoar, e teu perfume extremo

 

No vácuo eterno se esvairá disperso,

Como o alento final dum moribundo,

Como o último suspiro do Universo.

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OCEANO NOX

Junto do mar, que erguia gravemente

A trágica voz rouca, enquanto o vento

Passava como o voo dum pensamento

Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

 

Junto do mar sentei-me tristemente,

Olhando o Céu pesado e nevoento,

E interroguei, cismando, esse lamento

Que saía das coisas, vagamente...

 

Que inquieto desejo vos tortura,

Seres elementares, força obscura?

Em volta de que ideia gravitais? -

 

Mas na imensa extensão, onde se esconde

O inconsciente imortal, só me responde

Um bramido, um queixume, e nada mais...

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CONTEMPLAÇÃO

Sonho de olhos abertos, caminhando

Não entre as formas já e as aparências,

Mas vendo a face imóvel das essências,

Entre ideias e espíritos pairando...

 

Que é o Mundo ante mim? fumo ondeando,

Visões sem ser, fragmentos de existências...

Uma névoa de enganos e impotências

Sobre vácuo insondável rastejando...

 

E dentre a névoa e a sombra universais

Só me chega um murmúrio, feito de ais...

É a queixa, o profundíssimo gemido

 

Das coisas, que procuram cegamente

Na sua noite e dolorosamente

Outra luz, outro fim só pressentindo...

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REDENÇÃO

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!

Quando às vezes, num sonho doloroso,

Me embala o vosso canto poderoso,

Eu julgo igual ao meu vosso tormento...

 

 

Verbo crepuscular e íntimo alento

Das coisas mudas; salmo misterioso;

Não serás tu, queixume vaporoso,

O suspiro do Mundo e o seu lamento?

 

Um espírito habita a imensidade:

Uma ânsia cruel de liberdade

Agita e abala as formas fugitivas.

 

E eu compreendo a vossa língua estranha,

Vozes do mar, da selva, da montanha...

Almas irmãs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,

Coro antigo de vozes rumorosas,

Das vozes primitivas, dolorosas

Como um pranto de larvas tumulares...

 

Da sombra das visões crepusculares

Rompendo, um dia, surgireis radiosas

Desse sonho e essas ânsias afrontosas,

Que exprimem vossas queixas singulares...

 

Almas no limbo ainda da existência,

Acordareis um dia na Consciência,

E pairando, já puro pensamento,

 

Vereis as Formas, filhas da Ilusão,

Cair desfeitas, como um sonho vão...

E acabará por fim vosso tormento.

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VOZ INTERIOR

Embebido num sonho doloroso,

Que atravessam fantásticos clarões,

Tropeçando num povo de visões,

Se agita meu pensar tumultuoso...

 

Com um bramir de mar tempestuoso

Que até aos céus arroja os seus cachões,

Através duma luz de exalações,

Rodeia-me o universo monstruoso...

 

Um ai sem termo, um trágico gemido,

Ecoa sem cessar ao meu ouvido,

Com horrível, monótono vaivém...

 

Só no meu coração, que sondo e meço,

Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,

Em segredo protesta e afirma o Bem!

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AD AMICOS

Em vão lutamos. Como névoa baça

A incerteza das coisas nos envolve.

Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,

Nas suas próprias redes se embaraça.

 

O pensamento, que mil planos traça,

É vapor que se esvai e se dissolve;

E a vontade ambiciosa, que resolve,

Como onda entre rochedos se espedaça.

 

Filhos do Amor, nossa alma é como um hino

À luz, à liberdade, ao bem fecundo,

Prece e clamor dum pressentir divino;

 

Mas num deserto só, árido e fundo,

Ecoam nossas vozes, que o Destino

Paira mudo e impassível sobre o Mundo.

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A FLÓRIDO TELES

Se comparo poder ou ouro ou fama,

Venturas que em si têm oculto o dano,

Com aquele outro afecto soberano,

Que amor se diz e é luz de pura chama,

 

Vejo que são bem como arteira dama,

Que sob honesto riso esconde o engano,

E o que as segue, como homem leviano

Que por um vão prazer deixa quem o ama.

 

Nasce do orgulho aquele estéril gozo

E a glória dele é coisa fraudulenta,

Como quem na vaidade tem a palma:

 

Tem na paixão seu brilho mais formoso

E das paixões também some-o a tormenta...

Mas a glória do amor... essa vem d' alma!

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A ALBERTO SAMPAIO

Não me fales de glória; é outro o altar

Onde queimo piedoso o meu incenso,

E animado de fogo mais intenso,

De fé mais viva, vou sacrificar.

 

A glória! pois que há nela que adorar?

Fumo, que sobre o abismo anda suspenso...

Que vislumbre nos dá do amor imenso?

Esse amor que ventura faz gozar? 

 

Há outro mais perfeito, único eterno,

Farol entre ondas tormentosas firme,

De imoto brilho, poderoso e terno...

 

Só esse hei-de buscar, e confundir-me

Na essência do amor puro, sempiterno...

Quero só nesse fogo consumir-me!

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COM OS MORTOS

Os que amei, onde estão? idos, dispersos,

Arrastados no giro dos tufões,

Levados, como em sonho, entre visões,

Na fuga, no ruir dos universos...

 

E eu mesmo, com os pés imersos

Na corrente e à mercê dos turbilhões,

Só vejo espuma lívida, em cachões,

E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...

 

Mas se paro um momento, se consigo

Fechar os olhos, sinto-os a meu lado

De novo, esses que amei: vivem comigo,

 

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,

Juntos no antigo amor, no amor sagrado,

Na comunhão ideal do eterno Bem.

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SOLEMNIA VERBA

Disse ao meu coração: Olha por quantos

Caminhos vãos andámos! Considera

Agora, desta altura fria e austera,

Os ermos que regaram nossos prantos...

 

Pó e cinzas, onde houver flor e encantos!

E noite, onde foi luz de Primavera!

Olha a teus pés o Mundo e desespera,

Semeador de sombras e quebrantos!

 

Porém o coração, feito valente

Na escola da tortura repetida,

E no uso do penar tornado crente,

 

Respondeu: Desta altura vejo o Amor!

Viver não foi em vão, se é isto a vida,

Nem foi de mais o desengano e a dor.

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Linhas de Leitura

IDEAL

  1. Ao longo das duas quadras, o sujeito poético define aquela que ele adora, utilizando uma construção negativa («não é feita de... nem de...; não tem...; Não é... Nem a...»), retirando-lhe, por isso, a materialidade (componente física) dos elementos afectados pela negação: lírios, rosas purpurinas, antiga Vénus de cintura estreita (com as suas formas lânguidas, divinas), Circe (a feiticeira que encantou Ulisses e os seus marinheiros, e que funciona, frequentemente, como metonímia da sedução feminina), Amazona

  2. Porque aquela não é nada disto, o sujeito poético interroga-se e não atina (v. 9) com o nome a atribuir-lhe, reconhecendo, no entanto, que se trata de uma visão (v. 10). Mas uma visão que ora lhe amostra, ora lhe esconde o seu destino (v. 11), isto é, uma visão que não lhe confere qualquer segurança, já que se comporta de forma tão contraditória;

  3. Talvez por isso, e como consequência do afirmado nos vv. 9 e 10, não pode defini-la através duma metáfora (por ex.: é uma miragem), mas tão só duma comparação: «É como uma miragem que entrevejo» (todos sabemos como as miragens são imagens meramente virtuais, elaboradas pelo nosso próprio cérebro por força de qualquer obsessão, ansiedade ou até mesmo desespero);

  4. Apesar disso, através do recurso ao aposto sintáctico, acaba por reconhecer que se trata apenas de um Ideal, que nasceu na solidão, estado este que justifica o afirmado em 3;

  5. Assim, na mesma linha de pensamento e de construção, acabará por definir o que apenas é Nuvem (a nuvem, porque é um fluido escapa-se-nos com extrema facilidade; e o facto é que as nuvens ora aparecem, ora desaparecem) ou um «sonho impalpável do Desejo»;

  6. Embora fruto do desejo (ver ponto 3), nunca este Ideal deixará de ser do domínio do onírico e, por isso, intangível;

  7. Convém notar que o lírio branco, sinónimo de pureza e inocência, no cristianismo, é símbolo do amor puro e virginal;

  8. Algumas figuras de estilo: adjectivação (purpurinas, lânguidas, divinas, antiga, estreita, suspeita, mortais, satisfeita, impalpável); enumeração (vv.  2, 4/5, 7); metonímia (v. 5);metáfora (vv. 6, 10, 14); antítese (v. 11); comparação (v. 12);

  9.  Obs.

    • Repare-se como este ideal de mulher escapa a uma certa vertente sensual visível, por exemplo, nas Folhas Caídas, de Almeida Garrett, apontando para um modelo de tipo platónico;
    • Embora se estude Antero de Quental no âmbito do Realismo, este Ideal bem podia ter sido escrito por um maneirista ou por um neoclássico.

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Beatrice

  1. O presente poema apresenta uma estrutura interna tripartida:

    • Uma tomada de consciência de determinados fenómenos ou acontecimentos relativos ao passado e que podemos  verificar ao longo das duas quadras:

                - desmaio, aos poucos, da nuvem d' ouro ideal;
                - descida de cada estrela, baixando no céu da vida;
                - sentir-se ficar laborando nas trevas;
                - achar só o vácuo ao apertar os braços sobre o peito;
                - sentir a luz sumida sem ver já onde olhar;
                - ver perdida a flor do seu jardim, a flor que andou regando;

    • Uma tomada de atitude a partir de determinado momento (é eloquente a construção anafórica com a locução temporal depois que (vv. 1, 2, 5)), decorrente da anterior tomada de consciência e que se verifica no 1.º terceto;

      • Obs.: a atitude do sujeito poético manifesta-se através do uso do pretérito perfeito do indicativo (retirei (v. 9), virei-me (v. 10)), que marca o momento da viragem (depois que), e do presente do indicativo, denunciador do que ainda acontece no presente (ergo (v. 10), contém (v. 11));

    • Finalmente, uma súplica dirigida a um tu, no 2.º terceto, comportamento julgado adequado depois do que fora evidenciado anteriormente;

      • Obs.: note-se, a propósito, uma certa teatralização, bem ao jeito do que acontece com Garrett em Folhas Caídas, traduzida no uso da apóstrofe, do imperativo (vem, vem, e a forma atenuada não temas), e de interrogação e exclamações retóricas;

  2. As expressões dia a dia e aos poucos são reveladoras de um processo contínuo, provavelmente arrastado, e, por isso, inibidor de qualquer esperança do sujeito poético; este processo é reforçado pelo uso de construções verbais perifrásticas como foi desmaiando (vv. 1/2) e fiquei laborando (v. 4): o uso do gerúndio é determinante, tal como acontece, aliás no v. 5 (no caso do v. 8, a construção perifrástica remete-nos para um tempo anterior);

  3. Parece evidente que, nas duas quadras, o que é motivo de descrença, ou desesperança, está conotado com alguém que pertence ao céu da vida e é traduzido por elementos metafóricos: nuvem d' ouro ideal (v. 2), cada estrela (v. 4), a flor do meu jardim (v. 8);

  4. De acordo com o v. 10, a este céu da vida, opôr-se-á um outro céu, no qual não existem abrolhos (metáfora do sofrimento ou desilusão anterior) e onde habitará uma estrela ideal que contém a luz d' amor;

  5. Este céu é puro e digno da presença do tu, a mulher ideal, ao qual o sujeito poético se dirige, no final, em apóstrofe;

  6. Se tudo se passasse exclusivamente no céu da vida, dar-se-ia razão ao provérbio que diz que a «mordedura de cão cura-se com o pêlo do mesmo cão»; não é todavia o caso, já que, no 1.º terceto, se assiste a uma evolução de tipo qualitativo;

  7. Estamos, pois, uma vez mais, tal como acontece no soneto IDEAL, diante de um modelo de mulher que corresponde ao estereótipo platónico;

  8. Algumas figuras de estilo: metáfora (vv. 1/4, 6, 8/13); adjectivação (ideal, erguida, sumida, perdida, puro, calma, silenciosa, doce); antítese (vv. 2/3); apóstrofe (vv. 12 e 14); dupla adjectivação (vv. 12/13); enumeração (vv.  12/13); interrogação e exclamações retóricas (vv. 12 e 14).

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A Um Poeta

  1. Não será despropositado fazer uma leitura que aponte para uma estrutura interna bipartida:

    • Um primeiro momento em que, através duma apóstrofe, o sujeito poético se dirige a um tu, caracterizado como um espírito sereno que dorme à sombra dos cedros seculares, longe da luta e do fragor terreno, tal como o faz um levita (sacerdote) à sombra dos altares;

    • Perante a passividade deste tu, caracterizado na primeira quadra, o sujeito poético passa a exortá-lo duma forma veemente, utilizando, para tal, uma gradação crescente, visível no uso dos verbos no imperativo: acorda, escuta, ergue-te, faze (espada de combate);

      • Deste modo, poderemos tripartir esta segunda parte, seguindo a lógica da gradação crescente:

        1. Acorda, porque é chegado o momento ("o sol..."); acorda, porque um mundo novo apenas está à espera de um sinal para despertar da letargia em que se encontra (2ª quadra);
        2. Escuta! Quem? O quê? As canções de guerra que são vozes de rebate. Mas vozes de quem? Das multidões, dos irmãos que se erguem em armas, que se rebelam (1º terceto);Ergue-te, pois, poeta, se queres ser um soldado do futuro ao lado das multidões, ao lado de teus irmãos;
        3. Ergue-te, sonhador (poeta), e transforma a tua poesia em arma de combate (2º terceto);
  2. A intenção do presente soneto já nos é sugerida pela epígrafe que o antecede: Surge et ambula! (ergue-te e caminha), palavras de S. Pedro dirigidas a um paralítico, em nome de Jesus Cristo (Actos dos Apóstolos, 3, 6);

  3. Deste modo, e de acordo com a afirmação contida no posfácio às Odes Modernas ("a Poesia moderna é a voz da Revolução"), Antero de Quental exorta os poetas à escrita de uma poesia revolucionária, comprometida, rejeitando, assim, o velho e anquilosado conceito da poesia como "arte pela arte". Faz-nos até lembrar o que Luís António Verney já havia dito, no passado, no Verdadeiro Método de Estudar;

  4. Algumas figuras de estilo: apóstrofe (todo o poema, mas, de forma explícita, nos vv. 1 (Tu), 5, 9, 12 e 14 (uso dos verbos no modo imperativo); comparação (vv. 2/4); imagem (vv. 2 5/6, 13/14);  metáfora (vv. 7, 10, 12, 13, 14); adjectivação (sereno, seculares, terreno, alto, pleno, tumulares, novo, grande, puro); antítese (vv. 5/6);  dupla adjectivação (v. 5); exclamações retóricas (vv. 5, 9, 10, 11 e 14); gradação crescente (vv. 5, 9, 12 e 14).

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Hino à Razão

  1. O presente poema apresenta uma estrutura interna bipartida:

    • Na primeira quadra, o sujeito poético, utilizando a apóstrofe, dirige-se à Razão, à qual chama irmã do Amor e da Justiça, sugerindo que estes dois grandes valores/sentimentos não serão possíveis onde faltar aquela;

      • Ficamos a saber, através do segundo verso, que não é a primeira vez que o poeta implora a atenção da Razão;

      • A Razão deverá escutar a sua prece, o seu pedido, porque é a voz dum coração que a anseia e duma alma que, sendo livre, apenas é submissa à mesma Razão (no fundo, a Razão será a única luz que orienta o seu coração e a sua própria alma);

  • Na segunda quadra e nos dois tercetos, de uma forma reiterada que resulta da construção anafórica (Por ti), o sujeito poético passa a explicitar os motivos por que, uma vez mais, se dirige, em prece, à Razão:

    • Só através da Razão se pode entender a existência e funcionamento do universo (vv. 5/6);

      Obs.: Segundo Hegel, filósofo alemão, de quem Antero recebe particular influência, todo o conhecimento é conhecimento humano, e este não é concebido sem o uso da Razão;

    • Só com o uso da Razão poderá imperar a virtude e desenvolver-se o heroísmo (vv. 7/8);

    • É em nome da Razão que as nações (os povos) oprimidas, ainda que à custa de muita luta («na arena trágica» (campo de batalha)), conquistam a sua liberdade, vencendo a tirania e a opressão (vv. 9/10);

    • É ainda em nome da Razão que aqueles que se sentem impotentes no presente, apesar de tudo, podem sofrer, mas não se deixam abater, não permitindo, deste modo, que se desvaneça a sua esperança em relação ao futuro (vv. 12/13);

    • Termina com com uma eloquente e enaltecedora apóstrofe: «Mãe [a Razão] de filhos robustos» (v. 13);

    • Mas quem são estes «filhos robustos»? Os que combatem em nome da Razão (vv. 13/14);

  1. Algumas figuras de estilo: apóstrofe (todo o soneto, mas, de forma explícita, nos vv. 1 e 13); personificação (vv. 1/2 e 13); metáfora (vv. 1/2, 5/6, 8/10, 14); imagem (vv. 5/6, 9/10); anáfora (vv. 5, 7, 9, 12); adjectivação (livre, submissa, movediça, trágica, mudos, robustos); antítese (vv. 4, 12); enumeração (v.  6).

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O Palácio da Ventura

  1. É inegável que este soneto, no qual podemos assistir a uma espécie de balanço introspectivo da sua vida, é já o reflexo do desalento que Antero manifestará em muitos outros poemas;

  2. Apesar das adversidades anunciadas, de forma eloquentemente metafórica, no segundo verso, este paladino do amor (universal), procura, ansiosamente, o palácio da Ventura (vv.3/4), isto é, tudo o que possa simbolizar o seu sossego, a sua tranquilidade, no fundo, a felicidade a que todo o ser humano aspira por direito de nascença;

  3. Todavia, antevê-se já a frustração final deste cavaleiro. É que se trata de um cavaleiro que se não afirma como sendo, mas como sonhando que é (v. 1), e, como se não bastasse, o quarto verso aponta para um objecto de busca que só ganha forma no mundo a que pertence, o mundo feérico e onírico, o mundo da fantasia. ;

  4. O desafio parece inumano, por isso não é de estranhar a tibieza manifestada nos dois primeiros versos da segunda quadra:

«Mas já desmaio, exausto e vacilante,

Quebrada a espada já, rota a armadura...»

É apenas um momento mais de desalento, como tantos da sua vida;

  • Note-se as metáforas do 2.º verso desta quadra: a espada (quebrada, não servindo para nada) e a armadura (rota, não podendo, por isso, protegê-lo do que quer que seja);

  • Recorde-se que, no soneto A um Poeta, a espada de combate do sonhador soldado do futuro (o poeta) será construída com os raios de luz do sonho puro, isto é, a sua poesia, mas uma poesia comprometida, por conseguinte uma poesia de combate;

  1. Entretanto, parece avistar, lá longe, o objecto da sua busca, uma espécie de luzinha no fundo do túnel, fazendo renascer a esperança:

« E eis que súbito o avisto, fulgurante

Na sua pompa e aérea formosura!»

  1. Mas, tal como acontece aos beduínos do deserto (elemento apontado já na primeira quadra), constata-se que tudo não vai passar duma mera miragem, fruto do seu ardente desejo, fruto duma ânsia desmedida: 

«Com grandes golpes bato à porta e brado:

Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...

Abri-vos, portas d' ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d' ouro, com fragor...»

  1. E enquanto as portas se abrem, parecerá infindável esse momento de enorme expectativa: é fácil adivinhar a ansiedade do cavaleiro que quer ver banidos para sempre os seus desesperos, os seus sofrimentos, as suas angústias: 

«Mas dentro encontro só, cheio de dor,

Silêncio e escuridão - e nada mais!»;

  1. Face ao exposto, não será muito difícil chegar à seguinte proposta quanto à sua estrutura interna:

  • Um momento de entusiasmo inicial (vv. 1/4);

  • Um momento de desalento (vv. 5/6);

  • Um momento de renascimento da esperança (vv. 7/11);

  • Um momento de expectativa (provavelmente breve do ponto de vista cronológico, mas imenso do ponto de vista psicológico (v. 12))

  • Finalmente, o momento da desilusão final (vv. 13/14);

  1. Algumas figuras de estilo: metáfora (vv. 2, 4/6, 8/12); imagem (vv. 1/2, 4, 6, 7/8, 11/12) adjectivação (andante, escura, anelante, encantado, exausto, vacilante, quebrada, rota, fulgurante, aérea, grandes); antítese (vv. 1/4 vs 5/6, 10/11, 12/14); apóstrofe (v. 11); dupla adjectivação (v. 5); enumeração (vv.  2, 7, 10, 14); exclamações retóricas (vv. 4, 8, 11 e 14 (o uso frequente das reticências é igualmente sugestivo)); animismo (v. 12).

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Nox

  1. Num momento de desalento (vv. 2/4), o sujeito poético, apostrofando a noite, dirige-lhe os seus pensamentos;

  2. Na segunda quadra, justifica a sua apóstrofe: a noite abafa os lamentos, /Que se exalam da trágica enxovia; nela descansa e esquece alguns momentos o eterno mal, que ruge e desvaria;

  3. Nos dois tercetos, o poeta manifesta o seu desejo, o seu anseio:

    • Que a própria noite adormecesse de vez, de forma eterna e inalterável (Noite sem termo, noite do Não-ser (v. 14)), de tal modo que o mundo, sem mais lutar nem ver, dormisse, serena e tranquilamente, no seu seio;

      • Nos tercetos, a repetição de Mundo (vv.11/12) e de noite (vv. 9 (tu como sua evocação), 14), de um modo reiterativo, parece querer apontar claramente para elementos profundamente antagónicos: de um lado, o causador de todos os tormentos; do outro, o único capaz de conferir algum descanso, alguma tranquilidade;

      • Parece ser uma manifesta influência do Nirvana, o céu budista, como refere Oliveira Martins no seu  Prefácio aos Sonetos, uma vez que esta é uma Noite sem termo, a noite do Não-ser;

      • Sendo assim, a sua angústia existencial condu-lo ao desejo da morte como libertação (obs.: lembro que já Bocage chamava à noite a antecâmara da morte);

  1. Algumas figuras de estilo: apóstrofe (vv. 1, 14); adjectivação (cruel, estéril, inúteis, ásperos, trágica, eterno, eterna, inalterável, inviolável); metáfora (vv. 5/8, 9, 11, 13); imagem (vv. 9/10); personificação (vv. 1, 5, 9, 11, 13); reiteração (v. 14); aliteração (sobretudo do som [t], marcando palavras tão afectas ao tema, como noite, ti, pensamentos, tanto, estéril, lutar, tanta, inúteis, tantos, tormentos, tu, lamentos, trágica, eterno, ti, momentos, antes, tu, também, eterna, inalterável, te, lutar, teu, noite, termo, noite (note-se que, em alguns casos, esta oclusiva ocorre em palavras com ressonância nasal, podendo funcionar como uma espécie de eco do sofrimento em que vive o sujeito poético).

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Evolução

  1. O presente poema apresenta uma estrutura interna bipartida:

    • A primeira parte, constituída pelas duas quadras, remete-nos para uma temporalidade do passado, e na qual o sujeito poético nos informa acerca da evolução por que passou;

      • Esta evolução processa-se de forma gradativa:

        - Rocha (ser não vivo);

        - Tronco ou ramo (ser vivo, não animado (por sinédoque));

        - Onda (apesar de ser não vivo (água), em termos metafóricos, é particularmente importante pela força dinâmica que resulta do efeito das marés, embora se quebre no antiquíssimo inimigo, que é o granito que já fora (rocha, v. 1));

        - Fera ou monstro primitivo (ser vivo, animado, embora irracional)

  • A segunda, constituída pelos tercetos, corresponde ao momento em que o poeta nos dá conta da sua condição no presente, a sua condição humana («Hoje sou homem»: ser vivo, animado, racional);

  1. Segundo Hegel, filósofo alemão, de quem Antero recebe particular influência, todo o conhecimento é conhecimento humano, o que contraria o conceito da verdade inatingível de Kant;

  2. Ao tomar consciência da sua condição humana e do (des)conhecimento que daí resulta, o sujeito poético parece sentir-se perdido na sombra enorme. E, nesta sombra, o que vê a seus pés? Não uma luz que lhe indique o caminho, mas apenas uma escada, de múltiplas formas (o que facilita ainda mais a perdição), que desce, em espirais, na imensidade... Esta realidade requererá, talvez, algumas observações: 

  • O sentido da escada não é ascendente (conotação positiva), mas, pelo contrário, descendente (conotação negativa);

  • A forma múltipla da escada poderá sugerir, na sua diversidade, uma encruzilhada, na qual se encontra alguém que não sabe que caminho há-de tomar;

  • Apesar do movimento ser circular, não existe retorno possível, já que o mesmo se desenvolve em espiral, impedindo, por isso, que se volte ao ponto de partida;

  • Agrava-se ainda tudo isto pelo facto do movimento descendente se desenvolver na imensidade, o que parece sugerir um infinito;

  • Por isso, interroga o próprio infinito (só o ser racional pode usufruir da faculdade de interrogar) e às vezes chora (v. 12). E chorará porquê? Provavelmente, porque não obtém a resposta de que necessita;

  • Perante tal situação (tamanha angústia?), apesar de se sentir no vazio, num espaço e num tempo sem resposta, parece querer soltar um grito de liberdade, e esta só poderá ser facultada pelo uso da razão: "Hoje sou homem"

  1. Algumas figuras de estilo: enumeração (vv. 1/3, 5, 7); personificação (v. 4) adjectivação (antigo, incógnita, antiquíssimo, primitivo, limoso, glauco, enorme, multiforme); metáfora (vv. 3, 9/11); imagem (vv. 10/11); apóstrofe (v. 12); gradação crescente (vv. 1/3, 5, 7, 9).

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