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Entende-se aqui por Simbolismo,
não o conjunto de manifestações
espiritualistas do último quartel do séc. XIX
e o primeiro quartel do séc. XX (como têm
entendido alguns), mas, num sentido mais
especificamente histórico-literário, uma
escola ou corrente poética (incluindo a poesia
em prosa e a poesia teatral), que se afirma
sobretudo entre 1890 e 1915 e que se define
por um conjunto de aspetos, aliás variáveis de
autor para autor, que dizem respeito às
atitudes perante a vida, à conceção da arte
literária, aos motivos e ao estilo. Sem dúvida
esta corrente literária insere-se na atmosfera
mental, antipositivista, de fins do séc. XIX;
mas certos carateres de técnica literária, de
forma, são inerentes ao conceito de Simbolismo
aqui adotado. Entretanto, há ainda um conceito
mais restrito: o daqueles que, tomando como
pontos de referência paradigmáticos Mallarmé e
Claudel, definem o Simbolismo pela busca
obstinada duma verdade metafísica, demanda
cujo instrumento de descoberta seria o
símbolo. Com efeito, se teimássemos em definir
o Simbolismo tão-só pela visão do Universo
como teia de analogias, floresta de
misteriosas «correspondências» (na aceção
baudelairiana) que o poeta se propõe
desvendar, então não teria havido Simbolismo
autêntico em Portugal: os poetas portugueses
dessa época ter-se-iam limitado a copiar
grosseiramente gestos cujo sentido profundo
não alcançavam. Mas os próprios autores
considerados representantes do Simbolismo
francês, de que o nosso deriva (Baudelaire,
Rimbaud, Verlaine, Mallarmé, Laforgue,
Régnier, A. Samain, Valéry, etc.), seguiram
caminhos divergentes, a ponto de Johansen
afirmar que discordavam uns dos outros em
quase tudo exceto quanto à existência dum
ideal em poesia e na aguda consciência do
estilo.
Tendo
em conta os aspetos inovadores que dão à poesia
portuguesa, no período atrás indicado, certa
fisionomia comum, serão simbolistas os poetas
que participam de todas, ou quase todas, as
seguintes características: revivescência do
gosto romântico do vago, do nebuloso, do
impalpável; amor da paisagem esfumada e
melancólica, outoniça ou crepuscular; visão
pessimista da existência, cuja efemeridade é
dolorosamente sentida; temática do tédio e da
desilusão; distanciamento do Real, egotismo
aristocrático, e subtil análise de cambiantes
sensoriais e afetivos; repúdio do lirismo de
confissão direta, ao modo romântico, expansivo e
oratório, e preferência pela sugestão indecisa
de estados de alma abstraídos do contexto
biográfico, impersonalizados; mercê de fina e
vigilante inteligência estética (sob dado
ângulo, os simbolistas são os herdeiros do Parnasianismo
pelo exigente culto da Beleza e pelo papel
atribuído à vontade na realização do poema),
combinação muito hábil de «inspiração» (abandono
aos acenos do inconsciente, às associações
espontâneas) e «lucidez» (comando e
aproveitamento desses elementos irracionais),
com resultados inteiramente novos em poesia;
larga utilização, não só do símbolo tipicamente
simbolista, polivalente e intraduzível, mas da
alegoria, da imagem a que deliberada e
claramente se confere um valor simbólico, da
comparação expressa ou implícita, da sinestesia
(sobreposição de sensações, como «som branco»,
etc.), da imagem simplesmente decorativa;
linguagem concreta ou mesmo impressionista, na
medida em que o estado de alma se comunica
através de imagens fragmentárias da Natureza
exterior, ou impregna de elementos anímicos a
paisagem que descreve (ocorre falar aqui de
panteísmo, de pampsiquismo); caráter fugaz,
dinâmico, da imagem, pronta a dissolver-se na
tonalidade afetiva e no fluir musical do poema;
musicalidade que não se reduz ao jogo de
sonoridades do verso, antes, como observa Marcel
Raymond, se prolonga em ressonância interior até
para além da leitura do texto; libertação de
ritmos; vocabulário rico de palavras
complexamente evocativas, ou graças à própria
expressividade fonética, ou mediante um jogo
subtil de incidências dumas palavras sobre as
outras (lição de Mallarmé: «rendre un sens plus
pur aux mots de la tribu»). Outros carateres da
poesia entre 1890 e 1915 serão acidentais, ou
acessórios, ou de cunho mais precisamente «decadentista»;
assim o gosto dos cenários exóticos, luxuosos,
que vem dos
parnasianos, o amor das fulgurações barrocas
e dos malabarismos rítmicos - típicos sobretudo
de E. de Castro e discípulos menores.
Admitido
este conceito de Simbolismo, não será difícil
averiguar os sinais precursores do movimento em
Portugal. Por um lado, o Simbolismo radica num
espiritualismo, numa ânsia de absoluto, cujo
reverso é o ódio a este mundo vulgar e tangível,
o tédio, a desistência, um pessimismo haurido
nomeadamente em Schopenhauer - e tudo isto se
descobre nos sonetos de
Antero de Quental, ora confiado num
otimismo metafísico, ora niilista, taciturno,
suspeitoso de que, para além das formas
transitórias, há apenas um «vácuo tenebroso», o
abismo do Não-Ser. [...]
Coelho, Jacinto do
Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3.ª edição,
4.º volume, Porto, Figueirinhas, 1979
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