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Fernando
Pessoa
[Biografia]
* [Textos
Teóricos sobre a Mensagem]
Nota:
a presente versão é a da 3ª edição
(1945), tendo-se
respeitado a ortografia adoptada pelo
Poeta.
BENEDICTUS
DOMINUS DEUS
NOSTER
QUI DEDIT NOBIS
SIGNUM
PRIMEIRA
PARTE
BRASÃO
I. - OS
CAMPOS
PRIMEIRO
O DOS CASTELLOS
A Europa jaz, posta nos
cotovellos:
De oriente a Occidente jaz,
fitando,
E toldam-lhe romanticos
cabellos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em angulo disposto.
Aquelle diz Italia onde é
pousado;
Este diz Inglaterra onde,
afastado,
A mão sustenta, em que se
appoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e
fatal,
O Occidente, futuro do
passado.
O rosto que fita é Portugal.
8-12-1928
topo
SEGUNDO
O DAS QUINAS
Os
Deuses vendem quanto dão.
Compra-se
a gloria com desgraça.
Ai dos
felizes, porque são
Só o
que passa!
Baste a
quem baste o que lhe basta
O
bastante de lhe bastar!
A vida
é breve, a alma é vasta:
Ter é
tardar.
Foi com
desgraça e com vileza
Que
Deus ao Christo definiu:
Assim o
oppoz à Natureza
E Filho
o ungiu.
8-12-1928
topo
II. - OS
CASTELLOS
PRIMEIRO
ULYSSES
O mytho
é o nada que é tudo.
O mesmo
sol que abre os céus
É um
mytho brilhante e mudo –
O corpo
morto de Deus,
Vivo e
desnudo.
Este,
que aqui aportou,
Foi por
não ser existindo.
Sem
existir nos bastou.
Por não
ter vindo foi vindo
E nos
creou.
Assim a
lenda se escorre
A
entrar na realidade,
E a
fecundal-a decorre.
Em
baixo, a vida, metade
De
nada, morre.
topo
SEGUNDO
VIRIATO
Se a
alma que sente e faz conhece
Só
porque lembra o que esqueceu,
Vivemos,
raça, porque houvesse
Memoria
em nós do instincto teu.
Nação
porque reincarnaste,
Povo
porque resuscitou
Ou tu,
ou o de que eras a haste –
Assim
se Portugal formou.
Teu ser
é como aquella fria
Luz que
precede a madrugada,
E é já
o ir a haver o dia
Na
antemanhã, confuso nada.
22-1-1934
topo
TERCEIRO
O CONDE D. HENRIQUE
Todo
começo é involuntario.
Deus é
o agente.
O heroe
a si assiste, vario
E
inconsciente.
À
espada em tuas mãos achada
Teu
olhar desce.
«Que
farei eu com esta espada?»
topo
QUARTO
D. TAREJA
As
nações todas são mysterios.
Cada
uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe
de reis e avós de imperios,
Vella
por nós!
Teu
seio augusto amamentou
Com
bruta e natural certeza
O que,
imprevisto, Deus fadou.
Por
elle resa!
Dê tua
prece outro destino
A quem
fadou o instincto teu!
O homem
que foi o teu menino
Envelheceu.
Mas
todo vivo é eterno infante
Onde
estás e não há o dia.
No
antigo seio, vigilante,
De novo
o cria!
24-9-1928
topo
QUINTO
D. AFONSO HENRIQUES
Pae,
foste cavalleiro.
Hoje a
vigilia é nossa.
Dá-nos
o exemplo inteiro
E a tua
inteira força!
Dá,
contra a hora em que, errada,
Novos
infieis vençam,
A
benção como espada,
topo
SEXTO
D. DINIS
Na
noite escreve um seu Cantar de Amigo
O
plantador de naus a haver,
E ouve
um silencio murmuro comsigo:
É o
rumor dos pinhaes que, como um trigo
De
Imperio, ondulam sem se poder ver.
Arroio,
esse cantar, jovem e puro,
Busca o
oceano por achar;
E a
falla dos pinhaes, marulho obscuro,
É o som
presente d’esse mar futuro,
É a voz
da terra anciando pelo mar.
9-2-1934
topo
SEPTIMO (I)
D. JOÃO O PRIMEIRO
O homem
e a hora são um só
Quando
Deus faz e a história é feita.
O mais
é carne, cujo pó
A terra
espreita.
Mestre,
sem o saber, do Templo
Que
Portugal foi feito ser,
Que
houveste a gloria e deste o exemplo
De o
defender.
Teu
nome, eleito em sua fama,
É, na
ara da nossa alma interna,
A que
repelle, eterna chamma,
A
sombra eterna.
12-2-1934
topo
SEPTIMO (II)
D. PHILIPPA DE LENCASTRE
Que
enigma havia em teu seio
Que só
genios concebia?
Que
archanjo teus sonhos veio
Vellar,
maternos, um dia?
Volve a
nós teu rosto serio,
Princeza
do Santo Gral,
Humano
ventre do Imperio,
Madrinha
de Portugal!
26-9-1928
topo
III. - AS
QUINAS
PRIMEIRA
D. DUARTE,
REI DE
PORTUGAL
Meu
dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra
de ser Rei almou meu ser,
Em dia
e letra escrupuloso e fundo.
Firme
em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri
contra o Destino o meu dever.
Inutilmente?
Não, porque o cumpri.
26-9-1928
topo
SEGUNDA
D. FERNANDO,
INFANTE DE
PORTUGAL
Deu-me
Deus o seu gladio, porque eu faça
A sua
santa guerra.
Sagrou-me
seu em honra e em desgraça,
Às
horas em que um frio vento passa
Por
sobre a fria terra.
Poz-me
as mãos sobre os hombros e doirou-me
A
fronte com o olhar;
E esta
febre de Além, que me consome,
E este
querer grandeza são seu nome
Dentro
em mim a vibrar.
E eu
vou, e a luz do gladio erguido dá,
Em
minha face calma.
Cheio
de Deus, não temo o que virá,
Pois,
venha o que vier, nunca será
Maior
do que a minha alma.
21-7-1913
topo
TERCEIRA
D. PEDRO,
REGENTE
DE PORTUGAL
Claro
em pensar, e claro no sentir,
É claro
no querer;
Indifferente
ao que há em conseguir
Que
seja só obter;
Duplice
dono, sem me dividir,
De
dever e de ser –
Não me
podia a Sorte dar guarida
Por não
ser eu dos seus.
Assim
vivi, assim morri, a vida,
Calmo
sob mudos céus,
Fiel à
palavra dada e à idéa tida.
Tudo
mais é com Deus!
15-2-1934
topo
QUARTA
D. JOÃO,
INFANTE DE
PORTUGAL
Não fui
alguem. Minha alma estava estreita
Entre
tam grandes almas minhas pares,
Inutilmente
eleita,
Virgemmente
parada;
Porque
é do portuguez, pae de amplos mares,
Querer,
poder só isto:
O
inteiro mar, ou a orla vã desfeita –
O todo,
ou o seu nada.
28-3-1930
topo
QUINTA
D. SEBASTIÃO,
REI DE
PORTUGAL
Louco,
sim, louco, porque quiz grandeza
Qual a
Sorte a não dá.
Não
coube em mim minha certeza;
Porisso
onde o areal está
Ficou
meu ser que houve, não o que ha.
Minha
loucura, outros que me a tomem
Com o
que nella ia.
Sem a
loucura que é o homem
Mais
que a besta sadia,
Cadaver
addiado que procria?
20-2-1933
topo
IV. - A
COROA
NUNALVARES
Que
aureola te cerca?
É a
espada que, volteando,
Faz que
o ar alto perca
Seu
azul negro e brando.
Mas que
espada é que, erguida,
Faz
esse halo no céu?
É
Excalibur, a ungida,
Que o
Rei Arthur te deu.
Sperança
consummada,
S.
Portugal em ser,
Ergue a
luz da tua espada
Para a
estrada se ver!
8-12-1928
topo
V. - O
TIMBRE
A CABEÇA DO
GRYPHO
O INFANTE D. HENRIQUE
Em seu
throno entre o brilho das espheras,
Com seu
manto de noite e solidão,
Tem aos
pés o mar novo e as mortas eras –
O unico
imperador que tem, deveras,
O globo
mundo em sua mão.
26-9-1928
topo
UMA ASA DO
GRYPHO
D. JOÃO O SEGUNDO
Braços
cruzados, fita além do mar.
Parece
em promontorio uma alta serra –
O
limite da terra a dominar
O mar
que possa haver além da terra.
Seu
formidavel vulto solitario
Enche
de estar presente o mar e o céu,
E
parece temer o mundo vario
Que
elle abra os braços e lhe rasgue o
véu.
26-9-1928
topo
A OUTRA ASA
DO GRYPHO
AFFONSO DE ALBUQUERQUE
De pé,
sobre o paizes conquistados
Desce
os olhos cansados
De ver
o mundo e a injustiça e a sorte.
Não
pensa em vida ou morte,
Tam
poderoso que não quere o quanto
Póde,
que o querer tanto
Calcára
mais do que o submisso mundo
Sob o
seu passo fundo.
Trez
imperios do chão lhe a Sorte apanha.
Creou-os
como quem desdenha.
26-9-1928
topo
SEGUNDA
PARTE
MAR PORTUGUÊS
POSSESSIO
MARIS
I
O INFANTE
Deus
quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus
quiz que a terra fosse toda uma,
Que o
mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te,
e foste desvendando a espuma,
E a
orla branca foi de ilha em continente,
Clareou,
correndo, até ao fim do mundo,
E
viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir,
redonda, do azul profundo.
Quem te
sagrou creou-te portuguez.
Do mar
e nós em ti nos deu signal.
Cumpriu-se
o Mar, e o Imperio se desfez.
Senhor,
falta cumprir-se Portugal!
topo
II
HORIZONTE
Ó mar
anterior a nós, teus medos
Tinham
coral e praias e arvoredos.
Desvendadas
a noite e a cerração,
As
tormentas passadas e o mysterio,
Abria
em flor o Longe, e o Sul siderio
Splendia
sobre as naus da iniciação.
Linha
severa da longinqua costa –
Quando
a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em
arvores onde o Longe nada tinha;
Mais
perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no
desembarcar, ha aves, flores,
Onde
era só, de longe a abstracta
linha.
O sonho
é ver as fórmas invisiveis
Da
distancia imprecisa, e, com sensiveis
Movimentos
da esprança e da vontade,
Buscar
na linha fria do horizonte
A
arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
–
Os
beijos merecidos da Verdade.
topo
III
PADRÃO
O
esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu,
Diogo Cão, navegador, deixei
Este
padrão ao pé do areal moreno
E para
deante naveguei.
A alma
é divina e a obra é imperfeita.
Este
padrão signala ao vento e aos céus
Que, da
obra ousada, é minha a parte feita:
O
por-fazer é só com Deus.
E ao
immenso e possivel oceano
Ensinam
estas Quinas, que aqui vês,
Que o
mar com fim será grego ou romano:
O mar
sem fim é portuguez.
E a
Cruz ao alto diz que o que me ha na alma
E faz a
febre em mim de navegar
Sé
encontrará de Deus na eterna calma
O porto
sempre por achar.
13-9-1918
topo
IV
O MOSTRENGO
O
mostrengo que está no fim do mar
Na
noite de breu ergueu-se a voar;
À roda
da nau voou trez vezes,
Voou
trez vezes a chiar,
E
disse, «Quem é que ousou entrar
Nas
minhas cavernas que não desvendo,
Meus
tectos negros do fim do mundo?»
E o
homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei
D. João Segundo!»
«De
quem são as velas onde me roço?
De quem
as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o
mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez
vezes rodou immudo e grosso,
«Quem
vem poder o que só eu posso,
que
moro onde nunca ninguem me visse
e
escorro os medos do mar sem fundo?»
E o
homem do leme tremeu, e disse,
«El-Rei
D. João segundo!»
Trez
vezes do leme as mãos ergueu,
Trez
vezes ao leme as reprendeu,
E disse
no fim de tremer trez vezes,
«Aqui
ao leme sou mais do que eu:
Sou um
Povo que quere o mar que é teu;
E mais
que o mostrengo, que me a alma teme
E roda
nas trevas do fim do mundo,
Manda a
vontade, que me ata ao leme,
De
El-Rei D. João Segundo!»
9-9-1918
topo
V
EPITAPHIO DE BARTOLOMEU DIAS
Jaz
aqui, na pequena praia extrema,
O
Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é
o mesmo: já ninguem o tema!
Atlas,
mostra alto o mundo no seu hombro.
topo
VI
OS COLOMBOS
Outros
haverão de ter
O que
houvermos de perder.
Outros
poderão achar
O que,
no nosso encontrar,
Foi
achado, ou não achado,
Segundo
o destino dado.
Mas o
que a elles não toca
É a
Magia que evoca
O Longe
e faz d’elle historia.
E
porisso a sua gloria
É justa
aureola dada
Por uma
luz emprestada.
2-4-1934
topo
VII
OCCIDENTE
Com
duas mãos – o Acto e o Destino –
Desvendámos.
No mesmo gesto, ao céu
Uma
ergue o facho tremulo e divino
E a
outra afasta o véu.
Fosse a
hora que haver ou a que havia
A mão
que ao Occidente o véu rasgou,
Foi
alma a Sciencia e corpo a Ousadia
Da mão
que desvendou.
Fosse
Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão
que ergueu o facho que luziu,
Foi
Deus a alma e o corpo Portugal
topo
VIII
FERNÃO DE MAGALHÃES
No
valle clareia uma fogueira.
Uma
dança sacode a terra inteira.
E
sombras disformes e descompostas
Em
clarões negros do valle vão
Subitamente
pelas encostas,
Indo
perder-se na escuridão.
De quem
é a dança que a noite aterra?
São os
Titans, os filhos da Terra,
Que
dançam da morte do marinheiro
Que
quiz cingir o materno vulto –
Cingil-o,
dos homens, o primeiro –,
Na
praia ao longe por fim sepulto.
Dançam,
nem sabem que a alma ousada
Do
morto ainda commanda a armada,
Pulso
sem corpo ao leme a guiar
As naus
no resto do fim do espaço:
Que até
ausente soube cercar
A terra
inteira com seu abraço.
Violou
a Terra. Mas elles não
O
sabem, e dançam na solidão;
E
sombras disformes e descompostas,
Indo
perder-se nos horizontes,
Galgam
do valle pelas encostas
topo
IX
ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA
Os
Deuses da tormenta e os gigantes da
terra
Suspendem
de repente o odio da sua guerra
E
pasmam. Pelo valle onde se ascende aos
céus
Surge
um silencio, e vae, da nevoa ondeando os
véus,
Primeiro
um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-o,
ao durar, os medos, hombro a hombro,
E ao
longe o rastro ruge em nuvens e
clarões.
Em
baixo, onde a terra é, o pastor gela, e
a flauta
Cahe-lhe,
e em extase vê, à luz de mil trovões,
O céu
abrir o abysmo à alma do
Argonauta.
10-1-1922
topo
X
MAR PORTUGUEZ
Ó mar
salgado, quanto do teu sal
São
lagrimas de Portugal!
Por te
cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos
filhos em vão resaram!
Quantas
noivas ficaram por casar
Para
que fosses nosso, ó mar!
Valeu a
pena? Tudo vale a pena
Se a
lama não é pequena.
Quem
quere passar além do Bojador
Tem que
passar além da dor.
Deus ao
mar o perigo e o abysmo deu,
Mas
nelle é que espelhou o céu.
topo
XI
A ULTIMA NAU
Levando
a bordo El-Rei D. Sebastião,
E
erguendo, como um nome, alto o pendão
Do
Imperio,
Foi-se
a ultima nau, ao sol aziago
Erma, e
entre choros de ancia e de presago
Mysterio.
Não
voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou?
Voltará da sorte incerta
Que
teve?
Deus
guarda o corpo e a fórma do futuro,
Mas Sua
luz projecta-o, sonho escuro
E
breve.
Ah,
quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a
minha alma atlantica se exalta
E
entorna,
E em
mim, num mar que não tem tempo ou spaço,
Vejo
entre a cerração teu vulto baço
Que
torna.
Não sei
a hora, mas sei que ha a hora,
Demore-a
Deus, chame-lhe a alma embora
Mysterio.
Surges
ao sol em mim, e a nevoa finda:
A
mesma, e trazes o pendão ainda
topo
XII
PRECE
Senhor,
a noite veio e a alma é vil.
Tanta
foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos
hoje, no silencio hostil,
O mar
universal e a saüdade.
Mas a
chamma, que a vida em nós creou,
Se
ainda ha vida ainda não é finda.
O frio
morto em cinzas a occultou:
A mão
do vento pode erguel-a ainda.
Dá o
sopro, a aragem – ou desgraça ou ancia
–,
Com que
a chamma do esforço se remoça,
E outra
vez conquistemos a Distancia –
Do mar
ou outra, mas que seja nossa!
31-12-1921
1-1-1922
topo
O
ENCOBERTO
PAX IN
EXCELSIS
I. - OS
SYMBOLOS
PRIMEIRO
D.
SEBASTIÃO
Sperae!
Cahi no areal e na hora adversa
Que
Deus concede aos seus
Para o
intervallo em que esteja a alma immersa
Em
sonhos que são Deus.
Que
importa o areal e a morte e a desventura
Se com
Deus me guardei?
É O que
eu me sonhei que eterno dura,
É Esse
que regressarei.
topo
SEGUNDO
O QUINTO IMPÉRIO
Triste
de quem vive em casa,
Contente
com o seu lar,
Sem que
um sonho, no erguer de asa,
Faça
até mais rubra a brasa
Da
lareira a abandonar!
Triste
de quem é feliz!
Vive
porque a vida dura.
Nada na
alma lhe diz
Mais
que a lição da raiz –
Ter por
vida a sepultura.
Eras
sobre eras se somem
No
tempo que em eras vem.
Ser
descontente é ser homem.
Que as
forças cegas se domem
Pela
visão que a alma tem!
E
assim, passados os quatro
Tempos
do ser que sonhou,
A terra
será theatro
Do sai
claro, que no atro
Da erma
noite começou.
Grecia,
Roma, Christandade,
Europa
– os quatro se vão
Para
onde vae toda a edade.
Quem
vem viver a verdade
Que
morreu D. Sebastião?
21-2-1933
topo
TERCEIRO
O
DESEJADO
Onde
quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas,
remoto, sente-se sonhando,
E
ergue-te do fundo de não-seres
Para
teu povo fado!
Vem,
Galaaz com patria, erguer de novo,
Mas já
no auge da suprema prova,
A alma
penitente do teu povo
À
Eucharistia Nova.
Mestre
da Paz, ergue teu gladio ungido,
Excalibur
do Fim, em geito tal
Que sua
Luz ao mundo dividido
Revele
o Santo Gral!
18-1-1934
topo
QUARTO
AS ILHAS AFORTUNADAS
Que voz
vem no som das ondas
Que não
é a voz do mar?
É a voz
de alguem que nos falla,
Mas
que, se escutamos, cala,
Por ter
havido escutar.
E só
se, meio dormindo,
Sem
saber de ouvir ouvimos,
Que
ella nos diz a esperança
A que,
como uma criança
Dormente,
a dormir sorrimos.
São
ilhas afortunadas,
São
terras sem ter logar,
Onde o
Rei mora esperando.
Mas, se
vamos dispertando,
Cala a
voz, e ha só o mar.
26-3-1934
topo
QUINTO
O ENCOBERTO
Que
symbolo fecundo
Vem na
aurora anciosa?
Na Cruz
Morta do Mundo
A Vida,
que é a Rosa.
Que
symbolo divino
Traz o
dia já visto?
Na
Cruz, que é o Destino,
A Rosa,
que é o Christo.
Que
symbolo final
Mostra
o sol já disperto?
Na Cruz
morta e fatal
A Rosa
do Encoberto.
21-2-1933
11-2-1934
topo
II. - OS
AVISOS
PRIMEIRO
O
BANDARRA
Sonhava,
anonymo e disperso,
O
Imperio por Deus mesmo visto,
Confuso
como o Universo
E
plebeu como Jesus Christo
Não foi
nem santo nem heroe,
Mas
Deus sagrou com Seu signal
Este,
cujo coração foi
Não
portuguez mas Portugal.
28-3-1930
topo
SEGUNDO
ANTÓNIO
VIEIRA
O céu
strella o azul e tem grandeza.
Este,
que teve a fama e à gloria tem,
Imperador
da lingua portuguesa,
Foi-nos
um céu tambem.
No
immenso espaço seu de meditar,
Constellado
de fórma e de visão,
Surge,
prenuncio claro do luar,
El-rei
D. Sebastião.
Mas
não, não é luar: é luz do ethereo.
É um
dia; e, no céu amplo de desejo,
A
madrugada irreal do Quinto Imperio
Doira
as margens do Tejo.
31-7-1929
topo
TERCEIRO
Screvo
meu livro à beira-magua.
Meu
coração não tem que ter.
Tenho
meus olhos quntes de agua.
Só tu,
Senhor, me dás viver.
Só te
sentir e te pensar
Meus
dias vacuos enche e doura.
Mas
quando quererás voltar?
Quando
é o Rei? Quando é a Hora?
Quando
virás a ser o Christo
De a
quem morreu o falso Deus,
E a
dispertas do mal que existo
A Nova
Terra e os Novos Céus?
Quando
virás, ó Encoberto,
Sonho
das eras portuguez,
Tornar-me
mais que o sopro incerto
De um
grande anceio que Deus fez?
Ah,
quando quererás, voltando,
Fazer
minha esperança amor?
Da
nevoa e da saudade quando?
Quando,
meu Sonho e meu Senhor?
10-12-1928
topo
III. - OS
TEMPOS
PRIMEIRO
NOITE
A nau
de um d’elles tinha-se perdido
No mar
indefinido.
O
segundo pediu licença ao Rei
De, na
fé e na lei
Da
descoberta ir em procura
Do
irmão no mar sem fim e a nevoa
escura.
Tempo
foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu
do fim profundo
Do mar
ignoto à patria por quem dera
O
enigma que fizera.
Então o
terceiro a El-Rei rogou
Licença
de os buscar, e El-Rei negou.
*
Como a
um captivo, o ouvem a passar
Os
servos do solar.
E,
quando o vêem, vêem a figura
Da
febre e da amargura,
Com
fixos olhos rasos de ancia
Fitando
a prohibida azul distancia.
*
Senhor,
os dois irmãos do nosso Nome –
O Poder
e o Renome –
Ambos
se foram pelo mar da edade
À tua
eternidade;
E com
elles de nós se foi
O que
faz a alma poder ser de heroe,
Queremos
ir buscal-os, d’esta vil
Nossa
prisão servil:
É a
busca de quem somos, na distancia
De nós;
e, em febre de ancia,
A Deus
as mãos alçamos.
Mas
Deus não dá licença que partamos.
topo
SEGUNDO
TORMENTA
Que jaz
no abysmo sob o mar que se ergue?
Nós,
Portugal, o poder ser.
Que
inquietação do fundo nos soergue?
O
desejar poder querer.
Isto, e
o mysterio de que a noite é o fausto...
Mas
subito, onde o vento ruge,
O
relampago, pharol de Deus, um hausto
Brilha,
e o mar scuro struge.
26-2-1934
topo
TERCEIRO
CALMA
Que
cousa é que as ondas contam
E se
não pode encontrar
Por
mais naus que haja no mar?
O que é
que as ondas encontram
E nunca
se vê surgindo?
Este
som de o mar praiar
Onde é
que está existindo?
Ilha
proxima e remota,
Que nos
ouvidos persiste,
Para a
vista não existe.
Que
nau, que armada, que frota
Pode
encontrar o caminho
À praia
onde o mar insiste,
Se à
vista o mar é sòzinho?
Haverá
rasgões no espaço
Que
dêem para outro lado,
E que,
um d’elles encontrado,
Aqui,
onde ha só sargaço,
Surja
uma ilha velada,
O paiz
afortunado
Que
guarda o Rei desterrado
Em sua
vida encantada?
15-2-1934
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QUARTO
ANTEMANHÃ
O
mostrengo que está no fim do mar
Veio
das trevas a procurar
A
madrugada do novo dia,
Do novo
dia sem acabar;
E
disse, «Quem é que dorme a lembrar
Que
desvendou o Segundo Mundo,
Nem o
Terceiro quere desvendar?»
E o som
na treva de elle rodar
Faz mau
o somno, triste o sonhar,
Rodou e
foi-se o mostrengo servo
Que seu
senhor veio aqui buscar.
Que
veio aqui seu senhor chamar –
Chamar
Aquelle que está dormindo
E foi
outrora Senhor do Mar.
8-7-1933
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QUINTO
NEVOEIRO
Nem rei
nem lei, nem paz nem guerra,
Define
com perfil e ser
Este
fulgor baço da terra
Que é
Portugal a entristecer –
Brilho
sem luz e sem arder,
Como o
que o fogo-fatuo encerra.
Ninguem
sabe que coisa quere.
Ninguem
conhece que alma tem,
Nem o
que é mal nem o que é bem.
(Que
ancia distante perto chora?)
Tudo é
incerto e derradeiro.
Tudo é
disperso, nada é inteiro.
Ó
Portugal, hoje és nevoeiro...
É a
Hora!
10-12-1928
Valete, Fratres
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