Índice |
1. Enquanto
quis Fortuna *
2. Eu cantarei
de amor
3. Com grandes
esperanças
4. Depois que quis Amor
5. Em prisões baixas fui
6. Ilustre e digno ramo
7. No tempo que de amor
8. Amor, que o gesto humano
9. Tanto de meu estado *
10. Transforma-se o amador
11. Passo por
meus trabalhos
12. Em flor
vos arrancou
13. Num jardim
adornado
14. Todo o animal da calma
15. Busque Amor novas artes
*
16. Quem vê,
Senhora, claro
17. Quando
da bela vista
18. Doces
lembranças
19. Alma
minha gentil
20. Num bosque,
que das Ninfas
21. Os
reinos e os impérios
22. De vós me
parto, ó vida
23. Cara
minha inimiga
24. Aquela triste
e leda madrugada
25. Se
quando vos perdi
26. Em formosa
Leteia
27. Males,
que contra mim
28. Está-se
a Primavera
29. Sete
anos de pastor
30. Está o lascivo
e doce
31. Pede o
desejo, Dama
32. Porque
quereis, Senhora
33. Se tanta
pena tenho
34. Quando o Sol encoberto
*
35. Um mover
de olhos
36. Tomou-me
vossa vista
37. - Não
passes, caminhante
38. Formosos
olhos
39. O fogo
que na branda cera
40. Alegre
campos, verdes
41. Quantas vezes do fuso
42. Lindo e subtil trançado
43. O cisne, quando sente
44. Pelos raros extremos
45. Tomava Daliana
46. Grão tempo há já
47. Se somente hora alguma
48. Oh como se
me alonga
49. Já é tempo,
já, que
50. Amor,
co'a esperança
51. Apolo e
as nove Musas
52.
Lembranças saudosas
53. Apartava-se
Nise
54. Quando vejo
que meu destino
55. Depois de tantos dias
56. Náiades,
vos que os rios
57. Mudam-se
os tempos
58. Se as
penas com que amor
59. Quem jaz
no grão sepulcro *
60. Quem pode
livre ser
61. Como fizeste, ó Pórcia
*
62. De tão divino acento
*
63. Debaixo desta pedra
*
64. Que vençais no Oriente
*
65. Vossos olhos, Senhora
66. Formosura do Céu
67. Pois meus
olhos não cansam
68. Dai-me ũa
lei, Senhora
69. Ferido sem
ter cura
70. Na metade
do Céu
71. Já a roxa
e clara Aurora
72. Quando de
minhas mágoas
73. Suspiros
inflamados
74. Aquela
fera humana
75. Ditoso
seja aquele
76. Quem
fosse acompanhando
77. O culto
divinal
78. Leda
serenidade
79. Bem sei,
Amor, que é certo
80. Como quando
do mar
81.
Amor é um fogo que arde
193.
Erros meus, má Fortuna
194. Cá
nesta Babilónia *
O dia em que nasci
|
|
Nota:
os sonetos com asterisco (*) contêm Linhas de Leitura.
Enquanto
quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum
contentamento,
O gosto de um suave
pensamento
Me fez que seus
versos escrevesse.
Porém, temendo Amor
que aviso desse
Minha
escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o
engenho co tormento,
Para que seus
enganos não dissesse.
Ó vós que Amor
obriga a ser sujeitos
A diversas
vontades! Quando lerdes
Num breve
livro casos tão diversos,
Verdades puras
são, e não defeitos...
E sabei que,
segundo o amor tiverdes,
Tereis o
entendimento de meus versos!
topo
II
Eu cantarei de amor
tão docemente,
Por
uns termos em si tão concertados,
Que
dois mil acidentes namorados
Faça
sentir ao peito que não sente.
Farei
que Amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia, e pena, ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor
parte.
Porém para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho, e arte.
topo
Com grandes
esperanças já cantei,
Com
que os deuses no Olimpo conquistara;
Depois
vim a chorar porque cantara,
E
agora choro já porque chorei.
Se
cuido nas passadas que já dei,
Custa-me esta lembrança só tão cara,
Que a dor de ver as mágoas que
passara,
Tenho por a mor mágoa que passei.
Pois logo, se está claro que um
tormento
Dá causa que outro na alma se
acrescente,
Já nunca posso ter contentamento.
Mas esta fantasia se me mente?
Oh ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?
topo
IV
Depois que quis
Amor que eu só passasse
Quanto
mal já por muitos repartiu,
Entregou-me
à Fortuna, porque viu
Que
não tinha mais mal que em mim mostrasse.
Ela,
porque do Amor se avantajasse
Na pena a que ele só me reduziu,
O que para ninguém se consentiu,
Para mim consentiu que se inventasse.
Eis-me aqui vou com vário som
gritando,
Copioso exemplário para a gente
Que destes dois tiranos é sujeita;
Desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto
estreita,
Que deste tão pequeno está contente!
topo
V
Em prisões baixas
fui um tempo atado;
Vergonhoso
castigo de meus erros:
Inda
agora arrojando levo os ferros,
Que
a morte, a meu pesar, tem já quebrado.
Sacrifiquei
a vida a meu cuidado,
Que Amor não quer cordeiros nem
bezerros;
Vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
Parece-me que estava assi ordenado.
Contentei-me com pouco, conhecendo
Que era o contentamento vergonhoso,
Só por ver que coisa era viver ledo.
Mas minha Estrela, que eu já agora
entendo,
A Morte cega, e o Caso duvidoso
Me fizeram de gostos haver medo.
topo
VI
Ilustre e digno
ramo dos Meneses,
Aos
quais o providente e largo Céu
(Que
errar não sabe) em dote concedeu,
Rompessem
os Maométicos arneses;
Desprezando
a Fortuna e seus reveses,
Ide para onde o Fado vos moveu;
Erguei flamas no mar alto Eritreu,
E serei nova luz aos Portugueses.
Oprimi com tão firme e forte peito
O Pirata insolente, que se espante
E trema Taprobana e Gedrosia.
Dai nova causa à cor do Arabo
Estreito;
Assim que o Roxo mar, daqui em diante
O seja só com sangue de Turquia.
topo
VII
No tempo que de
amor viver soía,
Nem
sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes
agora livre, agora atado,
Em
várias flamas variamente ardia.
Que
ardesse n'um só fogo não queria
O Céu porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.
E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co'o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.
Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tão cansado sofrimento!
topo
VIII
Amor, que o gesto
humano na alma escreve,
Vivas
faíscas me mostrou um dia,
Donde
um puro cristal se derretia
Por
entre vivas rosas a alva neve.
A
vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.
Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que é verdade.
Olhai como Amor gera, em um momento,
De lágrimas de honesta piedade
Lágrimas de imortal contentamento.
topo
IX *
Tanto de meu estado
me acho incerto,
Que
em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem
causa, juntamente choro e rio,
O
mundo todo abarco, e nada aperto.
É
tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um
rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao céu
voando;
Num' hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um'
hora.
Se me pergunta alguém porque assim
ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.
topo
X
Transforma-se o amador na
cousa amada,
Por
virtude do muito imaginar;
Não
tenho logo mais que desejar,
Pois
em mim tenho a parte desejada.
Se
nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com ele tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou
feito,
Como a matéria simples busca a forma.
topo
XI
Passo por meus trabalhos
tão isento
De
sentimento grande nem pequeno,
Que
só por a vontade com que peno
Me
fica Amor devendo mais tormento.
Mas
vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c'o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque não mo consente o sofrimento.
Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.
Mas se me vê co'os males tão
contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me
deve.
topo
XII
Em flor vos arrancou, de
então crescida,
(Ah
Senhor Dom António!) a dura sorte
Donde
fazendo andava o braço forte
A
fama dos antigos esquecida.
Uma
só razão tenho conhecida
Com que tamanha mágoa se conforte:
Que se no Mundo havia honrada morte,
Não podíeis vós ter mais larga vida.
Se meus humildes versos podem tanto
Que co'o desejo meu se iguale a arte,
Especial matéria me sereis.
E celebrado em triste e longo canto,
Se morrestes nas mãos do fero Marte,
Na memória das gentes vivereis.
topo
XIII
Num jardim adornado de
verdura,
Que
esmaltavam por cima várias flores,
Entrou
um dia a deusa dos amores,
Com
a deusa da caça e da espessura.
Diana
tomou logo ũa rosa pura,
Vénus um roxo lírio, dos melhores;
Mas excediam muito às outras flores
As violas na graça e formosura.
Perguntam a Cupido, que ali estava,
Qual de aquelas três flores tomaria
Por mais suave e pura, e mais
formosa.
Sorrindo-se o menino lhes tornava:
Todas formosas são; mas eu queria
Viola antes que lírio, nem que rosa.
topo
XIV
Todo animal da calma
repousava,
Só
Liso o ardor dela não sentia;
Que
o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia
na Ninfa que buscava.
Os
montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.
Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:
Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.
topo
XV *
Busque Amor novas artes,
novo engenho
Para
matar-me, e novas esquivanças;
Que
não pode tirar-me as esperanças,
Que
mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai
de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem
mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o
lenho.
Mas conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei
onde;
Vem não sei como; e dói não sei
porquê.
topo
XVI
Quem vê, Senhora, claro e
manifesto
O
lindo ser de vossos olhos belos,
Se
não perder a vista só com vê-los,
Já
não paga o que deve a vosso gesto.
Este
me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los;
Donde já me não fica mais de resto.
Assim que Alma, que vida, que
esperança,
E que quanto for meu, é tudo vosso:
Mas de tudo o interesse eu só o levo.
Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho, e quanto
posso,
Que quanto mais vos pago, mais vos
devo.
topo
XVII
Quando da bela vista e
doce riso
Tomando
estão meus olhos mantimento,
Tão
elevado sinto o pensamento,
Que
me faz ver na terra o Paraíso.
Tanto
do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por
vento:
Assim que em termo tal, segundo
sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.
Em louvar-vos, Senhora, não me fundo;
Porque quem vossas graças claro
sente,
Sentirá que não pode conhecê-las.
Pois de tanta estranheza sois ao
mundo,
Que não é de estranhar, dama
excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e
estrelas.
topo
XVIII
Doces lembranças da
passada glória,
Que
me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me
descansar em paz uma hora,
Que
comigo ganhais pouca vitória.
Impressa
tenho na alma larga história
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a
memória.
Vivo em lembranças, morro de
esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.
Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.
topo
XIX
Alma minha gentil, que te
partiste
Tão
cedo desta vida descontente,
Repousa
lá no Céu eternamente,
E
viva eu cá na terra sempre triste.
Se
lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
topo
XX
Num bosque, que das Ninfas
se habitava,
Sibela,
Ninfa linda, andava um dia;
E
subida nũa árvore sombria,
As
amarelas flores apanhava.
Cupido,
que ali sempre costumava
A vir passar a sesta à sombra fria,
Num ramo arco e setas, que trazia,
Antes que adormecesse, pendurava.
A Ninfa, como idóneo tempo vira
Para tamanha empresa, não dilata;
Mas com as armas foge ao moço
esquivo.
As setas traz nos olhos, com que
tira.
Ó pastores! fugi, que a todos mata,
Senão a mim, que de matar-me vivo.
topo
XXI
Os reinos e os impérios
poderosos,
Que
em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou
por valor de esforço floresceram,
Ou
por varões nas letras espantosos.
Teve
Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.
Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.
E em vós, grão sucessor e novo
herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.
topo
XXII
De vós me parto, ó vida, e
em tal mudança
Sinto
vivo da morte o sentimento.
Não
sei para que é ter contentamento,
Se
mais há de perder quem mais alcança!
Mas
dou-vos esta firme segurança:
Que, posto que me mate o meu
tormento,
Pelas águas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.
Antes sem vós meus olhos se
entristeçam,
Que com cousa outra alguma se
contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueçam.
Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A glória que em sofrer tal pena
sentem.
topo
XXIII
Cara minha inimiga, em
cuja mão
Pôs
meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a
ti na terra sepultura,
Por
que me falte a mim consolação.
Eternamente
as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharão.
E, se meus rudos versos podem tanto,
Que possam prometer-te longa história
Daquele amor tão puro e verdadeiro,
Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver
memória,
Será a minha escritura o teu
letreiro.
topo
XXIV
Aquela triste e leda
madrugada,
Cheia
toda de mágoa e de piedade,
Enquanto
houver no mundo saudade,
Quero
que seja sempre celebrada.
Ela
só, quando amena e marchetada
Saía, dando à terra claridade,
Viu apartar-se de uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e de outros olhos
derivadas,
Juntando-se, formaram largo rio.
Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas.
topo
XXV
Se quando vos perdi, minha
esperança,
A
memória perdera juntamente
Do
doce bem passado e mal presente,
Pouco
sentira a dor de tal mudança.
Mas
Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.
De cousas de que apenas um sinal
Havia, porque as dei ao esquecimento,
Me vejo com memórias perseguido.
Ah dura estrela minha! Ah grão
tormento!
Que mal pode ser mor, que no meu mal
Ter lembranças do bem que é já
passado?
topo
XXVI
Em formosa Leteia se
confia,
Por
onde vaidade tanta alcança,
Que,
tornada em soberba e confiança,
Com
os deuses celestes competia.
Por
que não fosse avante esta ousadia,
(Que nascem muitos erros da tardança)
Em efeito puseram a vingança
Que tamanha doudice merecia.
Mas Oleno, perdido por Leteia,
Não lhe sofrendo Amor que suportasse
Duro castigo em tanta formosura,
Quis a pena tomar da culpa alheia.
Mas, por que a morte Amor não
apartasse,
Ambos tornados são em pedra dura.
topo
XXVII
Males, que contra mim vos
conjurastes,
Quanto
há de durar tão duro intento?
Se
dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos
quanto já me atormentastes.
Mas
se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o
sustento,
Que vós, que dela mesma o ser
tomastes.
E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.
Assim de ambos contente será a sorte:
Em vós por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vós vencido.
topo
XXVIII
Está-se a Primavera
trasladando
Em
vossa vista deleitosa e honesta;
Nas
belas faces, e na boca e testa,
Cecéns,
rosas, e cravos debuxando.
De
sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta,
Que o monte, o campo, o rio, e a
floresta,
Se estão de vós, Senhora, namorando.
Se agora não quereis que quem vos ama
Possa colher o fruto destas flores,
Perderão toda a graça os vossos
olhos.
Porque pouco aproveita, linda Dama,
Que semeasse o Amor em vós amores,
Se vossa condição produz abrolhos.
topo
XXIX
Sete anos de pastor Jacob
servia
Labão,
pai de Raquel, serrana bela;
Mas
não servia ao pai, servia a ela,
Que
a ela só por prémio pretendia.
Os
dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;
Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: − Mais servira, senão fora
Para tão longo amor tão curta a vida.
topo
XXX
Está o lascivo e doce
passarinho
Com
o biquinho as penas ordenando,
O
verso sem medida, alegre e brando,
Despedindo
no rústico raminho.
O
cruel caçador, que do caminho
Se vem calado e manso desviando,
Com pronta vista a seta endireitando,
Lhe dá no Estígio Lago eterno ninho.
Desta arte o coração, que livre
andava,
(Posto que já de longe destinado)
Onde menos temia, foi ferido.
Porque o Frecheiro cego me esperava,
Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
topo
XXXI
Pede o desejo, Dama, que
vos veja:
Não
entende o que pede; está enganado.
É
este amor tão fino e tão delgado,
Que
quem o tem não sabe o que deseja.
Não
há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
Não quer logo o desejo o desejado,
Só por que nunca falte onde
sobeja.
Mas este puro afeto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,
Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e
humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
topo
XXXII
Porque quereis, Senhora,
que ofereça
A
vida a tanto mal como padeço?
Se
vos nasce do pouco que eu mereço,
Bem
por nascer está quem vos mereça.
Entendei
que por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo
preço
Tão alto pensamento se conheça.
Assim que a paga igual de minhas
dores
Com nada se restaura, mas deveis-ma
Por ser capaz de tantos desfavores.
E se o valor de vossos amadores
Houver de ser igual convosco mesma,
Vós só convosco mesma andai de
amores.
topo
XXXIII
Se tanta pena tenho
merecida
Em
pago de sofrer tantas durezas,
Provai,
Senhora, em mim vossas cruezas,
Que
aqui tendes ũa alma oferecida.
Nela
experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.
Mas contra vossos olhos quais serão?
É preciso que tudo se lhes renda,
Mas porei por escudo o coração.
Porque, em tão dura e áspera
contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com meter-me nas lanças me defenda.
topo
XXXIV *
Quando o Sol
encoberto vai mostrando
Ao
mundo a luz quieta e duvidosa,
Ao
longo de ũa praia deleitosa
Vou
na minha inimiga imaginando.
Aqui
a vi, os cabelos concertando;
Ali, co'a mão na face tão, formosa;
Aqui falando alegre, ali cuidosa;
Agora estando queda, agora andando.
Aqui esteve sentada, ali me viu,
Erguendo aqueles olhos, tão isentos;
Aqui movida um pouco, ali segura.
Aqui se entristeceu, ali se riu.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.
topo
XXXV
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem
ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase
forçado; um doce e humilde gesto,
De
qualquer alegria duvidoso;
Um
despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;
Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;
Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.
topo
XXXVI
Tomou-me vossa vista soberana
Aonde
tinha as armas mais à mão,
Por
mostrar a quem busca defensão
Contra
esses belos olhos, que se engana.
Por
ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa
humana.
Contudo, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos ela bem pouco está entendido.
Pois, inda que eu me achasse
apercebido,
Não levais de vencer-me grande
glória,
Eu a levo maior de ser vencido.
topo
XXXVII
− Não passes,
caminhante! − Quem me chama?
− Ũa memória
nova e nunca ouvida,
De
um que trocou finita e humana vida
Por
divina, infinita e clara fama.
− Quem é que
tão gentil louvor derrama?
− Quem
derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitão de Cristo, que mais
ama.
− Ditoso
fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo
juntamente!
Apregoando direi tão alta sorte.
− Mais
poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indício
De vir a merecer tão santa morte.
topo
XXXVIII
Formosos olhos,
que na idade nossa
Mostrais do Céu certíssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.
Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.
E se ver-vos nesta alma, enfim,
quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.
Mas eu cuido que, só por me não
verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!
topo
XXXIX
O fogo que na
branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.
Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.
Ditosa aquela flama que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!
Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela neve
Que queima corações e pensamentos.
topo
XL
Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras
e frescas águas de cristal,
Que
em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo
da altura dos rochedos;
Silvestres
montes, ásperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.
E pois já me não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.
Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.
topo
XLI
Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana,
banhando o lindo seio,
Outras
tantas de um áspero receio
Salteado
Laurénio a cor perdia.
Ela,
que a Sílvio mais que a si queria,
Para podê-lo ver não tinha meio.
Ora como curara o mal alheio
Quem o seu mal tão mal curar podia?
Ele, que viu tão clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavam, de mágoa, a piedade):
Como pode a desordem da natura
Fazer tão diferentes na vontade
Aos que fez tão conformes na ventura?
topo
XLII
Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em
penhor do remédio que mereço,
Se
só contigo, vendo-te, endoudeço,
Que
fora co'os cabelos que apertaste?
Aquelas
tranças de ouro que ligaste,
Que os raios de sol têm em pouco
preço,
Não sei se para engano do que peço,
Ou para me matar as desataste.
Lindo trançado, em minhas mãos te
vejo,
E por satisfação de minhas dores,
Como quem não tem outra, hei de
tomar-te.
E se não for contente o meu desejo,
Dir-lhe-ei que, nesta regra dos
amores,
Por o todo também se toma a parte.
topo
XLIII
O cisne, quando sente ser chegada
A
hora que põe termo à sua vida,
Harmonia
maior, com voz sentida,
Levanta
pela praia inabitada.
Deseja
lograr vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.
Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,
Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.
topo
XLIV
Pelos raros extremos que mostrou
Em
sábia Palas, Vénus em formosa,
Diana
em casta, Juno em animosa,
África,
Europa e Ásia as adorou.
Aquele
saber grande que juntou
Espírito e corpo em liga generosa,
Esta mundana máquina lustrosa
De só quatro elementos fabricou.
Mas fez maior milagre a natureza
Em vós, Senhoras, pondo em cada ũa
O que por todas quatro repartiu.
A vós seu resplendor deu Sol e Lũa:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.
topo
XLV
Tomava Daliana por vingança
Da
culpa do pastor que tanto amava,
Casar
com Gil vaqueiro; e em si vingava
O
erro alheio e pérfida esquivança.
A
discrição segura, a confiança
Das rosas que o seu rosto debuxava,
O descontentamento lhas mudava,
Que tudo muda ũa áspera mudança.
Gentil planta disposta em seca terra,
Lindo fruto de dura mão colhido,
Lembranças de outro amor e fé
perjura,
Tornaram verde prado em dura serra;
Interesse enganoso, amor fingido,
Fizeram desditosa a formosura.
topo
XLVI
Grão tempo há já que soube da
Ventura
A
vida que me tinha destinada,
Que
a longa experiência da passada
Me
dava claro indício da futura.
Amor
fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruí, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.
Soube Amor da Ventura que a não
tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossíveis me mantinha.
Mas vós, Senhora, pois que minha
estrela
Não foi melhor, vivei nesta alma
minha,
Que não tem a Fortuna poder nela.
topo
XLVII
Se somente hora alguma em vós
piedade
De
tão longo tormento se sentira,
Amor
sofrera, mal que eu me partira
De
vossos olhos, minha saudade.
Apartei-me
de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de
mentira;
Porém venho a provar que é de
verdade.
Ir-me-ei, Senhora; e neste
apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.
Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha
lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.
topo
XLVIII
Oh como se me alonga de ano em ano
A
peregrinação cansada minha!
Como
se encurta, e como ao fim caminha
Este
meu breve e vão discurso humano!
Minguando
a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda
tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande
engano.
Corro após este bem que não se
alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e na
tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda
aparece,
De vista se me perde, e da esperança.
topo
XLIX
Já é tempo, já, que minha confiança
Se
desça duma falsa opinião;
Mas
Amor não se rege por razão,
Não
posso perder, logo, a esperança.
A
vida sim, que uma áspera mudança
Não deixa viver tanto um coração.
E eu só na morte tenho a salvação?
Sim, mas quem a deseja não a alcança.
Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que não consente
Quietação num'alma que é cativa!
Se hei de viver, enfim, forçadamente,
Para que quero a glória fugitiva
Duma esperança vã que me atormente?
topo
L
Amor, co'a esperança já perdida
Teu
soberano templo visitei;
Por
sinal do naufrágio que passei,
Em
lugar dos vestidos, pus a vida.
Que
mais queres de mim, pois destruída
Me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de render-me, que não sei
Tornar a entrar onde não há saída.
Vês aqui vida, alma e esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Enquanto o quis aquela que eu adoro.
Nelas podes tomar de mim vingança;
E se te queres ainda mais vingado,
Contenta-te co'as lágrimas que choro.
topo
LI
Apolo e as nove Musas, descantando
Com
a dourada lira, me influíam
Na
suave harmonia que faziam,
Quando
tomei a pena, começando:
Ditoso
seja o dia e hora, quando
Tão delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!
Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
Tão ligeira, que quase era invisível.
Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possível.
topo
LII
Lembranças saudosas, se cuidais
De
me acabar a vida neste estado,
Não
vivo com meu mal tão enganado,
Que
não espere dele muito mais.
De
longo tempo já me costumais
A viver de algum bem desesperado:
Já tenho co'a Fortuna concertado
De sofrer os tormentos que me dais.
Atada ao remo tenho a paciência
Para quantos desgostos der a vida;
Cuide quanto quiser o pensamento.
Que pois não posso ter mais
resistência
Para tão dura queda, de subida,
Aparar-lhe-ei debaixo o sofrimento.
topo
LIII
Apartava-se Nise de Montano,
Em
cuja alma, partindo-se, ficava,
Que
o pastor na memória a debuxava,
Por
poder sustentar-se deste engano.
Por
ũa praia do Índico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas águas alongava,
Que pouco se doíam de seu dano.
Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu
adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.
Mas se em vós, ondas, mora piedade,
Levai também as lágrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.
topo
LIV
Quando vejo que meu destino ordena
Que,
por me experimentar, de vós me aparte,
Deixando
de meu bem tão grande parte,
Que
a mesma culpa fica grave pena,
O
duro desfavor, que me condena,
Quando pela memória se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausência fica mais
pequena.
Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, estê tão fora
De me não apartar também da vida?
Eu refrearei tão áspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.
topo
LV
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois
de tantas noites mal dormidas,
Depois
de tantas lágrimas vertidas,
Tantos
suspiros vãos vãmente dados,
Como
não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os
Fados?
Se não tivéreis já longa exp'riência
Das sem-razões de Amor a quem
servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.
Mas pois por vosso mal seus males
vistes,
Que o tempo não curou, nem larga
ausência,
Qual bem dele esperais, desejos
tristes?
topo
LVI
Náiades, vós que os rios habitais
Que
os saudosos campos vão regando,
De
meus olhos vereis estar manando
Outros
que quase aos vossos são iguais.
Dríades,
que com seta sempre andais
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triunfando
Derribam corações, que valem mais.
Deixai logo as aljavas e águas frias,
E vinde, Ninfas belas, se quereis,
A ver como de uns olhos nascem
mágoas.
Notareis como em vão passam os dias;
Mas em vão não vireis, porque
achareis
Nos seus as setas, e nos meus as
águas.
topo
LVII
Mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades,
Muda-se
o ser, muda-se a confiança:
Todo
o mundo é composto de mudança,
Tomando
sempre novas qualidades.
Continuamente
vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as
saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce
canto.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
topo
LVIII
Se as penas com que Amor tão mal me
trata
Permitirem
que eu tanto viva delas,
Que
veja escuro o lume das estrelas,
Em
cuja vista o meu se acende e mata;
E
se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem
colhê-las,
Deixando a linda cor das tranças
belas
Mudada de ouro fino em fina prata;
Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.
Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.
topo
LIX *
Quem jaz no grão sepulcro, que
descreve
Tão
ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém,
que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas
foi quem tudo pôde e quem tudo teve.
Foi
Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
Pôs na guerra e na paz devido estudo.
Mas quão pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.
Alexandre será? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar
estima.
Será Adriano grão senhor do mundo?
Mais observante foi da Lei de cima.
É Numa? Numa não, mas é Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.
topo
LX
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos
com juízo sossegado,
Se
o Menino, que de olhos é privado,
Nas
Meninas dos vossos olhos mora?
Ali
manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que vivo lume, e o rosto
delicado,
Imagens são adonde Amor se adora.
Quem vê que em branca neve nascem
rosas
Que crespos fios de ouro vão
cercando?
Se por entre esta luz a vista passa,
Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estão no peito traspassando,
Assim como um cristal o Sol
traspassa.
topo
LXI *
Como fizeste, ó Porcia, tal ferida?
(1)
Foi
voluntária, ou foi por inocência?
É
que Amor fazer só quis experiência
Se
podia eu sofrer, tirar-me a vida?
E
com teu próprio sangue te convida
A que faças à morte resistência?
É que costume faço da paciência,
Porque o temor morrer me não impida.
Pois porque estás comendo com fogo
ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.
E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada não se sente,
E não quero eu a morte sem a pena.
topo
LXII *
De tão divino acento em voz humana,
De
elegâncias que são tão peregrinas,
Sei
bem que minhas obras não são dignas,
Que
o rudo engenho meu me desengana.
Porém
da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as águas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
Farão inveja à cópia Mantuana.
E pois a vós, de si não sendo avaras,
As filhas de Mnemósine fermosa
Partes dadas vos têm ao mundo claras;
A minha Musa, e a vossa tão famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.
(1)
topo
LXIII *
Debaixo desta pedra está metido,
Das
sanguinosas armas descansado,
O
Capitão ilustre, e assinalado,
Dom
Fernando de Castro, e esclarecido. (1)
Este
por todo o Oriente tão metido,
Este da própria inveja tão cantado,
Este, enfim, raio de Mavorte irado,
Aqui está agora em terra convertido.
Alegra-te, ó guerreira Lusitânia,
Por est'outro Viriato que criaste,
E chora a perda sua eternamente.
Exemplo toma nisto de Dardânia;
Que se a Roma com ele aniquilaste,
Nem por isso Cartago está contente.
topo
LXIV *
Que vençais no Oriente tantos Reis,
Que
de novo nos deis da Índia o Estado,
Que
escureçais a fama que hão ganhado
Aqueles
que a ganharam de infiéis;
Que
vencidas tenhais da morte as leis,
E que vencêsseis tudo, enfim, armado,
Mais é vencer na Pátria, desarmado,
Os monstros e as Quimeras que
venceis.
Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por armas fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;
O que vos dá mais fama inda no mundo,
É vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
Tantas ingratidões, tão grande
inveja.
topo
LXV
Vossos olhos, Senhora, que competem
Com
o Sol em beleza e claridade,
Enchem
os meus de tal suavidade,
Que
em lágrimas de vê-los se derretem.
Meus
sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisão, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.
Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma
enfraquecida.
Oh gentil cura! Oh estranho
desconcerto!
Que dareis c' um favor que vós não
dais,
Quando com um desprezo me dais vida?
topo
LXVI
Formosura do Céu a nós descida,
Que
nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo
a todo pensamento,
Sem
que sejas de algum bem entendida;
Qual
língua pode haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?
Se em teu valor contemplo a menor
parte,
Vendo que abre na terra um paraíso,
Logo o engenho me falta, o espírito
míngua.
Mas o que mais me impede inda
louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando não te vejo perco o siso.
topo
LXVII
Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas
não cansadas de cansar-me;
Pois
não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde
quem eu jamais pude abrandar;
Não
canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar.
E se em montes, se em prados, e se em
vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras,
águas;
Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar
mágoas.
topo
LXVIII
Dai-me ũa lei, Senhora, de
querer-vos,
Porque
a guarde sob pena de enojar-vos;
Pois
a fé que me obriga a tanto amar-vos
Fará
que fique em lei de obedecer-vos.
Tudo
me defendei, senão só ver-vos
E dentro na minha alma
contemplar-vos;
Que se assim não chegar a
contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a
aborrecer-vos.
E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida não consente,
Dai-ma, Senhora, já, seja de morte.
Se nem essa me dais, é bem que viva,
Sem saber como vivo, tristemente;
Mas contente estarei com minha sorte.
topo
LXIX
Ferido sem ter cura perecia
O
forte e duro Télefo temido (1)
Por
aquele que na água foi metido,
E a
quem ferro nenhum cortar podia.
Quando
a apolíneo Oráculo pedia
Conselho para ser restituído,
Respondeu-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o já ferira, e sararia.
Assi, Senhora, quer minha ventura,
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.
Mas é tão doce vossa formosura,
Que fico como o hidrópico doente,
Que bebendo lhe cresce mor secura.
topo
LXX
Na metade do Céu subido ardia
O
claro, almo Pastor, quando deixavam
O
verde pasto as cabras, e buscavam
A
frescura suave da água fria.
Com
a folha das árvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O módulo cantar, de que cessavam,
Só nas roucas cigarras se sentia.
Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.
Porque te vás de quem por ti se
perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.
topo
LXXI
Já a roxa e clara Aurora destoucava
Os
seus cabelos de ouro delicados,
E
das flores os campos esmaltados
Com
cristalino orvalho borrifava;
Quando
o formoso gado se espalhava
De Sílvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor não se apartava.
Com verdadeiras lágrimas, Laurente,
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada,
Porque não morre já quem vive
ausente,
Pois a vida sem ti não presta nada.
Responde Sílvio: − Amor não o
consente,
Que ofende as esperanças da tornada.
topo
LXXII
Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação
os olhos me adormece,
Em
sonhos aquela alma me aparece,
Que
para mi foi sonho nesta vida.
Lá
numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro após ela; e ela então parece
Que mais de mi se alonga, compelida.
Brado: − Não me fujais, sombra
benina. −
Ela (os olhos em mi c'um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser)
Torna a fugir-me; torno a bradar: − Dina...
E antes que diga mene,
acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
topo
LXXIII
Suspiros inflamados que cantais
A
tristeza com que eu vivi tão tedo;
Eu
morro e não vos levo, porque hei medo
Que
ao passar do Leteo vos percais.
Escritos
para sempre já ficais
Onde vos mostrarão todos co'o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.
Em quem, pois, virdes largas
esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),
Dizei-lhe que os servistes muitos
anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.
topo
LXXIV
Aquela fera humana que enriquece
A
sua presunçosa tirania
Destas
minhas entranhas, onde cria
Amor
um mal que falta quando cresce;
Se
nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história.
Pois, por mais que vos veja
atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me.
topo
LXXV
Ditoso seja aquele que somente
Se
queixa de amorosas esquivanças;
Pois
por elas não perde as esperanças
De
poder nalgum tempo ser contente.
Ditoso
seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das
lembranças;
Porqu'inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.
Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.
Mas triste quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão
Sem ficar na alma a mágoa do pecado.
topo
LXXVI
Quem fosse acompanhando juntamente
Por
esses verdes campos a avezinha,
Que
despois de perder um bem que tinha,
Não
sabe mais que cousa é ser contente!
E
quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!
Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem não dá segundo,
Dá-lhe o ser triste a seu
contentamento.
Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o
mundo!
topo
LXXVII
O
culto divinal se celebrava
No
templo donde toda criatura
Louva
o Feitor divino, que a feitura
Com
seu sagrado sangue restaurava.
Amor
ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razão me salteava.
Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, não sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,
Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.
topo
LXXVIII
Leda serenidade deleitosa,
Que
representa em terra um paraíso;
Entre
rubis e perlas, doce riso,
Debaixo
de ouro e neve, cor-de-rosa;
Presença
moderada e graciosa,
Onde ensinando estão despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser formosa;
Fala de que ou já vida, ou morte
pende,
Rara e suave, enfim, Senhora, vossa,
Repouso na alegria comedido:
Estas as armas são com que me rende
E me cativa Amor; mas não que possa
Despojar-me da glória de rendido.(1)
topo
LXXIX
Bem sei, Amor, que é certo o que
receio;
Mas
tu, porque com isso mais te apuras,
De
manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse
teu arco de ouro; e eu te creio.
A
mão tenho metida no meu seio,
E não vejo os meus danos às escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me
enleio.
Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.
Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?
topo
LXXX
Como quando do mar tempestuoso
O
marinheiro todo trabalhado,
De
um naufrágio cruel saindo a nado,
Só
de ouvir falar nele está medroso;
Firme
jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o não tire sossegado;
Mas esquecido já do horror passado,
Dele a fiar se torna cobiçoso;
Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de não mais em outra ver-me;
Com a alma que de vós nunca se
ausenta,
Me torno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tão perto de perder-me.
topo
LXXXI
Amor é um fogo
que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se
sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem
querer;
É um andar solitário entre a
gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se
perder;
É querer estar preso por
vontade;
É servir a quem vence, o
vencedor;
É ter com quem nos mata,
lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo
Amor?
topo
CXCIII
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em
minha perdição se conjuraram;
Os
erros e a Fortuna sobejaram,
Que
para mim bastava Amor somente.
Tudo
passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me
ensinaram
A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
topo
CXCIV *
Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria
a quanto mal o mundo cria;
Cá,
onde o puro Amor não tem valia,
Que
a Mãe, que manda mais, tudo profana;
Cá,
onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;
Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;
Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!
topo
O dia em
que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao mundo, e, se
tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.
A luz lhe falte, o sol se [lhe]
escureça,
Mostre o mundo
sinais de se acabar;
Nasçam-lhe
monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio
filho não conheça.
As pessoas
pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no
rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo
já se destruiu.
Ó gente temerosa,
não te espantes,
Que este dia
deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada
que jamais se viu.
topo
Linhas de
Leitura
Enquanto
quis Fortuna
-
Assunto: Enquanto o
destino (Fortuna) permitiu que
alimentasse a esperança de alguma
felicidade, o poeta dedicou-se a escrever os
efeitos da mesma, naturalmente em versos
amorosos. Porém, o Amor, temendo que
seus enganos fossem divulgados, secou-lhe a
inspiração. Assim, aqueles a quem o Amor
sujeita às suas insconstâncias, mesmo que,
em tais versos, leiam casos tão diferentes
(quiçá contraditórios), deverão
considerá-los verdades puras, e não o
contrário, sendo que as compreenderão tanto
melhor, quanto mais larga for a sua
experiência amorosa.
-
Estrutura interna bipartida:
- 1ª parte,
constituída pelas quadras.
- Esta 1.ª parte está,
igualmente, subdividida: na primeira
quadra, observamos o papel coadjuvante
do destino (Fortuna) e, na
segunda, confrontamo-nos com o
carácter oponente do Amor
(nome também atribuído a Cupido, filho
de Vénus).
- Note-se que a transição
da primeira para a segunda quadra é
feita através do conector (conjunção)
adversativo "porém", o que,
desde logo, antecipa a adversidade
nela contida.
- 2ª parte,
constituída pelos tercetos, em que o
poeta, apostrofando os que se sujeitam aos
caprichos do Amor, adverte para a
autenticidade de seus versos, cujo
entendimento será tanto melhor quanto
maior a experiência (porventura dolorosa)
do mesmo amor.
-
A
estrutura interna bipartida também se faz
notar ao nível da progressão das formas
verbais: nas quadras, o tempo dominante é o
pretérito perfeito do indicativo, que nos dá
conta das posições assumidas por cada uma
das entidades ("quis" (Fortuna); "fez"
(o gosto de um suave pensamento); "escureceu-me"
(Amor)); nos tercetos, a par do presente do
indicativo ("obriga"; "são") e
do futuro imperfeito do conjuntivo ("lerdes";
"tiverdes"), sobressaem o imperativo
("sabei") e o futuro do indicativo ("tereis"),
associados à apóstrofe utilizada ("Ó vós").
-
Algumas figuras de estilo: anástrofe
(vv. 1, 4, 5, 8, 11, 12); hipérbato
(vv. 5/6); metonímia (v. 5
(Amor, o Cupido, tomado pelo próprio
sentimento do amor); antítese
(estabelecida entre a atitude adjuvante da Fortuna,
na primeira quadra, e a de oponente, por
parte do Amor, na segunda); apóstrofe
(v. 9).
Manuel Maria
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Tanto de meu estado me
acho incerto
-
Segundo Manuel de Faria e
Sousa, em Rimas Várias de Luís de
Camões (1685), este soneto de
Camões é uma imitação do soneto 105 de
Petrarca: Pace non trovo, e non ho da
far guerra (Paz não encontro e não
quadra a guerra (trad.
de Esther de Lemos)).
Em Luís de Camões − O Lírico,
Hernâni Cidade testemunha o seguinte: «No
soneto de Petrarca, sente-se um
comprazimento maior no esmiuçar do tema.
[...] o soneto de Camões ganha certamente
em naturalidade de sentimento e porventura
em fluência de expressão.»
-
Estrutura interna bipartida:
- 1ª parte,
constituída pelas duas quadras e pelo
primeiro terceto, em que o poeta, através
de uma sequência de antíteses, desenvolve
o tema anunciado logo no primeiro verso,
dando-nos conta de todos os sintomas de
que se reveste o "estado incerto" em que
se encontra (V. 1), reiterado pelo
"desconcerto" confessado no início da
segunda quadra.
- 2ª parte,
constituída pelo último terceto, em que o
poeta, de certa forma, desfaz a
ambivalência de seu estado, já que, se,
por um lado, confessa que desconhece a
razão por que assim anda, por outro,
afirma suspeitar que é só porque viu a
amada.
- Talvez seja curioso
notar que, se o Poeta utiliza o
pronome indefinido "alguém" no verso
12, acaba por se dirigir a um Tu,
embora na forma do plural ("vos"),
utilizando mesmo uma apóstrofe:
"minha Senhora" (v. 14).
-
Autores
há que se inclinam para a inclusão deste
soneto na esfera do platonismo. Penso ser
razoável ser-se mais prudente em relação a
tal inclinação, já que, tal como acontece
noutros exemplos, Camões se mostra dividido
entre o que é requerido pelo espírito e o
que é exigido pelo corpo. Se prevalecesse,
de uma forma categórica, o amor platónico,
não se justificariam alguns paradoxos nem o
trocadilho que o Poeta faz com o tempo
cronológico e psicológico: se está uma hora
sem ver a amada, parece-lhe mil anos (v.
10), e é de tal jeito, que, em mil anos que
vivesse ou esperasse, não acharia uma hora
de a ver, de estar com ela. É esta uma razão
do corpo, que não da alma.
-
Algumas figuras de estilo: anástrofe
(vv. 1/2 (Tanto me acho incerto de meu
estado, que em vivo ardor estou tremendo de
frio), 4 (abarco o mundo todo), 5 (tudo
quanto sinto é um desconcerto), 6 (um fogo
me sai da alma, um rio, da vista), 10/11
(acho mil anos num'hora, e é de jeito que
não posso achar um'hora em mil anos)); antítese
(vv. 2/4; 6/8, 9, 13); apóstrofe (v.
14); hipérbole (vv. 4, 6);
metáfora (vv. 2, 5, 9); paralelismo
e anáfora (vv. 7/8); quiasmo
(vv. 10/11).
Manuel Maria
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Busque
Amor novas artes, novo engenho
-
Assunto: O sujeito
poético afirma que Amor poderá tentar novos
subterfúgios para o matar, mas não poderá
roubar-lhe as esperanças, uma vez que já as
não tem.
-
Estrutura interna bipartida:
- Na 1ª parte,
constituída pelas duas quadras, o poeta,
depois de ter enunciado o tema do soneto
na primeira, envereda por um processo
reiterativo na segunda, evidenciando os
seus argumentos através das antífrases,
carregadas de ironia, presentes nos versos
5 e 6: não se mantém de quaisquer
esperanças, porque as não tem, tal como
não sente qualquer segurança, uma vez que,
se a sentisse, seria perigosa, porque
efémera, inconstante. Assim, despojado de
qualquer esperança, não teme contrastes
nem mudanças, mesmo que se sinta como
náufrago no conturbado mar de Amor. A
desgraça já não pode ser maior, se mais
nenhum bem se espera.
- Na 2ª parte,
constituída pelos tercetos, o poeta
antecipa uma espécie de
contra-argumentação (embora pareça ilógica
e incompreensível) que, desde logo, se
antevê, uma vez que somos confrontados com
o articulador adversativo Mas,
seguido de um enunciado concessivo (conquanto
não pode haver desgosto / Onde esperança
falta): é que, apesar disso, Amor
esconde um mal que mata (Busque Amor
novas artes, novo engenho, / Pera
matar-me (vv.1/2)) e não se vê. Não
se vê e, por isso, é "um não sei quê": "um
não sei quê" que não sabe onde nasce (v.
13), que não sabe como vem (v. 14), e que
dói sem saber porquê (v. 14). Tudo isto,
provavelmente, por estar despojado de
qualquer esperança, como afirmara
anteriormente.
-
Convém
notar que, na lírica camoniana, e, por
vezes, num mesmo poema, nos aparece a
palavra "amor" grafada de duas maneiras: com
minúscula (amor) e com maiúscula (Amor).
Sempre que ocorre esta última grafia,
estamos perante um outro nome de Cupido,
filho de Vénus, que, deste modo, surge como
metonímia do sentimento do amor.
-
Algumas figuras de estilo:
anáfora (vv. 3/4, 7, 12)
anástrofe (vv. 2, 12/13); imagem
(v. 8); ironia (vv. 5/6); metáfora
(v. 8); metonímia (v. 1 (Amor));
paradoxo (vv. 11, 13/14).
Manuel Maria
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Quando o Sol encoberto vai
mostrando
-
Assunto:
Passeando por uma praia, à luz do
crepúsculo, o poeta recorda a amada, a quem
chama "inimiga" (v. 4).
-
A hora do crepúsculo é-nos
sugerida pela expressão "Luz quieta
e duvidosa" (v.2). "Quieta",
talvez por os raios solares não serem
tão violentos àquela hora, e "duvidosa"
por ser o momento em que começa a
anunciar-se a chegada da noite.
-
Estrutura interna
tripartida:
-
1.ª parte,
constituída pela primeira quadra, na
qual o sujeito poético nos dá conta do
assunto do soneto.
-
2.ª parte,
constituída pela segunda quadra, pelo
primeiro terceto e pelo primeiro verso
do segundo terceto. Nesta segunda parte,
o sujeito poético, como quem executa uma
sequência de disparos de uma máquina
fotográfica, vai-nos mostrando o modo
como recorda a sua amada. De salientar
as imagens antitéticas que vai obtendo
(atitude dinâmica (v. 5) / atitude
estática (v. 6); alegre / cuidosa
(v. 7); queda / andando
(v. 8); (co)movida / segura
(tranquila, serena) (v. 11); entristeceu
/ riu (v. 12)).
-
Nota:
suspeito que os advérbios aqui
e ali, que servem, de
forma eloquente, este jogo de
antíteses, mais do que deíticos de
lugar, possam ser locuções
disjuntivas com carácter temporal (ora...
ora), tal como acontece no
verso 8 (agora... agora).
-
3.ª parte,
constituída pelos dois últimos versos,
em forma de conclusão, dando-nos conta
de que é "nestes cansados
pensamentos" que passa a "vida
vã que sempre dura".
-
"Ao longo de ũa praia deleitosa" (v. 3)
-
Segundo Manuel de Faria e
Sousa, em Rimas Várias de Luís
de Camões (1685), será uma
alusão a Ceuta, local onde se
encontrava quando escreveu a
Elegia II, sobre o mesmo
assunto, utilizando a expressão "Ao
longo dũa praia saudosa".
-
"Vou na minha inimiga
imaginando" (v. 4)
-
Se, por um lado, há
quem advogue que o tratamento de
inimiga se deve ao sofrimento que
a amada provoca no sujeito poético, por
outro, há quem defenda que tal
mais não passava de um mimo dirigido à
amada, tal como acontece no soneto XXIII.
-
"Aqui falando alegre, ali
cuidosa" (v. 7)
-
"Erguendo aqueles olhos,
tão isentos"
-
"Aqui movida um pouco, ali
segura"
-
Segura, como já
foi referido no ponto 2, transmite-nos
uma sensação de tranquilidade, de
serenidade.
-
Algumas figuras de estilo: adjetivação
(encoberto (v.1), quieta/duvidosa (v.2),
deleitosa (v.3), formosa
(v.6),alegre/cuidosa (v. 7), queda (v. 8),
sentada (v. 9), isentos (v. 10),
movida/segura (v. 11), cansados (v. 13), vã
(v. 14)); anáfora (aqui: vv.
5, 7, 9, 11, 12; ali: vv. 6, 7, 9,
11, 12) antítese
(vv. 7, 8, 11, 12).
Manuel Maria
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Quem
jaz no grão sepulcro, que descreve
-
Segundo Manuel de Faria e Sousa, em Rimas
Várias de Luís de Camões (1685),
este soneto de Camões é um «Epitáfio à
sepultura do rei D. João III, que faleceu no
ano de 1557, tempo em que o poeta andava na
Índia».
Manuel Maria
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Como
fizeste, ó Pórcia, tal ferida?
(1) -
Pórcia, filha de Catão de Útica e casada com
M. Júnio Bruto, tinha já tentado suicidar-se,
ferindo-se a si própria com profundo golpe,
quando soube pelo marido da conspiração contra
César. Quando o marido, ao perder a batalha de
Filipos, se atravessou com a espada, matou-se
ela também, engolindo carvões acesos.
Cidade,
Hernâni, Luís de Camões - Lírica,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1973
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De
tão divino acento em voz humana
(1) – Resposta
ao Soneto Quem é este?...
atribuído a João Lopes Leitão.
Hernâni
Cidade, Luís de Camões - Lírica,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1973
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Debaixo
desta pedra está metido
(1) – Crê Storck
que se trata de D. Fernando de Castro, filho
de D. João de Castro, morto em Diu em 1546.
Mas é tão obscura a adaptação dos tercetos.
Hernâni
Cidade, Luís de Camões - Lírica,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1973
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Que
vençais no Oriente tantos Reis
É
consagrado a D. Luís de Ataíde, Vice-Rei da
Índia. Teria sido o comandante da expedição de
D. Sebastião a África, se não fossem as ingratidões
e invejas a que o soneto se refere.
Hernâni
Cidade, Luís de Camões - Lírica,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1973
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Ferido
sem ter cura perecia
(1) – Télefo,
filho de Hércules e de Augea,
foi ferido na guerra troiana por
Aquiles (aquele que foi metido na
água que o tornou invulnerável – lembra
o Poeta, nos versos seguintes), mas sarou
mediante um emplasto feito da ferrugem da
lança que o golpeara. Frequentemente se alude
a este mito, para designar a cousa que traz
consigo o remédio do mal que pode causar.
Hernâni
Cidade, Luís de Camões - Lírica,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1973
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Leda
serenidade deleitosa
(1) – Neste
soneto, que o Dr. José Maria Rodrigues julga
provar a sua tese da paixão do Poeta pela
Infanta D. Maria, há reminiscências
petrarquistas nos mesmos traços em que ele viu
o desenho da Infanta.
Hernâni
Cidade, Luís de Camões - Lírica,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1973
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Cá
nesta Babilónia, donde mana
-
O presente soneto
desenvolve-se em função da simbologia que
representam dois espaços: Babilónia e Sião.
-
"No plano dos símbolos, a
Babilónia é a antítese da
Jerusalém celeste e do Paraíso. No
entanto, de acordo com a etimologia,
Babilónia significa: porta do deus.
Mas o deus sobre o qual se abre esta
porta, embora numa determinada altura
tenha sido procurado nos céus, no
sentido do espírito, perverteu-se em
homem e naquilo que no homem existe de
mais vil, o instinto de dominação e o
instinto de luxúria, erigidos em
absoluto.
Esta cidade é tão
magnífica, escrevia Heródoto, que
não há no mundo uma cidade que se lhe
possa comparar. A sua cintura de
muralhas, os seus jardins suspensos
figuravam entre as sete maravilhas do
mundo. Tudo foi destruído, pois tudo
assentava em valores unicamente temporais.
O símbolo da Babilónia não é o de um
esplendor condenado pela sua beleza, mas
sim o de um esplendor viciado que se
condenou a si próprio ao desencaminhar o
homem da sua vocação espiritual. A
Babilónia simboliza o triunfo passageiro
de um mundo material e sensível, que
exalta apenas uma parte do homem e, por
conseguinte, o desintegra."
Jean Chevalier / Alain
Gheerbrant, Dicionário dos Símbolos,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1997
-
Também
conhecida por Babel, para a
Babilónia foram levados os Judeus em
586, após a invasão de Jerusalém por
Nabucodonosor.
-
O
monte Sião, ao qual, em alguns
livros do Antigo Testamento, foram sendo
atribuídas as prerrogativas do Monte
Sinai, é a colina sobre a qual foi
erigida a cidade de Jerusalém, bem como
o Templo: é a montanha "onde o Senhor
habitará para sempre".
-
Esta
temática pode ser também observada no poema
Sôbolos rios que vão,
inspirado, segundo o Professor Hernâni
Cidade, no salmo 137
(136 em algumas edições
litúrgicas).
-
Camões
escreveu este soneto na Índia e, segundo o
Professor Hernâni Cidade, para o poeta,
Babilónia era Goa.
-
«Cá nesta
Babilónia, donde mana / Matéria a quanto
mal o mundo cria»
-
Para o Poeta, depois de
assistir ao comportamento avaro dos
Governadores e Capitães e à sua
desmesurada ambição, são os bens
materiais da região e a cobiça que
suscitam que são a origem de todos os
males.
-
«Cá,
onde o puro Amor não tem valia, / Que a
Mãe, que manda mais, tudo profana»
-
A causa principal
dos erros do mundo é não existir, entre
os mortais, o verdadeiro e puro amor.
Assim, o amor ao próximo cede o lugar ao
egoísmo, à ambição e à lascívia. A Mãe
de Amor é Vénus e simboliza o amor
meramente sensual, por isso profano.
-
«Cá,
onde o mal se afina, o bem se dana, / E pode mais que a honra a
tirania»
-
A ambição e a
cobiça dos Governadores e seus
seguidores subvertem os valores, não se
olhando a meios para atingir os fins.
Assim, paradoxalmente, o mal sobrepõe-se
ao bem, e a tirania, à honra: a obtenção
da riqueza tudo justifica.
-
«Cá, onde a errada e cega
Monarquia / Cuida que um nome vão a Deus
engana»
-
«Cá, neste labirinto, onde a
Nobreza, / O Valor e o Saber pedindo vão /
Às portas da Cobiça e da Vileza»
-
Estes versos
sugerem uma alusão ao labirinto de
Creta, do qual quem lá entrasse não
saberia como sair. Assim, por mais que a
política oficial do reino apontasse para
um espírito de Cruzada e de propagação
da Fé Cristã, o que o Poeta pôde
constatar foi que a ambição e a cobiça
dos que chegavam à Índia os envolvia de
tal modo, que, como que enredados numa
teia labiríntica, não mais sabiam como
abandonar essa vida meramente mercantil,
ignorando ou desprezando valores como a
Nobreza, o Valor e o Saber.
-
«Cá, neste escuro caos de
confusão, / Cumprindo o curso estou da
natureza»
-
Símbolo de todos os
vícios, a redundância do v. 12 reitera o
desalento em que o Poeta vê cumprir-se o
ciclo da sua vida: envelhecendo, não só
se sente perseguido pelo destino, mas
também por todos os que, tendo a
obrigação do contrário, não o
recompensam nem pelo mérito das armas,
nem pelo mérito da sua poesia.
-
«Vê se me esquecerei de ti,
Sião!»
-
Neste contexto,
Sião, mais do que o espaço propriamente
dito da Pátria, poderá simbolizar a
Pátria com que o Poeta sonhava, uma
Pátria de valores e não a «Pátria, que está metida / No
gosto da cobiça e na rudeza / De ua
austera, apagada e vil tristeza.»
(ver
crónica).
-
Algumas
figuras de estilo: adjetivação
(puro (v.3), errada, cega (v. 7), vão (v.8),
escuro (v.12)); anáfora (cá:
vv. 1, 3, 5, 7, 9, 12); anástrofe
(v. 10); antítese (v. 5); apóstrofe
(v, 14); eufemismo (v. 13); hipérbato
(vv. 6; 13); paradoxo (v. 6); perífrase
(v. 13).
Manuel Maria
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Salmo
137
1 Junto aos rios de Babilónia
nos sentámos a chorar, recordando-nos de
Sião.
2 Nos salgueiros das suas
margens pendurámos as nossas harpas.
3 Os que nos levaram para ali
cativos pediam-nos um cântico; e os nossos
opressores, uma canção de alegria:
«Cantai-nos um cântico de Sião.»
4 Como poderíamos nós cantar um
cântico do Senhor, estando numa terra
estranha?
5 Se me esquecer de ti,
Jerusalém, fique ressequida a minha mão
direita!
6 Pegue-se-me a língua ao paladar, se eu
não me lembrar de ti, se não fizer de
Jerusalém a minha suprema alegria!
7 Lembra-te, Senhor, do que fizeram os
filhos de Edom, no dia de Jerusalém, quando
gritavam: «Arrasai-a! Arrasai-a até aos
alicerces!»
8 Cidade da Babilónia devastadora, feliz
de quem te retribuir com o mesmo mal que nos
fizeste!
9 Feliz de quem agarrar nas tuas crianças
e as esmagar contra as rochas!
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