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                          Hoje
                                  vamos falar sobre o Romantismo 
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                              - [...]
                                  Hoje vamos falar sobre o Romantismo,
                                  ao qual podemos chamar a última grande
                                  época
                                  cultural da Europa. [...] 
                              - O
                                  Romantismo durou tanto tempo? 
                              -
                                  Começou em finais do século XVIII e
                                  durou até meados do século passado.
                                  Mas a partir de 1850 já não faz
                                  sentido falar de épocas completas que
                                  abranjam do mesmo modo poesia e
                                  filosofia, arte, ciência e música. 
                              - Mas o
                                  Romantismo foi ainda uma dessas
                                  épocas? 
                              - Sim,
                                  e como disse, a última na Europa. Teve
                                  início na Alemanha como reação ao
                                  culto da razão no Iluminismo.
                                  Após Kant e a sua fria filosofia
                                  racional, os jovens na Alemanha
                                  pareciam respirar fundo. 
                              - E o
                                  que é que colocaram no lugar da razão? 
                              - Os
                                  novos slogans eram
                                  «sentimento», «fantasia», «vivência» e
                                  «nostalgia». Alguns pensadores do Iluminismo
                                  também tinham apontado para a
                                  importância dos sentimentos - por
                                  exemplo, Rousseau - e criticado a
                                  insistência exclusiva da razão. Esta
                                  corrente secundária tornou-se a
                                  corrente principal da vida cultural
                                  alemã. 
                              - Então
                                  Kant não foi popular por muito tempo? 
                              Sim e
                                  não. Muitos românticos viam-se como
                                  herdeiros de Kant. Kant afirmara que
                                  havia limites para aquilo que podemos
                                  conhecer. Por outro lado, mostrara
                                  como era importante o contributo do eu
                                  para o conhecimento. E agora, no
                                  Romantismo, o indivíduo tinha, por
                                  assim dizer, livre curso para a sua
                                  interpretação pessoal da existência.
                                  Os românticos professavam um culto
                                  quase desenfreado do eu. Por
                                  isso, a essência da personalidade
                                  romântica é também o génio artístico. 
                              - Havia
                                  muitos génios naquela época? 
                               -
                                  Alguns. Beethoven, por
                                  exemplo. Na sua música, encontramos
                                  uma pessoa que exprime os seus
                                  próprios sentimentos e nostalgias.
                                  Deste modo, Beethoven era um artista
                                  «livre» - ao contrário dos mestres do
                                  Barroco como Bach e Haendel que
                                  compunham as suas obras para glória de
                                  Deus e geralmente segundo regras
                                  rigorosas. 
                              - Eu
                                  conheço apenas a sonata Ao luar
                                  e a Quinta Sinfonia. 
                              - Mas
                                  vês como é romântica a sonata Ao
                                    luar e como Beethoven se exprime
                                  de forma dramática na Quinta
                                    Sinfonia. 
                              - Disseste
                                  que os humanistas do Renascimento
                                  também eram individualistas. 
                              - Sim,
                                  há muitos paralelismos entre o
                                  Renascimento e o Romantismo. Um desses
                                  paralelismos é, por exemplo, o grande
                                  valor dado à importância da arte para
                                  o conhecimento humano. Também neste
                                  aspeto, Kant tinha aberto caminho para
                                  o Romantismo. Na sua estética, ele
                                  investigara o que sucede quando somos
                                  dominados por uma coisa bela, uma obra
                                  de arte, por exemplo. Quando vemos uma
                                  obra de arte sem outro interesse que o
                                  de «vivê-la» tão intensamente quanto
                                  possível, ultrapassamos o limite
                                  daquilo que podemos conhecer, ou seja,
                                  o limite da nossa razão. 
                              - Isso
                                  quer dizer que o artista nos
                                  proporciona algo que o filósofo não
                                  pode proporcionar-nos? 
                              - Era
                                  assim que Kant pensava, e juntamente
                                  com ele os românticos. [...] 
                              O poeta
                                  romântico inglês Coleridge exprimiu a
                                  mesma ideia do seguinte modo: 
                              (E se
                                    adormecesses? E se, no teu sono,
                                    sonhasses? E se, no teu sonho,
                                    subisses aos céus e ali colhesses
                                    uma estranha e bela flor? E ainda
                                    se, ao acordares, tivesses a flor na
                                    tua mão. Ah, como seria, então?) 
                                
                              - Que
                                  bonito! 
                              - Este
                                  desejo de algo longínquo e inatingível
                                  era típico dos românticos. Eles também
                                  podiam ter a nostalgia de um mundo
                                  desaparecido - por exemplo, a Idade
                                  Média, que no Iluminismo
                                  fora tida pela idade das trevas e era
                                  agora revalorizada. Ou tinham
                                  nostalgia de culturas distantes, por
                                  exemplo, o «Oriente» com a sua
                                  mística. E sentiam-se atraídos pela
                                  noite, por ruínas antigas e pelo
                                  sobrenatural. Preocupavam-se com
                                  aquilo a que chamamos o lado noturno
                                  da vida, ou seja, o obscuro, o lúgubre
                                  e místico. 
                              - Acho
                                  que parece uma época excitante. Mas
                                  quem eram então esses românticos? 
                              - O
                                  romantismo foi sobretudo um fenómeno
                                  urbano. [...] 
                              -
                                  Quando dizes «romântico», eu penso em
                                  grandes pinturas de paisagens. Vejo
                                  florestas misteriosas e a natureza
                                  selvagem... Envolvidas em névoa. 
                              - Aos
                                  traços mais característicos do
                                  Romantismo pertenciam efetivamente a
                                  nostalgia pela natureza e uma
                                  verdadeira mística natural. Era um
                                  fenómeno urbano, como disse - uma
                                  coisa deste género não surge no campo.
                                  Sabes que o estribilho «Regresso à
                                  natureza!» provém de Rousseau. Só
                                  então, no Romantismo, é que este mote
                                  recebeu um verdadeiro impulso. 
                              Gaarder, Jostein, O MUNDO
                                    DE SOFIA, 5ª edição, Editorial
                                    Presença, Lisboa, 1995 
                                   
                              
                                
                             
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                          Romantismo 
                                 | 
                         
                        
                           
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                              Romantismo
                                    é designação duma época determinada
                                    da História da Cultura - época mais
                                    ou menos longa, que, no caso
                                    português, abrange, conforme os
                                    pontos de vista: 1) de cerca de
                                    1770, quer dizer, do Pré-Romantismo
                                    aos nossos dias, entendendo-se,
                                    pois, o Realismo, o Simbolismo, O
                                    Modernismo como desdobramentos ou
                                    fases evolutivas dum primeiro
                                    Romantismo, consequência duma
                                    progressiva desagregação espiritual
                                    que arrasta o cerebralismo puro e,
                                    em contraste, a pura expansão das
                                    forças irracionais; 2) de cerca de
                                    1770 a 1865, data em que se produz a
                                    chamada Questão Coimbrã, primeira
                                    afirmação de rebelião da geração que
                                    fará o Realismo português; 3)
                                    excluído o Pré-Romantismo,
                                    - de 1825, data de publicação do
                                    poema Camões de Garrett,
                                    já de intenção romântica, a 1865.
                                    Alguns distinguem ainda entre
                                    Romantismo (no conceito mais
                                    restrito) e Ultrarromantismo,
                                    que seria o período final, com o
                                    postiço e os excessos que
                                    caracterizam a dissolução da escola;
                                    mas não parece fácil delimitar
                                    cronologicamente os dois conceitos,
                                    e mais convirá considerar
                                    «romantismo» e «ultrarromantismo»
                                    duas facetas paralelas, simultâneas,
                                    dum movimento único. Na verdade, A
                                      Noite do Castelo (1836) de
                                    Castilho ou certos trechos da
                                    «tragédia de família» que é a
                                    história de Fr. Dinis nas Viagens
                                    (1846) de Garrett
                                    não são menos «ultrarromânticos» que
                                    Soares de Passos ou João de Lemos;
                                    pelo contrário, os epígonos do
                                    Romantismo, como Bulhão Pato e Tomás
                                    Ribeiro (para já não falarmos num
                                    João de Deus) inclinam-se para uma
                                    estética de maior naturalidade. O
                                    que sucede é que os chefes de fila
                                    do Romantismo português (embora
                                    caindo por vezes nos defeitos que
                                    verberam) procuram manter-se
                                    sobranceiros ao folhetinesco, ao
                                    melodramático, à mecanização de
                                    processos expressionais - pechas que
                                    pejorativamente rotulam de
                                    «ultrarromânticas». E esses perigos
                                    não cessam de ameaçar o Romantismo
                                    ao longo da sua duração, apesar de Garrett,
                                    em 1844, os julgar conjurados: o
                                    público estaria cansado de
                                    «estimulantes violentos»; «depois
                                    das saturnais da escola
                                    ultrarromântica» (eis a palavra que
                                    surge) desejaria ordem e moderação
                                    («Memória
                                      ao Conservatório»). Nota E). A
                                    palavra será retomada por Camilo
                                    Castelo Branco, que virá a pôr de
                                    lado as receitas de «terror grosso»
                                    com que fabricou os Mistérios de
                                      Lisboa e o Livro Negro.
                                    Os mentores do Romantismo português
                                    procuram uma posição independente,
                                    equilibrada, de certo modo
                                    «antirromântica». 
                              Rigorosamente,
                                    só depois de 1836, quando as feridas
                                    causadas pelas lutas entre
                                    miguelistas e liberais começam a
                                    cicatrizar, o Romantismo se
                                    constitui em Portugal, como escola
                                    com os seus adeptos menores, as suas
                                    revistas, o seu público. Até lá,
                                    assistimos a tentativas isoladas,
                                    prefiguram-se casos individuais de
                                    pioneiros: Garrett
                                    canta a Saudade, idealiza um Camões
                                    romanesco, joguete do Destino,
                                    abjura as ficções pagãs, inspira-se
                                    nos romances populares (Camões,
                                    1825, D. Branca, 1826, Adozinda,
                                    1828) e durante o cerco do porto,
                                    sob o estímulo do romance histórico
                                    de Hugo, delineia O Arco de
                                      Santana; [...] Herculano,
                                    poeta em verdes anos, põe em versos
                                    austeros as fundas experiências do
                                    exílio e dos combates pela
                                    Liberdade, canta Deus e a Pátria (A
                                      Harpa do Crente, 1838). 
                              [...] 
                              O Romantismo
                                    português participa, está claro, das
                                    características do Romantismo
                                    europeu em geral; como sintetiza G.
                                    Díaz-Plaja, «à necessidade de seguir
                                    modelos clássicos, únicos, feitos de
                                    geometria e razão - universais,
                                    portanto -, opõe-se o direito de
                                    multiplicar os modelos segundo o
                                    clima e a época; de defender tantos
                                    cânones quantos os indivíduos, de
                                    preferir o típico ao arquetípico , o
                                    folclore ao gay saber, o
                                    pitoresco ao linear». O culto do
                                    diferente explica a literatura
                                    confessional, em que o eu
                                    liricamente se exibe na
                                    singularidade dos sentimentos e da
                                    imaginação, como explica ainda o
                                    nacionalismo estético, a valorização
                                    do que distingue uma cultura
                                    regional de todas as outras, logo o
                                    apreço do tradicional e do popular
                                    («Este é um século democrático -
                                    proclama Garrett
                                    -; tudo o que se fizer há-de ser
                                    pelo povo e com o povo»). E
                                    determina do mesmo passo o gosto de
                                    evocar a Idade Média (o distante no
                                    tempo, época de mais livre expansão
                                    dos impulsos, com o prestígio do
                                    ideal cavalheiresco) e o gosto
                                    exótico (o distante no espaço).
                                    Algumas vezes aflora, segundo a
                                    ideia de Rousseau, a ideia da
                                    bondade natural do indivíduo,
                                    pervertido e constrangido pela
                                    sociedade (nas Viagens de Garrett,
                                    por exemplo, e em Júlio Dinis);
                                    Camilo defende contra a sociedade os
                                    direitos dos que amam; mas a nota
                                    dominante é a do espiritualismo
                                    cristão, metafísica do pecado, da
                                    penitência e do resgate (Eurico,
                                    Fr.
Luís
                                        de Sousa, Romance
                                      dum Homem Rico), de mistura
                                    com o fatalismo radicado na mente
                                    popular e na literatura. Na temática
                                    da poesia e da ficção, a par do amor
                                    platónico, aspiração à mulher-anjo,
                                    como a Dulce d' O Bobo,
                                    abundam os sentimentos fortes,
                                    carregados - ciúme, vingança,
                                    desespero -, a exigirem o estilo
                                    exclamativo, «frenético». Aliás, não
                                    faltam os contemplativos, os
                                    plangitivos lamartinianos, que
                                    procuram no seio da natureza os
                                    prazeres da melancolia e os
                                    pressentimentos dum além-mundo. O
                                    Romantismo constitui, por outro
                                    lado, uma tomada de consciência, a
                                    conquista dum senso histórico
                                    (Herculano e discípulos) e dum senso
                                    crítico novo aplicado aos fenómenos
                                    da cultura (Garrett,
                                    A. P. Lopes de Mendonça). Começa-se
                                    a relacionar o Homem com o meio a
                                    que pertence, a época de que é
                                    produto. O instável Carlos das Viagens
                                    é expoente duma época de crise, um moderno
                                    que sofre de duplicidade amorosa e
                                    acaba por se emburguesar, passando
                                    de alma sensível a barão; o
                                    próprio Camilo, conquanto mais
                                    interessado pelas almas que pelas
                                    realidades sociais, flagela com
                                    aguda visão tipos e costumes dum
                                    Portugal em metamorfose (por ex., em
                                    A Queda dum Anjo). 
                              Entretanto
                                    podemos apontar alguns traços que
                                    dão fisionomia particular ao
                                    Romantismo português: estreitamente
                                    ligado à Revolução liberal de 1820,
                                    à emigração, à vitória sobre os
                                    miguelistas e à reforma das
                                    instituições, teve a chefiá-lo
                                    patriotas como Garrett e
                                    Herculano, que «mordiam o cartucho
                                    (no dizer de Camilo) com tanta
                                    seriedade de espírito como escreviam
                                    a Harpa do Crente ou O
                                      Arco de Santana», homens que
                                    entendiam a literatura como tarefa
                                    cívica, meio de ação pedagógica;
                                    cumpre notar que Portugal era um
                                    pequeno país decaído, humilhado,
                                    saudoso da grandeza perdida, e que
                                    portanto esses patriotas, confiantes
                                    nas virtudes da Liberdade, se
                                    propunham contribuir decisivamente
                                    para um renascimento pátrio; o
                                    espírito iluminístico, de
                                    racionalização da ordem social e
                                    difusão de «conhecimentos úteis»,
                                    encontrou atmosfera propícia depois
                                    de 1820, e sobretudo depois da
                                    Revolução de Setembro (1836); aliás
                                    os mentores do Romantismo português
                                    revelaram-se homens de bom-senso, de
                                    alicerces clássicos, inimigos de
                                    excessos, sem propensão mística, sem
                                    alardes messiânicos, antes de pés
                                    fincados na terra; note-se que
                                    lutaram contra a desmesura e a
                                    trivialidade «ultrarromânticas», que
                                    lamentaram a enxurrada de traduções
                                    de novelas francesas, fator de
                                    corrupção da língua vernácula e de
                                    dissolução da moral portuguesa
                                    antiga (isto apesar de um Garrett,
                                    um Camilo até, não hesitarem em
                                    atualizar a língua incorporando nela
                                    modos de dizer alienígenas). 
                              Feito um
                                    balanço, teremos de assinalar um
                                    exagerado historicismo (sobretudo
                                    medievalismo, ingenuamente
                                    convencional no teatro e no solau),
                                    que por demais desviou a atenção da
                                    realidade contemporânea; abundante,
                                    monótona produção lírica, muito
                                    prejudicada pela afetação piegas e
                                    pela estética da espontaneidade, do
                                    coração «ao pé da boca»
                                    (espontaneidade que o autor das Folhas
                                        Caídas, homem de apurado
                                    gosto, habilmente simulou sem de
                                    facto a praticar); frouxa crítica
                                    literária, se a confrontarmos com a
                                    de outros países. [...] restaurou-se
                                    o teatro, chegando Garrett a
                                    escrever uma verdadeira obra-prima,
                                    o Frei
                                        Luís de Sousa, drama
                                    romântico imbuído do espírito
                                    helénico, de trágica simplicidade;
                                    [...] 
                              Coelho, Jacinto do Prado,
                                    DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3ª edição,
                                    3º volume, Porto, Figueirinhas, 1979 
                                   
                              
                              
                                
                             
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                           | 
                          O
                                  termo e o conceito de romântico 
                               | 
                         
                        
                           
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                            O vocábulo
                                  "romântico", tal como "barroco" ou
                                  "clássico", apresenta uma história
                                  complexa. Do advérbio latino romanice,
                                  que significava «à maneira dos
                                  romanos», derivou em francês o
                                  vocábulo romanz, escrito rommant
                                  depois do século XII e roman a
                                  partir do século XVII. A palavra rommant
                                  designou primeiramente a língua
                                  vulgar, por oposição ao latim, tendo
                                  vindo depois a designar também uma
                                  certa espécie de composição literária
                                  escrita em língua vulgar, em verso ou
                                  em prosa, cujos temas consistiam em
                                  complicadas aventuras heroicas ou
                                  corteses. 
                            [...] 
                            No século XVII,
                                  o adjetivo inglês romantic
                                  significa «como os antigos romances»,
                                  e pode qualificar uma paisagem, uma
                                  cena ou um monumento - [...] -, ou
                                  pode oferecer um significado
                                  estético-literário. [...] 
                            Não admira que
                                  na atmosfera racionalista que envolve
                                  a cultura europeia desde os finais do
                                  século XVII, o vocábulo romantic
                                  passe a significar quimérico,
                                  ridículo, absurdo - qualidades (ou
                                  defeitos) que se atribuíram
                                  precisamente aos romances e poemas
                                  romanescos, quer na literatura
                                  medieval, quer de Ariosto, de Boiardo,
                                  etc. Tal como "gótico", romântico
                                  designa, na época do iluminismo,
                                  tudo o que é produzido pela imaginação
                                  desordenada, aquilo que é
                                  inacreditável e que reflete um gosto
                                  artístico irregular e mal esclarecido. 
                            No entanto, a
                                  par deste significado pejorativo, a
                                  palavra que vimos a analisar oferece
                                  no século XVIII um outro sentido: à
                                  medida que a imaginação adquire
                                  importância e à medida que se
                                  desenvolvem formas novas de
                                  sensibilidade, romantic passa
                                  a designar o que agrada à imaginação,
                                  o que desperta o sonho e a comoção da
                                  alma, aplicando-se às montanhas, às
                                  florestas, aos castelos, etc. Nesta
                                  aceção - que, como foi dito acima, já
                                  remonta ao século XVII -, foi-se
                                  obliterando a conexão do vocábulo com
                                  o género literário do romance,
                                  tendo vindo romantic a
                                  exprimir sobretudo os aspetos
                                  melancólicos e selvagens da natureza. 
                            O vocábulo
                                  inglês romantic era vertido
                                  para francês ora por romanesque,
                                  ora por pittoresque. Em 1776,
                                  porém, Letourneur, no prefácio da sua
                                  tradução da obra de Shakespeare,
                                  distingue romantique de romanesque
                                  e de pitoresque, analisando os
                                  respetivos matizes semânticos e
                                  expondo os motivos que levaram a
                                  preferir romantique, «palavra
                                  inglesa»: o vocábulo, segundo
                                  Letourneur, «encerra a ideia dos
                                  elementos associados de uma maneira
                                  nova e variada, própria para espantar
                                  os sentidos», evocando, além disso, o
                                  sentimento de terna emoção que se
                                  apodera da alma perante uma paisagem,
                                  um monumento, uma cena, etc. Em 1777,
                                  o marquês de Girardin, na sua obra De
                                    la composition des paysages, usa
                                  igualmente o adjetivo romantique,
                                  mas a palavra adquire definitivamente
                                  direito de cidadania na língua
                                  francesa, quando Rousseau, num passo
                                  famoso das suas Rêveries d'un
                                    promeneur solitaire, escreve que
                                  «as margens do lago de Bienne são mais
                                  selvagens e românticas do que as do
                                  lago de Genebra». Através do francês,
                                  o vocábulo penetrou depois noutras
                                  línguas, como o espanhol e o
                                  português. 
                            Voltemos,
                                  todavia, ao significado literário da
                                  palavra romântico, que, como
                                  ficou acima exposto, está já
                                  documentado no século XVII. O vocábulo
                                  romantic reaparece, com um
                                  sentido similar ao que apresenta no
                                  texto já mencionado de Rymer, na History
                                    of english poetry (1774) de
                                  Thomas Warton, cuja introdução se
                                  intitula «The origin of romantic
                                  fiction in Europe». Para Warton, o
                                  termo romantic designa a
                                  literatura medieval e parte da
                                  literatura que se afasta da literatura
                                  renascentista (Ariosto, Tasso,
                                  Spenser), isto é, uma literatura que
                                  se afasta das normas e convenções
                                  vigentes na literatura greco-latina e
                                  no neoclassicismo.
                                  [...] 
                            A par deste
                                  conceito latamente histórico de
                                  literatura romântica, aparece também
                                  com frequência, no início do século
                                  XIX, um conceito tipológico de
                                  romantismo, corporizado principalmente
                                  na oposição clássico-romântico.
                                  Goethe reivindicou a paternidade desta
                                  famigerada distinção, mas foi
                                  indubitavelmente August Wilhelm
                                  Schlegel quem, inspirando-se em boa
                                  parte na oposição estabelecida por
                                  Schiller entre poesia ingénua
                                  e poesia sentimental, elaborou
                                  a mais sistemática e mais influente
                                  exposição sobre as diferenças
                                  existentes entre a arte clássica e a
                                  arte romântica. Na décima terceira
                                  lição do seu Curso de literatura
                                    dramática, A. W. Schlegel
                                  caracteriza a arte clássica como uma
                                  arte que exclui todas as antinomias,
                                  ao contrário da arte romântica, que se
                                  compraz na simbiose dos géneros e dos
                                  elementos heterogéneos: natureza e
                                  arte, poesia e prosa, ideias abstratas
                                  e sensações concretas, terrestre e
                                  divino, etc.; a arte antiga é uma
                                  espécie de «nomos rítmico, uma
                                  revelação harmoniosa e regular da
                                  legislação - fixada para sempre - de
                                  um mundo ideal em que se refletem os
                                  arquétipos eternos das coisas», ao
                                  passo que a poesia romântica «é
                                  expressão de uma misteriosa e secreta
                                  aspiração pelo Caos incessantemente
                                  agitado a fim de gerar novas e
                                  maravilhosas coisas»; a inspiração da
                                  arte clássica era simples e clara,
                                  diferentemente do génio romântico que,
                                  «apesar do seu aspeto fragmentário e
                                  da sua desordem aparente, está contudo
                                  mais perto do mistério do universo,
                                  porque, se a inteligência jamais pode
                                  apreender em cada coisa isolada senão
                                  uma parte da verdade, o sentimento, em
                                  contrapartida, ao abranger todas as
                                  coisas, compreende tudo e em tudo
                                  penetra»; [...] 
                            Nas literaturas
                                  espanhola e portuguesa, aparecem os
                                  primeiros grupos românticos durante a
                                  terceira década do século XIX,
                                  concomitantemente com a instauração de
                                  regimes liberais nos dois países da
                                  Península Ibérica e com o regresso de
                                  exilados que, na França e na
                                  Inglaterra, haviam conhecido as novas
                                  tendências estético-literárias. 
                            Aguiar
                                  e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
                                  LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
                                  Livraria Almedina, 1982 
                                 
                            
                           | 
                         
                        
                           
                           | 
                          
                            
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                           | 
                           
                           | 
                         
                        
                           
                           | 
                          Diversidade
e
unidade
do
                                  romantismo europeu 
                                 | 
                         
                        
                           
                           | 
                           
                             
                            Num importante
                                  estudo que consagrou ao romantismo,
                                  René Wellek defende, contra o parecer
                                  de Arthur Lovejoy e de outros
                                  críticos, que o romantismo constitui
                                  de facto um movimento unificado,
                                  oferecendo através da Europa «a mesma
                                  conceção da poesia, das obras e da
                                  natureza da imaginação poética, a
                                  mesma conceção da natureza e das suas
                                  relações com o homem e, basicamente, o
                                  mesmo estilo poético, com um uso da
                                  imagística, do simbolismo e do mito
                                  que é claramente distinto do do neoclassicismo
                                  do século XVIII». Na verdade, se se
                                  verificam assincronias e diferenças
                                  mútuas acentuadas entre as várias
                                  literaturas românticas europeias, não
                                  é menos certo que em todos os
                                  movimentos românticos nacionais se
                                  revelam alguns princípios basilares
                                  que permanecem constantes e que
                                  conferem unidade substancial ao
                                  período romântico. Os princípios
                                  mencionados por René Wellek - idêntica
                                  conceção da poesia, da imaginação
                                  poética, da criação artística, etc. -
                                  são inquestionavelmente de primeira
                                  importância, mas promanam de um outro
                                  princípio mais geral que constitui o
                                  fundamento primário de toda a estética
                                  e de toda a psicologia românticas -
                                  uma nova conceção do eu, uma nova
                                  forma de Weltanschauung,
                                  radicalmente diferentes da conceção do
                                  eu e da Weltanschauung típicas
                                  do racionalismo iluminista. 
                            Aguiar
                                  e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
                                  LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
                                  Livraria Almedina, 1982 
                             
                           | 
                         
                        
                           
                           | 
                          
                            
  | 
                         
                        
                           
                           | 
                           
                           | 
                         
                        
                           
                           | 
                          O
                                  idealismo alemão e o romantismo 
                                 | 
                         
                        
                           
                           | 
                           
                             
                                  A conceção do Eu elaborada pela
                                  filosofia idealista germânica,
                                  sobretudo por Fichte e Schelling,
                                  constitui um dos elementos dorsais do
                                  romantismo alemão e, de modo difuso,
                                  de todo o romantismo europeu. 
                            Desenvolvendo,
                                  como ele próprio reconheceu, alguns
                                  conceitos do pensamento kantiano,
                                  Fichte desviou de modo total a
                                  filosofia dos objetos exteriores,
                                  superando assim a posição de Kant, que
                                  conservara os conceitos de «coisa em
                                  si» e de «númeno». Para Fichte, o Eu
                                  constitui a realidade primordial e
                                  absoluta, tal como a consciência de si
                                  representa o «princípio absoluto de
                                  todo o saber». O Eu fichtiano
                                  afirma-se a si próprio, revelando-se
                                  como Eu absoluto, pois «a sua essência
                                  consiste unicamente no facto de se
                                  afirmar ele próprio como sendo», e
                                  como Eu puro, pois o Eu é uma
                                  atividade pura, isto é, uma atividade
                                  que não pressupõe um objeto para se
                                  realizar: «Eu sou muito simplesmente o
                                  que sou, e eu sou muito simplesmente
                                  porque sou». Quer dizer, o Eu é
                                  simultaneamente agente e produto da
                                  ação, tendo Fichte definido esta
                                  natureza dupla e ao mesmo tempo única
                                  do Eu com o vocábulo Tathandlung.
                                  A atividade pura do Eu e o Eu puro são
                                  infinitos, definindo-se esta atividade
                                  pura como a «faculdade absoluta de
                                  produção dirigindo-se para o ilimitado
                                  e o ilimitável», isto é, definindo-se
                                  como a infinitude do Eu. Se, num
                                  primeiro momento, o Eu se auto-afirma,
                                  a sua atividade não é possível sem uma
                                  oposição: o Eu opõe-se a um não-Eu.
                                  Desta oposição, que obriga o Eu a
                                  refletir-se e a limitar-se, depende a
                                  consciência - que tem de ser
                                  consciência de alguma coisa - e o
                                  desdobramento do ideal e do real, do
                                  conhecer e do ser. 
                            A teoria
                                  fichtiana do Eu absoluto influenciou
                                  profundamente a conceção romântica do
                                  eu e do universo, pois os românticos,
                                  interpretando erroneamente o
                                  pensamento de Fichte, identificaram o
                                  Eu puro com o eu do indivíduo, com o
                                  génio individual, e transferiram para
                                  este a dinâmica daquele. O espírito
                                  humano, para os românticos, 
                                  constitui uma entidade dotada de uma
                                  atividade que tende para o infinito,
                                  que aspira a romper os limites que o
                                  constringem, numa busca incessante do
                                  absoluto, embora este permaneça sempre
                                  como um alvo inatingível. Energia
                                  infinita do eu e anseio do absoluto,
                                  por um lado; impossibilidade de
                                  transcender de modo total o finito e o
                                  contingente, por outra banda - eis os
                                  grandes pólos entre os quais se
                                  desdobra a aventura do eu romântico.
                                  «Por toda a parte procuramos o
                                  Absoluto», escreve Novalis num dos
                                  seus Fragmentos, «e nunca
                                  encontramos senão objetos». 
                            O mundo
                                  romântico, diferentemente do mundo
                                  humanístico e do mundo iluminista,
                                  está radicalmente aberto ao
                                  sobrenatural e ao mistério, pois
                                  representa apenas «uma aparição
                                  evocada pelo espírito». No prólogo da
                                  segunda parte do romance de Novalis Heinrich
                                    von Ofterdingen, Astralis grita:
                                  « Espírito da terra, o teu tempo
                                  passou!» Tudo o que é visível e
                                  palpável não representa o real
                                  verdadeiro, pois que o autêntico real
                                  não é percetível aos sentidos. O
                                  verdadeiro conhecimento exige que o
                                  homem desvie o olhar de tudo quanto o
                                  rodeia e desça dentro de si próprio,
                                  lá onde mora a verdade tão
                                  ansiosamente procurada: «É para o
                                  interior que se dirige o caminho
                                  misterioso. Em nós, ou em parte
                                  nenhuma, estão a eternidade e os seus
                                  mundos, o futuro e o passado. O mundo
                                  exterior é o universo das sombras»,
                                  conclui Novalis. 
                            Aguiar
                                  e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
                                  LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
                                  Livraria Almedina, 1982 
                                 
                            
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                           | 
                          Prometeu - uma
                                  figura mítica dos românticos 
                                 | 
                         
                        
                           
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                            A aventura do eu
                                  romântico apresenta uma feição de
                                  declarado titanismo,
                                  configurando-se o herói romântico como
                                  um rebelde que se ergue, altivo e
                                  desdenhoso, contra as leis e os
                                  limites que o oprimem, que desafia a
                                  sociedade e o próprio Deus. Prometeu é
                                  a figura mítica que os românticos
                                  frequentemente exaltam como símbolo e
                                  paradigma da condição titânica do
                                  homem, pois que, tal como Prometeu, é
                                  o homem um ser em parte divino, um
                                  «turvo rio nascido de uma fonte pura»,
                                  cujo destino é urdido de miséria,
                                  solidão e rebeldia, mas que triunfa
                                  deste destino pela revolta e
                                  transformando em vitória a própria
                                  morte, como proclamou Byron: «Na tua
                                  paciente energia, na resistência e na
                                  revolta do teu invencível Espírito,
                                  que nem a Terra nem o Céu puderam
                                  abalar, herdámos nós uma poderosa
                                  lição; tu és para os Mortais um
                                  símbolo e um sinal do seu destino e da
                                  sua força. Como tu, o Homem é em parte
                                  divino, um turvo rio nascido de uma
                                  fonte pura; e o Homem pode prever
                                  fragmentariamente o seu destino
                                  mortal, a sua miséria, a sua revolta,
                                  a sua triste existência solitária, ao
                                  que o seu Espírito pode opor a sua
                                  essência à altura de todas as dores,
                                  uma vontade firme e uma consciência
                                  profunda que, mesmo na tortura, pode
                                  descobrir a sua recompensa concentrada
                                  em si própria, pois que triunfa quando
                                  ousa desafiar e porque faz da Morte
                                  uma Vitória. [...] 
                            Aguiar
                                  e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
                                  LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
                                  Livraria Almedina, 1982 
                             
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                           | 
                          O
                                  exotismo e o medievalismo 
                                 | 
                         
                        
                           
                           | 
                           
                            Palácio
                                    da Pena - Sintra 
                             
                            
                             Profundamente
                                  desgostado da realidade circundante -
                                  encarnação do efémero, do finito e do
                                  imperfeito -, em conflito latente ou
                                  declarado com a sociedade, lacerado
                                  pelos seus demónios íntimos, o
                                  romântico procura ansiosamente a
                                  evasão: evasão no sonho e no
                                  fantástico, na orgia e na dissipação,
                                  ou evasão no espaço e no tempo. 
                            A evasão no
                                  espaço conduz ao exotismo, ao gosto
                                  pelos costumes e paisagens de países
                                  novos e estranhos, e, por vezes, ao
                                  gosto pelo bárbaro e primitivo. 
                            O exotismo
                                  revelara-se já na literatura pré-romântica,
                                  mas desenvolveu-se grandemente com os
                                  românticos, satisfazendo ao mesmo
                                  tempo os seus anseios de evasão e a
                                  exigência da verdade na pintura do
                                  homem e dos seus costumes. Por isso
                                  mesmo, a cor local, ou seja a
                                  reprodução fiel e pitoresca dos
                                  aspetos característicos de um país,
                                  uma região, uma época, etc., constitui
                                  um dos recursos mais vulgarizados na
                                  arte romântica. 
                            Entre os países
                                  europeus, a Itália e a Espanha, países
                                  de paisagens e costumes tão
                                  característicos, de contrastes
                                  violentos e de paixões exaltadas,
                                  representaram as grandes fontes
                                  europeias do exotismo romântico; fora
                                  da Europa, o Oriente, com o seu
                                  mistério, o fascínio das suas
                                  tradições, das suas cores e dos seus
                                  perfumes, transformou-se no mito
                                  central do exotismo dos românticos. 
                            A evasão no
                                  tempo conduziu à reabilitação e à
                                  glorificação da Idade Média, época
                                  histórica particularmente denegrida
                                  pelo racionalismo iluminista. A Idade
                                  Média atraía a sensibilidade e a
                                  imaginação românticas pelo pitoresco
                                  dos seus usos e costumes, pelo
                                  mistério das suas lendas e tradições,
                                  pela beleza nostálgica dos seus
                                  castelos, pelo idealismo dos seus
                                  tipos humanos mais relevantes - o
                                  cavaleiro, o monge, o cruzado... -,
                                  mas solicitava também o espírito dos
                                  românticos por outras razões mais
                                  poderosas. 
                            As primeiras
                                  gerações românticas europeias
                                  apresentam-se impregnadas, em larga
                                  medida, de uma ideologia reacionária,
                                  contraposta aos princípios
                                  revolucionários de 1789 e ao
                                  racionalismo ateu do «século das
                                  luzes». Para estes românticos,
                                  católicos e antirrevolucionários, a
                                  Idade Média representava uma época de
                                  segurança e de estabilidade política,
                                  social e cultural, que se contrapunha
                                  à tendência individualista e
                                  desagregadora do liberalismo europeu,
                                  herdeiro da Revolução Francesa.
                                  Friedrich Schlegel, por exemplo, opõe
                                  a solidez orgânica e a saúde moral da
                                  sociedade medieva, fundamentada nos
                                  princípios cristãos, à anarquia e ao
                                  individualismo pagão dos tempos
                                  modernos. [...] 
                            Aguiar
                                  e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
                                  LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
                                  Livraria Almedina, 1982 
                                 
                            
                           | 
                         
                        
                           
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                           | 
                           
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                           | 
                          A
                                  religiosidade romântica 
                                 | 
                         
                        
                           
                           | 
                           
                             
                            A valorização do
                                  inconsciente, da intuição e das
                                  faculdades místicas constitui, como
                                  temos referido, um aspeto importante
                                  do romantismo. A revivescência do
                                  ideal religioso, após o parcial
                                  eclipse das crenças religiosas gerado
                                  pelo racionalismo iluminista,
                                  integra-se nesta vaga de misticismo e
                                  de arracionalismo românticos. 
                            Visceralmente
                                  individualista e egotista, o romântico
                                  dificilmente aceita uma ortodoxia
                                  baseada num corpo de dogmas e
                                  garantida pela autoridade de uma
                                  hierarquia. A sua religiosidade é
                                  preponderantemente de natureza
                                  sentimental e intuitiva; o seu diálogo
                                  com a divindade tende a dispensar a
                                  mediação do sacerdote e o formalismo
                                  dos ritos, desenrolando-se na
                                  intimidade da consciência. Na senda da
                                  «Profession de foi du vicaire
                                  savoyard» de Jean-Jacques Rousseau, os
                                  românticos descobriram e cultuaram
                                  Deus nos astros e nas águas do mar,
                                  nas montanhas e nos prados, no vento,
                                  nas árvores e nos animais, em tudo o
                                  que existe nas intérminas plagas do
                                  universo. O panteísmo representa, com
                                  efeito, a forma de religiosidade mais
                                  frequente entre os românticos. [...] 
                            Aguiar e Silva,
                                  Vítor Manuel de, TEORIA DA LITERATURA,
                                  4ª edição, Coimbra, Livraria Almedina,
                                  1982 
                             
                           | 
                         
                        
                           
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                           | 
                          Formas e
                                  estilo 
                                 | 
                         
                        
                           
                           | 
                           
                             
                            O romantismo
                                  libertou a criação literária das
                                  coações advindas das regras, condenou
                                  a teoria neoclássica dos géneros
                                  literários, reagiu violentamente
                                  contra a conceção dos escritores
                                  gregos e latinos como autores
                                  paradigmáticos, fonte e medida de
                                  todos os valores artísticos. 
                            Muitas formas
                                  literárias características do neoclassicismo,
                                  tais como a tragédia, as odes
                                  pindáricas e sáficas, a égloga, etc.,
                                  entraram em total decadência no
                                  período romântico, ao passo que se
                                  desenvolveram singularmente formas
                                  literárias novas como o drama, o
                                  romance histórico, o romance
                                  psicológico e de costumes, a poesia
                                  intimista e a poesia filosófica, o
                                  poema em prosa, etc. 
                            A língua e o
                                  estilo transformaram-se profundamente,
                                  enriquecendo-se em particular no
                                  domínio do adjetivo e da metáfora. A
                                  linguagem literária abandonou os
                                  artifícios expressivos de origem
                                  mitológica, verdadeiros tópicos da
                                  tradição literária dos séculos
                                  anteriores, já surrados e desprovidos
                                  de qualquer capacidade poética, ao
                                  mesmo tempo que se aproximava da
                                  realidade e da vida: «Sem renunciar à
                                  sintaxe e à disciplina poética, o
                                  romântico reagiu, em geral, contra a
                                  tirania da gramática e combateu o
                                  estilo nobre e pomposo, que
                                  considerava incompatível com o natural
                                  e o real, e defendeu o uso de uma
                                  língua libertada, simples, sem ênfase,
                                  coloquial, mais rica». Igual tendência
                                  para a liberdade se verificou no
                                  domínio da versificação. 
                            Aguiar
                                    e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA
                                    LITERATURA, 4ª edição, Coimbra,
                                    Livraria Almedina, 1982 
                                 
                            
                           | 
                         
                        
                           
                           | 
                          
                            
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                           | 
                           
                           | 
                         
                        
                           
                           | 
                          Características
                                  do Romantismo 
                                 | 
                         
                        
                           
                           | 
                           
                             
                            
                              - 
                                
Quanto
                                        ao público que lê 
                                a)
                                        Democratização. 
                               
                             
                            Deixa a nova
                                  literatura de ser só para reis, para
                                  fidalgos ou para círculos fechados de
                                  eruditos e torna-se a literatura do
                                  povo. O livro de cordel, o jornal, o
                                  romance picaresco, até mesmo o D.
                                    Quixote de Cervantes tinham
                                  arroteado o caminho a seguir pela obra
                                  romântica, entusiasmando a burguesia.
                                  Para esta classe, ávida de ler, se
                                  destina a literatura do Romantismo. Os
                                  burgueses é que vão ser os seus
                                  consumidores mais assíduos. 
                            O povo humilde
                                  continuará analfabeto. [...] 
                            Mas pelo menos é
                                  curioso constatar que a poesia das
                                  décadas de 840 e 850 e sobretudo a
                                  ultrarromântica invadiu infrene o
                                  interior das famílias burguesas,
                                  ficando profundamente ligada ao
                                  mundanismo, à vida cívica:
                                  escreviam-se versos em álbuns,
                                  acompanhavam-se poemas a canto e piano
                                  nos salões, havia recitais poéticos em
                                  festas de beneficência e patrióticas,
                                  promoviam-se saraus literários. 
                            Foi por este
                                  motivo que se assistiu então a uma
                                  típica «aculturação» da mulher
                                  burguesa com a aprendizagem da língua
                                  francesa e da música. 
                            
                              b) Tom
                                      de mensagem ao próximo. 
                             
                            A obra literária
                                  literária não é já um mundo fechado de
                                  valores para eleitos; é uma
                                  comunicação franca de ideias práticas
                                  e vitais a todo o leitor. Envereda
                                  até, uma vez ou outra, pelos caminhos
                                  da denúncia social e do
                                    empenhamento político. 
                            
                              - 
                                
Quanto
                                        ao génio criador 
                               
                             
                            Vai notar-se o
                                  predomínio da emoção, do sentimento
                                  sobre a razão e o espírito ordenador
                                  dos clássicos; isto é, vai sobrepor-se
                                  o culto do «eu» e dos direitos do
                                  coração às imposições orientadoras da
                                  inteligência (reação contra o
                                  racionalismo clássico). 
                            
                              - 
                                
Quanto
                                        aos temas 
                                a)
                                        Culto da Idade Média. O
                                        «historicismo». 
                               
                             
                            O Romantismo
                                  deixou de ter admiração por tudo
                                  quanto era greco-romano e baniu de vez
                                  o uso da mitologia. A Idade Média,
                                  tempo admirável em que o povo ajudava
                                  os reis a criar nações e em que os
                                  mesteirais, organizados em
                                  corporações, tinham iniludível valor
                                  político-social, seduziu com as suas
                                  narrações cheias de peripécias os
                                  românticos, visceralmente opostos aos
                                  absolutismos e partidários em política
                                  da soberania do povo. 
                            Esta evasão para
                                  os tempos medievos proporcionou aos
                                  escritores o contacto com lugares,
                                  factos e tipos capazes de inspirarem a
                                  imaginação mais fria: castelos
                                  musgosos, lendas e tradições,
                                  cavaleiros, monges, cruzados, mouros,
                                  judeus. 
                            Note-se, porém,
                                  que os temas de atualidade não foram
                                  postergados (por exemplo em Viagens
                                    na Minha Terra de Garrett)
                                  e até estiveram em voga nas poesias
                                  revolucionárias dos epígonos do
                                  Romantismo, para só falarmos no caso
                                  português. 
                            
                              b)
                                      Novo modo de ver a paisagem. 
                             
                            À idealização do
                                  «locus amoenus» prefere o romântico a
                                  descrição do «locus horrendus», e bem
                                  carregada nas tintas. 
                            Despreza, por
                                  isso, o bucolismo de «ervas verdes e
                                  águas cristalinas» e o entusiasmo
                                  vai-lhe todo para a paisagem agreste,
                                  exótica, para a selva virgem com sua
                                  típica desordem, com suas asperezas e
                                  impetuosidades, com suas cataratas e
                                  rios caudalosos. A paisagem noturna,
                                  sepulcral, luarenta, é a que melhor se
                                  adapta aos sentimentos melancólicos
                                  dos autores. Às vezes, num
                                  semipanteísmo, o romântico vê-se
                                  embebido na mesma paisagem, a fazer um
                                  todo com ela e com ela identificando o
                                  seu estado de espírito. Ela como que
                                  se transfigura em símbolos. O poeta
                                  romântico tem com ela uma espécie de
                                  contacto sensual que quase o leva ao
                                  êxtase. 
                            
                              c)
                                      Preferência pelo homem na sua
                                      realidade total. 
                             
                            Sabemos que a
                                  beleza para o escritor clássico
                                  residia na imitação da natureza, não
                                  no particular, mas no universal. Em
                                  vez de criar tipos verosimilhantes aos
                                  seres individualizados e reais,
                                  idealizava seres com todas as
                                  perfeições e sem quaisquer defeitos. 
                            O autor
                                  romântico procede de maneira
                                  diferente: movimenta nas suas obras
                                  todos os tipos humanos. Sente gosto em
                                  referir com pormenor os traços
                                  individuais dos heróis, não tendo pejo
                                  de colocar ao lado de pessoas sãs os
                                  marginais, os fora de lei, os aleijões
                                  tanto morais como físicos: o ladrão, o
                                  pirata, o assassino, o traidor, o
                                  perjuro, i incestuoso, o adúltero, a
                                  prostituta, o sacrílego, o cego, o
                                  corcunda, o mutilado. Às vezes, não
                                  teme aliar a elevação de sentimentos à
                                  hediondez física (como acontece, por
                                  exemplo, nestas personagens muito
                                  conhecidas: o sineiro Quasimodo de Nossa
                                    Senhora de Paris, de Vítor Hugo,
                                  e o jardineiro Belchior de A
                                    Escrava Isaura, de Bedrnardo
                                  Guimarães). 
                            
                              d)
                                      Intimismo e melancolia. Evasão. 
                             
                            Desde Bernardim
                                  e Rodrigues Lobo que o romance
                                  português vinha explorando uma
                                  melancolia patológica, a oscilar entre
                                  o pessimismo confessado e os desejos
                                  de um contentamento e de uma
                                  satisfação sempre longínquos. Agora,
                                  porém, mais do que nunca vai o homem
                                  romântico expandir o que nele há de
                                  mais pessoal e íntimo, a começar pela
                                  sensibilidade e voos da fantasia e a
                                  acabar nos impulsos do subconsciente.
                                  Daí que, ao contrário dos clássicos,
                                  sinta doce volúpia no sofrimento e
                                  prefira registar situações de dor e de
                                  melancolia, e ambientes de
                                  nebulosidade nórdica como o
                                  entardecer, o escurecer, a noite, as
                                  florestas sombrias, as cavernas, as
                                  ruínas, os agouros, os sonhos, a
                                  morte. A personagem romântica,
                                  mergulhada nesta melancolia
                                  pessimista, procura evadir-se umas
                                  vezes para o além-morte através do
                                  suicídio, outras vezes para o
                                  convento, o sacerdócio, a solidão, a
                                  loucura. 
                            
                              e)
                                      Exaltação do que é nacional e
                                      popular. 
                             
                            A cultura
                                  francesa do século XVIII tinha
                                  unificado espiritualmente a Europa;
                                  Napoleão Bonaparte tentou a unificação
                                  política. Como reação, es escritores
                                  românticos procuram exaltar tudo
                                  quanto é nacional, tudo quanto é
                                  popular. E crêem que a alma dos
                                  nacionalismos europeus incarnou no
                                  povo da Idade Média e no povo se tem
                                  mantido inalterada. O popular e o
                                  folclórico adquirem, desta maneira, um
                                  grande prestígio junto da nova escola. 
                            Foi por isso que
                                  a literatura romântica cedo adquiriu
                                  um caráter cívico e patriótico e
                                  enveredou a pouco e pouco pelo
                                  historicismo, tratando com muito
                                  carinho figuras nacionais. 
                            
                              - 
                                
Quanto
                                        aos aspetos formais 
                                a)
                                        Independência criativa. 
                               
                             
                            O génio criador
                                  agora não pode estar sujeito a normas
                                  férreas, como eram as da estética
                                  clássica. Essas normas são totalmente
                                  banidas, pois convertem a arte num
                                  puro mecanismo. O escritor romântico
                                  voa nas asas da imaginação, dos seus
                                  sentimentos e instintos. Criará obra
                                  estritamente pessoal. Não admite mais
                                  a divisão dos géneros clássicos. Com
                                  exceção do soneto, que conserva,
                                  inventa novos agrupamentos estróficos.
                                  Opõe-se tenazmente à imitação
                                  paradigmática dos escritores gregos e
                                  romanos. 
                            
                              [...] 
                             
                            
                              - 
                                
Confronto
                                        entre as tendências do
                                        Classicismo e do Romantismo 
                               
                             
                             
                            
                              
                                
                                  Classicismo 
                                   | 
                                  Romantismo 
                                   | 
                                 
                                
                                  | A razão, a
                                      inteligência  | 
                                  O coração, a
                                      sensibilidade, a imaginação
                                   | 
                                 
                                
                                  | O geral, o
                                      universal  | 
                                  O particular,
                                      o individual  | 
                                 
                                
                                  | O objetivo, o
                                      impessoal  | 
                                  O subjetivo,
                                      o pessoal  | 
                                 
                                
                                  | A vontade, o
                                      heroísmo  | 
                                  A melancolia,
                                      o abatimento  | 
                                 
                                
                                  | A
                                      inteligência, as abstrações
                                   | 
                                  As sensações,
                                      a sensibilidade  | 
                                 
                                
                                  | A clareza, a
                                      ordenação  | 
                                  O mistério, o
                                      sonho, a meditação  | 
                                 
                                
                                  | O paganismo
                                   | 
                                  O
                                      cristianismo  | 
                                 
                                
                                  | O culto da
                                      antiguidade greco-latina  | 
                                   O culto da
                                      Idade Média e dos tempos modernos | 
                                 
                                
                                  | O
                                      aristocrático, o nobre, o
                                      tradicionalista | 
                                  O popular, o
                                      pitoresco, a paisagem | 
                                 
                              
                             
                             
                            (Cfr.
                                  Vergínia Mota, Manual de História
                                    da Literatura Portuguesa, 2ª
                                  edição, Lisboa, pág. 169). 
                                 
                            
                              Barreiros,
                                    António José, HISTÓRIA DA LITERATURA
                                    PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição,
                                    Braga, Livraria Editora Pax, Lda,
                                    1992 
                             
                             
                           | 
                         
                      
                     
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