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Parnasianismo
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O vocábulo Parnasianismo deriva de
parnaso, monte da antiga
Grécia, na Fócida, consagrado a Apolo, deus da
poesia, e às musas.
Como
designação de escola
literária, deve a sua origem ao título da
publicação francesa Le
Parnasse Contemporain. (Trata-se de uma
revista ou coletânea,
editada pelo livreiro parisiense Lemerre, a
partir de 1866, na qual se
publicaram as primeiras obras poéticas que
reagiram contra o Romantismo.
Barreiros,
António José, HISTÓRIA DA LITERATURA
PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição,
Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992
A necessidade
de objetivar ou despersonalizar a poesia tomou
vulto em França nos
meados do séc. XIX. É sempre algo fictícia a
tarefa de rotular poetas e
delimitar o âmbito de uma escola literária,
até porque as revoluções do
pensamento e do gosto germinam já em épocas
anteriores àquela em que se
declaram. Foi a saturação das «indecorosas
carpiduras românticas», o
pudor do egolatrismo, que, até certo ponto,
determinou o movimento
parnasiano. Já em Vigny, porém, se afirmara
uma reação anti-romântica,
na rejeição da confidência, na transposição
dramática da experiência
íntima; e Vítor Hugo tentara operar a
transição do individual para o
geral. Com toda a complexidade que os seus
múltiplos expoentes lhe
trazem, o Parnasianismo francês, que ao
mundo ditou os moldes de
uma nova estética, concentra-se, como teoria,
em torno do ideal da Arte
pela Arte, renovado programaticamente (pois se
trata de uma posição
eterna do espírito) por volta de 1830.
Prende-se esta atitude com o
repúdio da tendência para tornar a arte útil,
para colocar ao serviço
da sociedade (o Romantismo,
imbuído de humanitarismo e apologética,
culminara na grande poesia de
combate e redenção política de Vítor Hugo; as
teorias de Saint-Simon e
de Proudhon alastravam pela literatura, ao
mesmo tempo que nela
ecoavam, por exemplo, o agressivo catolicismo
militante de Barbey d'
Aurevilly ou a voz de Lamennais, conciliando a
fé cristã e a crença no
progresso social). Foi contra esta invasão, de
intensidade vital, de
elementos polémicos na literatura, que se
insurgiu a arte impassível de
Téophile Gautier, voluntariamente arredado do
tumulto, estranho a
quaisquer preocupações político-sociais. Com a
sua poemática plástica,
minuciosa, mera reprodução de formas e de
cores, ele valorizou o culto
da beleza, o aprimorado artesanato do poeta.
Assim, não obstante o que
de consciência democrática se encontre em
Leconte de Lisle ou de
profunda simpatia humana no lirismo menor de
François Coppée, a mais
característica poesia parnasiana definir-se-á
pela serenidade, pelo
espectadorismo escrupuloso, pela soberana
eleição da forma,
ambicionando uma fixidez escultórica. O
próprio nome do monte da antiga
Hélada consagrado a Febo e às musas contém já
em si uma sugestão de
euritmia, de sorridente tranquilidade - o
ideal aplíneo. [...] Peculiar
aos mais genuínos parnasianos é o retorno à
Antiguidade clássica.
Théodore de Banville, autêntico jogral do
ritmo, evade-se da vida sua
coeva (a propósito se assinala que nem todo o
parnasianismo é
«realista»), para o país do sorriso, da tela,
da estatueta, da
cariátide, da anedota, da reflexão amena ou
maliciosa - sobretudo para
a estilística e para a prosódia, para a região
mágica do verbo puro, da
rima opulenta e imprevista (a rima é quase
tudo na poesia). [...]
O
nome de
«parnasianos» foi dado ao grupo de poetas
cujos versos o editor Lemerre
publicou numa coletânea - sucedâneo da revista
Art - intitulada Parnasse
Contemporain (1866-1871-1876). O elo
entre esses poetas (e alguns prosadores) de
diferentes origens e com
diferentes propósitos, era o respeito pela
arte e pelo «ofício», pelo
«artifício». [...]
Em
Portugal,
talvez porque o português seja mais poeta
do que artista,
não houve, à parte as exceções mais salientes
de Gonçalves Crespo e de
António Feijó, verdadeiro Parnasianismo. [...]
Em
Gomes Leal,
poeta do quotidiano citadino nas Claridades
do Sul,
encontram-se, a par da valorização estética do
horrível baudelairiano,
da ideia apocalíptica do mal, e das sugestões,
por vezes geniais, da
alucinação sensorial, ecos do cientificismo,
do filosofismo e do
historicismo da época realista-parnasiana, tal
como nas Odes
Modernas e nos Sonetos de
Antero, que dramatizam a
inconciliação da inteligência e da
sensibilidade. [...]
Rodrigues,
Urbano Tavares, DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3ª
edição, 3º volume, Porto,
Figueirinhas, 1979
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Características
gerais
do Parnasianismo
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O
Parnasianismo
surgiu e alastrou como reação contra o Romantismo,
não só contra o Romantismo sentimentalista e
egocêntrico mas também
contra o Romantismo humanitarista e
apologético. E, quase pelas mesmas
razões, afasta-se ainda do realismo
poético (o de Antero,
por exemplo). É que o Parnasianismo, ao
contrário das escolas citadas a
que se opõe, não é nem pretende ser uma arte
útil, comprometida:
antes propugna o ideal da «arte pela arte»,
uma arte impassível,
serena, plástica, mera reprodução da realidade
em formas e cores, uma
arte onde, mais ou menos claramente, se
adivinha o primado do estilo.
Do
que fica
dito, e resumindo, podemos descobrir no
Parnasianismo estas duas
características principais:
objetividade,
quanto aos temas e,
expressão
literária exata e correta, quanto à
forma.
a) Objetividade dos temas
A
poesia
volta-se agora para o mundo exterior.
Substituirá, pois, os temas
subjetivos, de confidência autobiográfica e
íntima, por temas
objetivos, inspirados na História, na Vida, na
Natureza. Porá de parte
toda a efusão sentimental que vai empós o
coração, como
escreveu Hernâni Cidade (O Conceito de
Poesia como Expressão da
Cultura, 2.ª edição, Lisboa, 1957, pág.
247), mas também afastará
do seu conteúdo quaisquer elementos polémicos
bem como as preocupações
político-sociais.
Esta
objetividade
é uma norma da escola parnasiana, sem dúvida,
mas bastante
vulnerável. É difícil, senão mesmo impossível,
que o artista crie uma
obra sem lhe comunicar um pouco do seu modo de
ser pessoal. Certo
subjetivismo há-o nas poesias de Gonçalves
Crespo e de Cesário Verde na
escolha dos temas, por exemplo. Mas então o
poeta exporá esses temas
tais quais se lhe apresentam na realidade,
esforçando-se por não os
desfigurar com o sentimentalismo.
b) A expressão literária exata e
correta
A
objetividade dos temas há-de
exprimir-se em formas impecavelmente corretas,
nítidas, picturais,
perfeitas, adequadas, evitando-se quer os
adornos exagerados (o tom
declamatório, a expressão barroca, cheia de
repetições, reticências e
com adjetivação inchada) quer os descuidos
prosaicos. O esmero da forma
é uma das preocupações básicas do Parnasianismo.
Barreiros,
António José, HISTÓRIA DA LITERATURA
PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição,
Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992
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Entrada
do
Parnasianismo em Portugal
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O Romantismo
em Portugal, como vimos, revestiu-se, nos seus
epígonos, de um carácter
não só humanitarista mas até revolucionário. A
forma, no entanto,
continuava cada vez mais frondosa e retórica, isto
é, a debater-se
entre admirações, interrogações, reticências,
apóstrofes, repetições.
Antero
e
Teófilo, ousados corifeus da
Geração de 70,
renovaram a poesia portuguesa, enxchendo-a de
conteúdo novo: a
metafísica, a revolução social, as ideias
políticas progressistas. Mas
a forma deixaram-na praticamente como a tinham
encontrado nos
românticos ou então não evitaram que caísse na
anemia da aridez
discursiva.
Alguém,
por essa altura,
tentou entre nós modificar esse estilo poético. De
1868 a 1873
circulava entre a mocidade de Coimbra a revista A
Folha.
Dirigida por João Penha, começou a divulgar uma
estética literária que
se identificava fundamentalmente com o
Parnasianismo francês: a poesia
deve ser a expressão da verdade e objetividade num
máximo de beleza
formal. Os tópicos dessa estética podem resumir-se
nas seguintes
alíneas:
- fraseado impecavelmente
correto e discretamente ornado;
- repúdio das liberdades
poéticas e das expressões inexatas;
- nitidez de forma e notação
dos
aspetos visíveis das coisas, das cores e de
outros dados sensoriais, de
modo a aproximar a poesia das artes plásticas;
- proscrição do pessoalismo
passional, piegas, e sua substituição pela
focagem da realidade
concreta e quotidiana, pela pintura de
medalhões e quadros históricos
ou atuais mas de civilizações exóticas.
Além de
João Penha,
colaboraram n' A Folha Gonçalves Crespo,
Guilherme de Azevedo,
Gomes Leal, Antero,
Teófilo Braga, Manuel Sardenha, Eduardo Cabrita,
O próprio Camilo e
outros.
A
colaboração destes autores
encheu a revista de um conteúdo heterogéneo.
Defendia-se ali, de facto,
a plena liberdade da arte: realismo
(e mesmo romantismo),
panfletarismo, poesia social,
anticlericalismo, epicurismo, satanismo - de
tudo isto um pouco por lá
se encontra. E nem todos estes escritores
aderiram ao Parnasianismo.
Enquanto Guilherme de Azevedo, Junqueiro e Gomes
Leal se deixaram
comprometer com a literatura de agitação social
e política,
parnasianos, no sentido rigoroso do termo, foram
João Penha, Cesário
Verde e António Feijó, Para mencionarmos apenas
os nomes mais
conhecidos.
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA
LITERATURA PORTUGUESA, vol. II,
13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda,
1992
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