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Os Maias - Técnica da Tragédia


[Rasgos estruturais da tragédia em OS MAIAS] * [A personagem trágica] * [A acção trágica]

[Estudo paralelo entre OS MAIAS e o FREI LUÍS DE SOUSA]



Rasgos estruturais da tragédia em OS MAIAS


Talvez porque o caso de amor entre Carlos e Maria Eduarda ultrapassa os limites em que a crítica se resolve numa ironia ou sarcasmo que pinta em pormenor o «quadro» de uma Lisboa decadente e artificial, talvez porque houve a criação (inconsciente?) de um profundo romance de amor, precisamente nos momentos nucleares da sua mútua relação, as personagens escapam à atmosfera da comédia de costumes, para penetrarem no âmbito da tragédia.

Estão integrados, com precisão, cronológica e socialmente; são participantes dos inúmeros quadros e das diversas peripécias através dos quais Eça recriou (pela análise, pela ironia) a sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX. Contudo, podemos dizer que não são facilmente dissolvidos nessa atmosfera de quase tragicomédia complexa e angustiante.

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  1. A personagem trágica

Carlos e Maria Eduarda ultrapassam a dimensão reduzida e pragmática do tipo queirosiano, embora (encarados nessa mesma perspectiva) nos possam dar elementos concretos, a nível essencialmente sociológico e já não literário. destacam-se como figuras eleitas, pertencentes a uma elite, dotados de qualidades superiores, requintados, seres de excepção, não integrados numa sociedade grosseira, limitada e suja.

Assim, Carlos, regressado da Europa, é-nos apresentado como «um formoso e magnífico moço, alto, bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos, e os olhos dos Maias...». O autor compara-o então a um «belo cavaleiro da Renascença». Para os conhecidos, ele é o «primeiro elegante... da pátria» ou o romântico «Príncipe Tenebroso».

Paralelamente, Maria Eduarda «aparece», no peristilo do Hotel Central, como «uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar.» Para as personagens que com ela contactam ela surge como algo de «harmonioso, são, perfeito.»

[...]

Carlos e Maria Eduarda elevam-se ao nível da tragédia amorosa, embora não rompendo totalmente com as regras do romance de costumes ao qual também pertencem e no qual acabam por se reintegrar. Como detentores da máscara que Eça lhes impõe, definem-se, já não como tipos sociais, mas como símbolos duma fatalidade superior.(a) A nível da acção, nesta perspectiva, quase desaparecem como reais actantes para cederem ao destino a que alude Ega.

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  1. A acção trágica

As duas personagens, figuras de excepção (como convém ao espírito clássico da tragédia), são irresistivelmente levadas a um encontro e a uma união que afirmam a supremacia do Sentimento, concebido segundo um padrão elevado a ideal.

Perante os obstáculos oferecidos por Afonso e respeitados pelos próprios amantes, assiste-se à intensificação das relações amorosas que atinge o seu auge na felicidade perfeita(b).

«Carlos era positivamente o homem mais feliz destes reinos! Em torno dele só havia felicidades, doçuras. Era rico, inteligente, de uma saúde de pinheiro novo; passava a vida adorando e adorado; só tinha o número de inimigos que é necessário para confirmar uma superioridade; nunca sofrera de dispepsia; jogava as armas bastante para ser temido; e na sua complacência de forte nem a tolice pública o irritava. Ser verdadeiramente ditoso!»

Quando a união se torna perfeita, quando o sentimento se eleva ao ponto superior da sua realização, desaba a catástrofe - depara-se-nos a tragédia.

Na mesma noite em que Ega, extasiado, faz as considerações acima trancritas, nessa mesma noite, por intermédio de Guimarães, a tragédia desaba(c).

Carlos, ao tentar a recusa de uma verdade imposta pelo «implacável destino» (a) concorre para a sua completa realização - a efectivação de um incesto consciente.

Classicamente, o aparecimento da tragédia, não só corta o desenrolar harmonioso dos acontecimentos, como também impede a reestruturação dos mesmos. A Fatalidade aniquila, digamos, a possibilidade de recuperação.

[...]

Gandra, Maria António / Oliveira, Luís Amaro de, Caderno Para Uma Direcção de Leitura de OS MAIAS, Porto Editora, Ldª, Porto, 1987

 

Notas do autor desta página:

(a)  A intromissão desta fatalidade superior (destino) escapa às leis do naturalismo. Aliás, as referências, na obra, a esta fatalidade são inúmeras, bem como os indícios e elementos premonitórios que para ela apontam.

(b) Este desafio das personagens corresponde à hybris da tragédia clássica.

(c) É o primeiro momento da anagnórise.

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Esboço de estudo paralelo de OS MAIAS e FREI LUÍS DE SOUSA


(duas formas de recuperação da tragédia clássica)



Frei Luís de Sousa

Os Maias
1

Uma partida e separação: D. João de Portugal parte para a batalha de Alcácer Quibir, deixando em Portugal sua mulher, D. Madalena.


1

Uma partida e separação: Maria Monforte parte com o napolitano, deixando em Portugal Pedro, seu marido, e Carlos, seu filho.

2
D. João de Portugal é dado como morto; D. Madalena tenta, por todos os meios ao seu alcance, certificar-se da morte do marido.
A hipótese da morte acaba por ser aceite como certeza.


2 Maria Monforte e sua filha são consideradas mortas; Afonso da maia tenta, por todos os processos, adquirir a certeza da morte da neta. A hipótese da morte acaba por ser aceite como certeza.

3
D. Madalena reorganiza a sua vida, baseando-se na morte de D. João.


3
Afonso dedica-se inteiramente a Carlos, considerada a neta para sempre perdida.

4
D. João de Portugal, erradamente considerado morto, vai-se aproximando de portugal.


4
Maria Eduarda, erradamente tida por morta, aproxima-se de Portugal.

5
D. João de Portugal, uma vez regressado, dirige-se à sua antiga casa. Encontra-se com D. Madalena que não o reconhece e pára diante do retrato. Perante a interrogação inquieta de Frei Jorge, responde: «Ninguém».


5
Maria Eduarda, uma vez de regresso a Lisboa, encontra Carlos que, naturalmente, a não reconhece. Acabando ela por se dirigir ao Ramalhete, pára diante do retrato do Pai. Carlos esclarece: «- É meu Pai».

6
Uma vez consumada a tragédia, D. Madalena revolta-se, tenta negar a evidência dos factos, lutando desesperadamente pela conservação de um amor para ela mais forte que todas as dúvidas.


6
Quando conhece o parentesco que o une a Maria Eduarda, Carlos revolta-se e tenta, também ele, com desespero, lutar pela sobrevivência de um amor que julga superior a todos os imperativos que lhe são exteriores.

7
D. João de Portugal permanece impassível e silencioso perante a tragédia. Sensibilizado apenas por uma falsa interpretação dos sentimentos de D. Madalena, quando pretende (?) alterar o curso dos acontecimentos que desencadeara, vê-se impossibilitado de o fazer.


7
Maria Eduarda aceita, discreta e silenciosa, a tragédia que destrói as suas relações amorosas com Carlos.
Apenas de ressente do mutismo e ausência deste último.

8
Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena separam-se. Permanecem vivos para se enterrarem no convento.


8
Carlos e Maria Eduarda separam-se. Tentam reintegrar-se, aparentemente incólumes, numa vida solitária: Carlos - instalado em Paris, Maria Eduarda - casada em Orléans.

9
Maria, a verdadeira vítima trágica e testemunha acusadora do «erro» dos pais, morre.


9
Afonso, oponente racional à paixão «incestuosa» de Carlos e Maria Eduarda, morre.


Gandra, Maria António / Oliveira, Luís Amaro de, Caderno Para Uma Direcção de Leitura de OS MAIAS, Porto Editora, Ldª, Porto, 1987

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