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Nome duma
escola de pintura surgida em França em 1874, e
cujos principais representantes foram Monet,
Degas, Renoir, Sisley. Os impressionistas (daí a
designação) valorizaram a impressão pura, a
perceção imediata, não intelectualizada, com o seu
carácter fragmentário e fugaz. Tiraram o maior
partido da cor e da luminosidade, em quadros de ar
livre, com objetos de contornos esfumados. Foram
realistas à sua maneira, porquanto, na sua
fidelidade à sensação, abstraíram das vivências
íntimas, ao mesmo tempo que reagiam contra o realismo,
interessando-se, não pelo objeto em si, mas pelo
efeito que provoca no pintor. Em 1879, Brunetière,
num artigo da Revue des Deux Mondes,
depois inserto em Le Roman Naturaliste,
transpôs a designação para a literatura: Daudet,
em Les rois en exil, seria «um
impressionista do romance» pelo uso dum estilo
pictórico (com processos como o imperfeito
narrativo, a frase nominal, etc.), dum
sensorialismo próximo do daqueles pintores:
procurava dar as impressões globais e também
esmerilhar, isolar os elementos dessas impressões.
Depois os irmãos Goncourt foram considerados os
escritores impressionistas mais típicos, e o
conceito de impressionismo alargou-se até abranger
um Flaubert, um Huysmans. Em poesia, já Verlaine,
nas Romances sans paroles (1874), anotava
em «aguarelas» impressões fugidias provocadas
pelas paisagens belgas; nele, porém, o
impressionismo não passava de tentação passageira.
Por 1880, em França, frequentemente se dava a
poesias o nome de «impressionistas»; poetas
menores, hoje esquecidos, traçavam quadros de rua,
procurando recuperar um olhar ingénuo,
desprevenido, perante as coisas, esvaziando,
quanto possível, a linguagem poética de elementos
intelectuais, buscando uma correspondência entre
vogais e cores, entre vogais e notas de música. O
impressionismo constitui, de certo modo, uma fuga
ao sentimento de decadência, a uma civilização que
parece perto do fim; combina-se com o decadentismo e o
simbolismo que lhe vão suceder. Entretanto,
convém distinguir entre o essencial do
impressionismo e certas características
individuais de autores impressionistas; ou entre
impressionismo e
decadentismo; assim, cumpre agora pôr de
lado o gosto da sensação rara, exótica ou mórbida,
que se encontra, por exemplo, nos Goncourt e no
português Fialho de Almeida. [...]
Em Portugal, Eça de Queirós faz uma
utilização sistemática e habilíssima do
impressionismo literário, aprendido sobretudo em
Flaubert; no modelar livro de Ernesto G. da Cal Lengua
y estilo de Eça de Queirós - I - Elementos
básicos, Coimbra, 1954, estão largamente
documentados os meios renovadores a que o escritor
lançou mão para sugerir impressões imediatas, de
maior ou menor complexidade. Outros exemplos de
impressionismo se encontram na prosa de Ramalho
Ortigão e de Fialho de Almeida, bem como na poesia
de
Cesário Verde. Multiplicam-se as construções
impessoais, pois (como observa Cressot a respeito de
Huysmans) «uma vez que o efeito é percecionado
independentemente das causas, o agente-sujeito passa
para segundo lugar plano»; e a qualidade ótica do
objeto (em especial a sua cor) antepõe-se ao seu
objeto: «Uma alvura de saia moveu-se
no escuro» (Os Maias, II, ed. 1946,
p. 154), em vez da expressão mentalmente elaborada «Alguém
com uma saia branca se moveu no escuro»;
«cantos de courela onde pascia a indolência
fulva
dos bois» (Fialho, A Cidade do Vício,
6.ª ed., p. 46) em vez de «os bois indolentes e
fulvos». Misturam-se perceções de tipo
diferente (de fenómenos físicos, de fenómenos
morais), por vezes contraditórias, o que pode
traduzir uma visão irónica da personagem: «Fatné
esperava-os, majestosa e obesa...» (Eça), «Branca de susto,
meiga e míope, estacando»; «Um cheiro salutar
e honesto a pão no forno» (Cesário).
Apreendido um aspeto dominante, ele servirá para
caracterizar um todo, uma atmosfera: «toda a gente
se curvava palidamente sobre o periódico» (Eça), «Amareladamente,
os cães parecem lobos» (Cesário).
A
hipálage
é, deste modo, frequente na prosa impressionista:
transpõe-se um atributo do agente para a ação: «ao
trote esgalgado dos seus magros cavalos
brancos» (Eça).
À
primeira impressão, uma parte do corpo humano parece
ter vontade própria, ou, pelo contrário, afigura-se
uma coisa: «Se ela se curva esguedelhada, feia, / E
pendurando os seus bracinhos brancos» (Cesário).
Em viagem, imaginamos o comboio parado e a paisagem
em movimento: «De bocado a bocado casinholas rompiam
da sombra...» (Fialho).
O impressionismo veio, sem
dúvida, trazer à expressão literária ricas
virtualidades, hoje correntemente aproveitadas na
prosa como na poesia. Bastará dar um exemplo de
Miguel Torga («Aveludada, a estrada líquida
serpenteava esquiva por entre a dureza de todas as
presenças», Pedras Lavradas, 1951, p. 118),
outro de Ferreira de Castro, que, na última fase,
tende a ductilizar mais o seu estilo («A sua mão
direita [...] tornou a descair sobre as pernas,
vagarosa e arrependida», A Missão, 1954, p.
18), um terceiro, finalmente, de Érico Veríssimo
(«No jardim as flores flamejam [...] As glicínias
agitam os cachos ao longo do muro branco e fúlgido,
onde há também a mancha vermelha e móvel das rosas»,
Clarissa, 1933, pp. 118).
Quanto ao impressionismo
como utilização das palavras, em poesia, pela sua
musicalidade sugestiva, mais evidente que os
significados, documenta-se com versos famosos dos Oaristos
de Eugénio de Castro: «Na messe, que enlouquece,
estremece a quermesse... / O sol, o celestial
girassol, esmorece... / E as cantilenas de serenos
sons amenos / Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos
fenos...» (poema XI).
Coelho,
Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3.ª
edição, 2.º volume, Porto, Figueirinhas, 1979
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