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Discurso
na 1ª pessoa
Tudo é autobiografia
«Um dia escrevi que tudo é
autobiografia, que a vida de cada um de
nós a estamos contando em tudo quanto
fazemos e dizemos, nos gestos, na maneira
como nos sentamos, como andamos e olhamos,
como viramos a cabeça ou apanhamos um
objeto do chão.» Ontem como hoje,
«pergunto-me se o que move o leitor à
leitura não será a secreta esperança ou a
simples possibilidade de vir a descobrir,
dentro do livro, mais do que a história
contada, a pessoa invisível, mas
omnipresente, que é o autor».
In Diário de
Notícias, 1998-10-09
*
Os
livros levam uma pessoa dentro: o autor
«Há
alguns anos, após uma palestra na
Universidade de Valência, um aluno,
rapaz alto, forte, tipo de atleta (...),
aproximou-se timidamente e conseguiu
dizer: "Gostei daquela sua ideia de que
os livros levam uma pessoa dentro, o
autor." Agradeci-lhe ter-me
compreendido.»
In
Diário de Notícias,
1998-10-09
*
O
pai espiritual do
homem que eu sou é a criança que eu
fui
«Quero é recuperar, saber,
reinventar a criança que eu fui. Pode
parecer uma coisa um pouco tonta, um
senhor nesta idade estar a pensar na
criança que foi. Mas é porque eu acho que
o pai da pessoa que eu sou é essa criança
que eu fui. Há o pai biológico, e a mãe
biológica, mas eu diria que o pai
espiritual do homem que eu sou é a criança
que eu fui.»
Público,
1998-10-14, in Instituto Camões
*
Até aos 50 anos devíamos
estar a aprender
«As obras da maturidade
aparecem, nuns, aos 40 anos, noutros só
aos 80 e tal. As vidas são muito
curtas... até aos 50 anos devíamos estar
a aprender, depois dos 50 a trabalhar e
depois, aí uns dez anos, a acabar. Isso
desde que mantivéssemos, claro, a cabeça a
funcionar.»
JL,
1983-01-18
*
Como
me fiz escritor
«Carlos Reis entrou a
matar: como é que se formou o escritor
José Saramago? Respondeu depois de algum
silêncio, como é habitual: "Aprendi a
ler com o "Diário de Notícias"." Lia
tudo, confessou, das notícias aos
anúncios.»
Entrevista
conduzida
pelo Prof. Carlos Reis, in Público,
1998-10-09
*
A fama não é em si mesma
positiva
PERGUNTA
– No seu último romance – Todos os
Nomes – há uma frase que diz: «A
fama, ai de nós, é uma aragem que tanto
vai como vem, é um cata-vento que tanto
vira a norte como a sul e, da mesma
maneira que uma pessoa passa do anonimato
à celebridade mal se apercebendo como,
também não é raro que depois de se ter
pavoneado diante do entusiasta favor do
público acabe sem saber como se chama». O
que o levou a refletir, neste livro,
precisamente sobre a fama?
RESPOSTA
– Em primeiro lugar, a fama não é em si
mesma positiva e pode acontecer que muitas
vezes uma pessoa seja famosa por razões
negativas. Então, o que é a fama? A fama
não passa disso, de ser conhecido. Há um
nível em que, mais ou menos, todos somos
conhecidos, mesmo que seja na rua onde
vivemos, no círculo das nossas amizades ou
na atividade que temos, e falam de nós bem
ou mal.
Depois
pode-se chegar a ser conhecido por um
mundo maior, na nossa aldeia, no nosso
país, em vários países, no continente onde
se está ou no mundo inteiro, mas, de todas
as formas, sempre resta uma maioria de
pessoas para quem o famoso não o é. (...)
Mas o que é preciso ter muito claro é que
há milhões de pessoas que não sabem quem
somos. Essa é a ideia que um famoso deve
sempre ter.
Expresso, entrevista com Juan
Cruz, 1998-10-10, in Instituto Camões
*
Como
escritor, sou um produto do 25 de
novembro
«Como
escritor, sou um produto do 25 de
novembro. Com o 25 de novembro, fiquei sem
trabalho e com pouca esperança de
conseguir um sítio onde o encontrar. Eu
estava muito marcado. Decidi, aos 53 anos,
que seria "agora ou nunca". Se as
circunstâncias me retiraram a
possibilidade de trabalhar, iria escrever.
Não foi fácil. Durante uns anos vivi de
traduções. Eu já não estava no circuito,
ninguém pensou mais em mim e ainda bem.
Fechei-me em casa a traduzir para ganhar a
vida e para escrever. Publico, em 1977, o
Manual de Pintura e Caligrafia; em 1978, o
Objeto Quase. Ainda nesse ano vou para o
Alentejo e daí saiu o Levantado do Chão. O
Memorial do Convento, em 1980, e acho que
também O Ano da Morte de Ricardo Reis
confirmaram que estava ali um escritor. A
partir daí não tinha nada que provar a não
ser a mim mesmo, até onde poderia chegar.
Cheguei às Intermitências da Morte, aos 83
anos, e espero que haja mais.»
In
Diário de Notícias,
2005-11-09
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