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das
Letras |
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Frei Luís
de Sousa
Sebastianismo
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Sebastianismo |
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«[...] Veio depois a derrota de
Alcácer Quibir e o desaparecimento do
Rei (1578). A nação caiu sob o domínio
castelhano. A literatura chorou, com a
perda de D. Sebastião, o desfazer das
esperanças desmedidas, a ruína dum povo
que, havia pouco, deslumbrara o mundo
com os Descobrimentos e a criação de um
grande Império. Vasco Mouzinho de
Quevedo, por exemplo, recorda
doridamente o Rei, «Sebastião cuja morte
inda hoje é viva, / Renovando-se sempre
de ano em ano». Foi então que surgiu,
como instintiva reação, o sebastianismo.
Julgou-se que só a fé visionária poderia
salvar-nos. Na primeira metade do séc.
XVI vários pretensos profetas,
desafiando os rigores da Inquisição,
haviam aliciado adeptos, nomeadamente
cristãos novos. Entre esses «profetas»
contava-se Gonçalo Anes, de alcunha «o
Bandarra», sapateiro de Trancoso (Beira
Alta), homem cujas trovas, largamente
divulgadas, se tornariam «o evangelho do
sebastianismo». O Bandarra (falecido em
1545, segundo um epitáfio mandado gravar
no séc. XVII) tinha-se inspirado na
Bíblia para verberar a corrupção da
época e fazer obscuras predições, entre
as quais, parece, estavam a da conquista
de Marrocos, a da derrota dos Turcos e a
do Quinto Império. [...]
Durante o séc. XIX,
o sebastianismo foi passando da esfera
política para os domínios literário e
culturológico. O sonho heroico de D.
Sebastião, a sua morte na batalha, o
mito do seu regresso e a quimera do
Quinto Império inspiram poetas e
prosadores. [...] No Frei Luís de
Sousa de Garrett, é Telmo, o velho
criado, quem associa à fé no retorno do
Rei a convicção de que D. João de
Portugal, seu amado amo, um dia
aparecerá.»
(Coelho, Jacinto do Prado,
DICIONÁRIO DE LITERATURA)
Sebastianismo
no
Frei
Luís de Sousa
No Frei Luís de
Sousa, o mito
sebastianista alimenta, desde o
início, o conflito vivido pelas
personagens, na medida em que a
admissão do regresso de D. Sebastião
implicava idêntica possibilidade da
vinda de D. João de Portugal, que
combatera ao lado do rei na batalha
de Alcácer Quibir, o que, desde
logo, colocaria em causa a
legitimidade do segundo casamento de
D. Madalena. Não é inocente, nem
fruto do acaso, o facto de Garrett
ter concebido que Madalena
aparecesse em cena justamente a ler
Os Lusíadas (1).
Efetivamente, tal facto está também
associado ao mito sebastianista que,
deste modo, marca a obra desde o seu
início (ver Importância
d'Os Lusíadas na 1ª Cena).
Quem se encarregará,
pois, de dar corpo a tal mito? Telmo
Pais, o velho aio de D. João e em
cuja morte não acredita (2), e Maria (3), filha de D.
Madalena de Vilhena e de Manuel de
Sousa Coutinho, educada por Telmo.
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Madalena lê Os
Lusíadas
Madalena
só, sentada junto à banca, os pés
sobre uma grande almofada, um livro
aberto no regaço, e as mãos cruzadas
sobre ele, como quem descaiu na
leitura e na meditação.
Madalena (repetindo maquinalmente e
devagar o que acaba de ler)
«Naquele
ingano d'alma ledo e cego
Que a
fortuna não deixa durar muito...»
Com paz
e alegria d'alma... um ingano, um
ingano de poucos instantes que
seja... deve de ser a felicidade
suprema neste mundo. E que importa
que o não deixe durar muito a
fortuna? Viveu-se, pode-se morrer.
Mas eu!... (pausa) Oh! que o não
saiba ele ao menos, que não
suspeite o estado em que vivo...
este medo, estes contínuos
terrores, que ainda me não
deixaram gozar um só momento de
toda a imensa felicidade que me
dava o seu amor. Oh! que amor, que
felicidade... que desgraça a
minha!
(ato
I, cena I)
Telmo e o
Sebastianismo
Telmo
(deitando-lhe os
olhos) - Oh! oh! livro para
damas - e para cavaleiros... e
para todos: um livro que serve
para todos; como não há outro,
tirante o respeito devido ao
da palavra de Deus! Mas esse
não tenho eu a consolação de
ler, que não sei latim como o
meu senhor... quero dizer,
como o Sr Manuel de Sousa
Coutinho - que lá isso!...
[...]
Madalena - Olhai, Telmo; eu
não vos quero dar conselhos:
bem sabeis que desde o tempo
que... que...
Telmo - Que já lá vai,
que era outro tempo.
[...]
Madalena - [...] Conheci-te
de tão criança, de quando
casei a... a... a... primeira
vez - costumei-me a olhar para
ti com tal respeito: já então
eras o que és, o escudeiro
valido, o familiar quase
parente, o amigo velho e
provado de teus amos...
Telmo
(enternecido) -
Não digais mais, senhora, não
me lembreis de tudo o que eu
era.
Madalena
(quase ofendida) -
Porquê? Não és hoje o mesmo,
ou mais ainda, se é possível?
Quitaram-te alguma coisa da
confiança, do respeito, do
amor e carinho a que estava
costumado o aio fiel de meu
senhor D. João de Portugal,
que Deus tenha em glória?
Telmo
(aparte) -
Terá...
[...]
Madalena - [...] Depois que
fiquei só, depois daquela
funesta jornada de África que
me deixou viúva, órfã e sem
ninguém... sem ninguém, e numa
idade... com dezassete anos! -
em vós, Telmo, em vós só,
achei o carinho e proteção, o
amparo que eu precisava.
Ficastes-me em lugar de pai: e
eu... salvo numa coisa! -
tenho sido para vós, tenho-vos
obedecido como filha.
Telmo - Oh, minha
senhora, minha senhora! mas
essa coisa em que vos
apartastes dos meus
conselhos...
Madalena - Para essa houve
poder maior que as minhas
forças... D. João ficou
naquela batalha com seu pai,
com a flor da nossa gente. (sinal
de impaciência em Telmo)
Sabeis como chorei a sua
perda, como respeitei a sua
memória, como durante sete
anos, incrédula a tantas
provas e testemunhos de sua
morte, o fiz procurar por
essas costas de Berberia, por
todas as sejanas de Fez e
Marrocos, por todos quantos
aduares de Alarves aí houve...
Cabedais e valimentos, tudo se
empregou; gastaram-se grossas
quantias; os embaixadores de
Portugal e Castela tiveram
ordens apertadas de o buscar
por toda a parte; aos padres
da Redenção, a quanto
religioso ou mercador podia
penetrar naquelas terras, a
todos se encomendava o seguir
a pista do mais leve indício
que pudesse desmentir, pôr em
dúvida ao menos, aquela
notícia que logo viera com as
primeiras novas da batalha de
Alcácer. Tudo foi inútil; e a
ninguém mais ficou resto de
dúvida...
Telmo - senão a mim.
Madalena - Dúvida de fiel
servidor, esperança de leal
amigo, meu bom Telmo, que diz
com vosso coração, mas que tem
atormentado o meu... E então
sem nenhum fundamento, sem o
mais leve indício... Pois
dizei-me em consciência,
dizei-mo de uma vez, claro e
desenganado: a que se apega
esta vossa credulidade de
sete... e hoje mais catorze...
vinte e um anos?
Telmo
(gravemente) -
Às palavras, às formais
palavras daquela carta escrita
na própria madrugada do dia da
batalha, e entregue a Frei
Jorge que vo-la trouxe. -
«Vivo ou morto» - rezava ela -
«vivo ou morto...» Não me
esqueceu uma letra daquelas
palavras: e eu sei que homem
era meu amo para as escrever
em vão: - «vivo ou morto,
Madalena, hei-de ver-vos pelo
menos ainda uma vez neste
mundo.» - Não era assim que
dizia?
Madalena
(aterrada) -
Era.
Telmo - Vivo não veio...
inda mal! E morto... a sua
alma, a sua figura...
Madalena
(possuída de
grande terror) - Jesus,
homem!
Telmo - Não vos apareceu
decerto.
Madalena - Não, credo!
Telmo
(misterioso) -
Bem sei que não. Queria-vos
muito; e a sua primeira
visita, como de razão, seria
para minha senhora. Mas não
sei se ia sem aparecer também
ao seu aio velho.
(ato
I, cena II)
Maria
e o Sebastianismo
Maria
(entrando com umas flores na
mão, incontra-se com Telmo,
e o faz tornar para cena) -
[...] Telmo, aqui posto a
conversar com minha mãe,
sem se importar de mim!
Que é do romance que me
prometeste? Não é o da
batalha, não é o que diz:
«Postos
estão, frente a
frente,
Os dois
valorosos
campos;»
é
o outro, é o da ilha
incoberta onde está el-rei
D. Sebastião, que não
morreu e que há-de vir, um
dia de névoa muito
cerrada... Que ele não
morreu; não é assim, minha
mãe?
Madalena
- Minha
querida filha, tu dizes
coisas! [...] O povo,
coitado, imagina essas
quimeras para se consolar na
desgraça.
Maria
- Voz do
povo, voz de Deus, minha
senhora mãe: eles que
andam tão crentes nisto,
alguma coisa há-de ser.
Mas ora o que me dá que
pensar é ver que, tirado
aqui o meu bom velho Telmo
(chega-se toda para ele,
acarinhando-o), ninguém
nesta casa gosta de ouvir
falar em que escapasse o
nosso bravo rei, o nosso
santo rei D. Sebastião.
Meu pai, que é tão bom
português, que não pode
sofrer estes castelhanos,
e que até às vezes dizem
que é de mais o que ele
faz e o que ele fala... em
ouvindo duvidar da morte
do meu querido rei D.
Sebastião... ninguém tal
há-de dizer, mas põe-se
logo outro, muda de
semblante, fica pensativo
e carrancudo: parece que o
vinha afrontar, se
voltasse, o pobre do rei.
Ó minha mãe, pois ele não
é por D. Filipe; não é ,
não?
(ato
I, cena III)
Maria
- Pois
não há profecias que o
dizem? Há, e eu creio
nelas. E também creio
naqueloutro que ali está (indica
o retrato de Camões),
aquele teu amigo com quem
tu andaste lá pela Índia,
nessa terra de prodígios e
bizarrias, por onde ele ia
... como é? ah, sim...
«N'uma mão
sempre a espada e
n'outra a pena...»
[...]
Maria
- Ninguém
mais!... Pois não lêem
aquele livro que é para
dar memória aos mais
esquecidos?
[...]
Maria
- Está
no céu. Que o céu fez-se
para os bons e para os
infelizes, para os que já
cá da terra o adivinharam!
- Este lia nos mistérios
de Deus; as suas palavras
são de profeta. Não te
lembras o que lá diz do
nosso rei D. Sebastião?...
Como havia de ele então
morrer? Não morreu.
(ato
II, cena I)
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Manuel Maria,
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