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Alguns Recursos Estilísticos no Sermão de Santo António
Padre António Vieira


[Nota Prévia] * [Estrutura do Sermão] * [Aspectos Estilísticos do Sermão] * [Entrevista com o Padre António Vieira]

Virtudes dos Peixes

PEIXE DE TOBIAS

- o fel sara a cegueira;

- o coração lança fora os demónios;

RÉMORA

- tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder;

TORPEDO

- descarga eléctrica que faz tremer o braço do pescador;

QUATRO-OLHOS

- dois olhos voltados para cima para se vigiarem das aves;

- dois olhos voltados para baixo para se vigiarem dos peixes.

Defeitos dos Peixes

RONCADORES

- embora tão pequenos roncam muito (simbolizam a arrogância e a soberba);

PEGADORES

- sendo pequenos, pregam-se nos maiores, não os largando mais (simbolizam o parasitismo);

VOADORES

- sendo peixes, também se metem a ser aves (simbolizam a presunção (vaidade) e a ambição);

POLVO

- com aparência de santo, é o maior traidor do mar (simboliza a traição).

Cultismo

O CULTISMO, caracterizado por uma linguagem rebuscada, culta, extravagante, descritiva, serve-se sobretudo de três artifícios (jogo de palavras (ludismo verbal), jogo de imagens e jogo de construções) para esconder, sob um burilado excessivo da forma, uma temática estéril e banal. Trocadilhos, aliterações, homonímia, sinonímia, perífrases e extravagância de vocábulos são alguns dos artifícios de que se serve. É também designado por gongorismo devido ao escritor espanhol Luís de Gôngora, que serviu de modelo aos nossos poetas.

Conceptismo

O CONCEPTISMO é, pois, caracterizado por um jogo de ideias ou conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada. Para tal, recorre a um conjunto de artifícios estilísticos como comparações, metáforas e imagens de enorme ousadia, ou ainda sinédoques e hipérboles, entre outros, que conduzem a uma tal densidade conceptual que obscurece o seu conteúdo. Um dos principais cultores do conceptismo foi o espanhol Quevedo.

Conceitos Predicáveis

Os conceitos predicáveis consistem em «figuras» ou alegorias pelas quais se pode realizar uma pretensa demonstração de fé, ou verdades morais, ou até juízos proféticos. O processo, como notou António Sérgio, deriva da interpretação do Velho Testamento como conjunto de «prefigurações» do que narra o Novo Testamento. Depois, os passos bíblicos tornaram-se pretexto para construções mentais arbitrárias, em que brilha o virtuosismo do orador. (Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DA LITERATURA)


O SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES, do Padre António Vieira, é um discurso longo, tendo sido criado com a finalidade de ser pregado. Não sendo fácil manter um auditório atento durante muito tempo, compreende-se a necessidade do autor recorrer a um conjunto de artifícios que, valendo-se do uso de variações de intensidade e inflexão da voz, asseguram, na perfeição, a verificação permanente de que a assistência está em condições de continuar a ouvir atentamente o sermão.
Vejamos, pois, alguns dos recursos estilísticos de que se serviu o Padre António Vieira.

Por Manuel Maria



Anadiplose


"(...) passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador."

"E daqui que sucede? Sucede que o outro peixe, inocente da traição (...)"


Antítese

"Tanto pescar e tão pouco tremer!"

"No mar, pescam as canas, na terra pescam as varas (...)"

"(...) deu-lhes dois olhos, que direitamente olhassem para cima (...) e outros dois que direitamente olhassem para baixo (...)"

"A natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar (...)"

"(...) traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras."

"(...) António (...) o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano."

"Oh que boa doutrina era esta para a terra, se eu não pregara para o mar!"


Apóstrofe

"Estes e outros louvores, estas e outras excelências de vossa geração e grandeza vos pudera dizer, ó peixes..."

"Ah moradores do Maranhão..."

"Esta é a língua, peixes, do vosso grande pregador (...)"

"Peixes, contente-se cada um com o seu elemento."

"Oh alma de António, que só vós tivestes asas e voastes sem perigo (...)"

"Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade (...)"


Comparação

"Certo que se a este peixe o vestiram de burel e o ataram com uma corda, parecia um retrato marítimo de Santo António."

"O que é a baleia entre os peixes, era o gigante Golias entre os homens."

"(...) com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge;

com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela;

com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura (...)"

"As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia (...)"

"(...) e o salteador, que está de emboscada (...) lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas?"

"Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor!"


Enumeração


"No mar, pescam as canas, na terra pescam as varas (e tanta sorte de varas); pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões e até os ceptros pescam (...)"

"(...) que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições."

"Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com palavras; eu lembro-me, mas não ofendeis a Deus com a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade."


Exclamação retórica

"Oh maravilhas do altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra!"

"Mas ah sim, que me não lembrava!"

"Tanto pescar e tão pouco tremer!"

"Oh que boa doutrina era esta para a terra, se eu não pregara para o mar!"


Gradação crescente
"(...) um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!"

Interrogação retórica

"(...) qual será, ou qual pode ser, a causa desta corrupção?"

"Não é tudo isto verdade?"

"(...) que se há-de fazer a este sal, e que se há-de fazer a esta terra?"

"Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? (...) Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?"

"(...) onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes há tantos séculos?!"


Ironia

"Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não prego a vós, prego aos peixes."

"E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o maior traidor do mar."


Metáfora

"Esta é a língua, peixes, do vosso grande pregador, que também foi rémora vossa, enquanto o ouvistes; e porque agora está muda (...) se vêem e choram na terra tantos naufrágios."

"(...) pois às águias, que são os linces do ar (...) e aos linces que são as águias da terra (...)"

"(...) onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes há tantos séculos?!"

" (...) vestir ou pintar as mesmas cores (...)"

"(...) e o polvo dos próprios braços faz as cordas."


Paradoxo

"(...) a terra e o mar tudo era mar."

"E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o maior traidor do mar."

"hipocrisia tão santa"


Paralelismo e anáfora

"Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;

ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes...

Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;

ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes...

Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;

ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes..."

"Deixa as praças, vai-se às praias;

deixa a terra, vai-se ao mar..."

"Quantos, correndo fortuna na Nau Soberba (...), se a língua de António, como rémora (...)

Quantos, embarcados na Nau Vingança (...), se a rémora da língua de António (...)

Quantos, navegando na Nau Cobiça (...), se a língua de António (...)

Quantos, na Nau Sensualidade (...), se a rémora da língua de António (...)"

"(...) com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge;

com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela;

com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura (...)"

"Se está nos limos, faz-se verde;

se está na areia, faz-se branco;

se está no lodo, faz-se pardo (...)"


Quiasmo

"(...) os homens tinham a razão sem o uso, e os peixes o uso sem a razão."

"(...) pescam os bastões e até os ceptros pescam (...)"

"(...) pois às águias, que são os linces do ar (...) e aos linces que são as águias da terra (...)"

"Quem pode nadar e quer voar, tempo virá em que não voe nem nade."


Trocadilho

"Os homens tiveram entranhas para deitar Jonas ao mar, e o peixe recolheu nas entranhas a Jonas, para o levar vivo à terra."

"E porque nem aqui o deixavam os que o tinham deixado, primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal."

"(...) o peixe abriu a boca contra quem se lavava, e Santo António abria a sua contra os que se não queriam lavar."


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