Virtudes dos Peixes
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PEIXE DE
TOBIAS
- o fel
sara a cegueira;
- o
coração lança fora os demónios;
RÉMORA
- tão
pequeno no corpo e tão grande na força e no
poder;
TORPEDO
-
descarga eléctrica que faz tremer o braço do
pescador;
QUATRO-OLHOS
- dois
olhos voltados para cima para se vigiarem das
aves;
-
dois olhos voltados para baixo para se vigiarem
dos peixes.
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Defeitos dos Peixes |
RONCADORES
- embora
tão pequenos roncam muito (simbolizam a
arrogância e a soberba);
PEGADORES
- sendo
pequenos, pregam-se nos maiores, não os largando
mais (simbolizam o parasitismo);
VOADORES
- sendo
peixes, também se metem a ser aves (simbolizam a
presunção (vaidade) e a ambição);
POLVO
-
com aparência de santo, é o maior traidor do mar
(simboliza a traição).
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Cultismo |
O CULTISMO,
caracterizado por uma linguagem rebuscada,
culta, extravagante, descritiva, serve-se
sobretudo de três artifícios (jogo de palavras
(ludismo verbal), jogo de imagens e jogo de
construções) para esconder, sob um burilado
excessivo da forma, uma temática estéril e
banal. Trocadilhos, aliterações, homonímia,
sinonímia, perífrases e extravagância de
vocábulos são alguns dos artifícios de que se
serve. É também designado por gongorismo devido
ao escritor espanhol Luís de Gôngora, que serviu
de modelo aos nossos poetas.
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Conceptismo |
O CONCEPTISMO é, pois, caracterizado por um jogo
de ideias ou conceitos, seguindo um raciocínio
lógico, racionalista, que utiliza uma retórica
aprimorada. Para tal, recorre a um conjunto de
artifícios estilísticos como comparações,
metáforas e imagens de enorme ousadia, ou ainda
sinédoques e hipérboles, entre outros, que
conduzem a uma tal densidade conceptual que
obscurece o seu conteúdo. Um dos principais
cultores do conceptismo foi o espanhol Quevedo.
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Conceitos Predicáveis
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Os conceitos predicáveis consistem em «figuras» ou
alegorias pelas quais se pode realizar uma
pretensa demonstração de fé, ou verdades morais,
ou até juízos proféticos. O processo, como notou
António Sérgio, deriva da interpretação do Velho
Testamento como conjunto de «prefigurações» do que
narra o Novo Testamento. Depois, os passos
bíblicos tornaram-se pretexto para construções
mentais arbitrárias, em que brilha o virtuosismo
do orador. (Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO
DA LITERATURA)
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O
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES, do Padre António
Vieira, é um discurso longo, tendo sido criado com a
finalidade de ser pregado. Não sendo fácil manter um
auditório atento durante muito tempo, compreende-se a
necessidade do autor recorrer a um conjunto de
artifícios que, valendo-se do uso de variações de
intensidade e inflexão da voz, asseguram, na perfeição,
a verificação permanente de que a assistência está em
condições de continuar a ouvir atentamente o sermão.
Vejamos, pois, alguns dos recursos estilísticos de que
se serviu o Padre António Vieira.
Por Manuel
Maria
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Anadiplose
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"(...) passa a virtude do peixezinho, da boca
ao anzol, do anzol à linha, da linha à cana e
da cana ao braço do pescador."
"E
daqui que sucede? Sucede que o outro peixe,
inocente da traição (...)"
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Antítese |
"Tanto pescar e tão pouco tremer!"
"No mar, pescam as canas, na terra
pescam as varas (...)"
"(...) deu-lhes dois olhos, que
direitamente olhassem para cima (...) e outros
dois que direitamente olhassem para baixo
(...)"
"A natureza deu-te a água, tu não
quiseste senão o ar (...)"
"(...) traçou a traição às escuras,
mas executou-a muito às claras."
"(...) António (...) o mais puro
exemplar da candura, da sinceridade e da
verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou
engano."
"Oh
que boa doutrina era esta para a terra, se eu
não pregara para o mar!"
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Apóstrofe |
"Estes e outros louvores, estas e
outras excelências de vossa geração e grandeza
vos pudera dizer, ó peixes..."
"Ah moradores do Maranhão..."
"Esta é a língua, peixes, do vosso
grande pregador (...)"
"Peixes, contente-se cada um com o
seu elemento."
"Oh alma de António, que só vós
tivestes asas e voastes sem perigo (...)"
"Vê,
peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade
(...)"
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Comparação |
"Certo que se a este peixe o
vestiram de burel e o ataram com uma corda,
parecia um retrato marítimo de Santo António."
"O que é a baleia entre os peixes,
era o gigante Golias entre os homens."
"(...) com aquele seu capelo na
cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos,
parece uma estrela;
com aquele não ter osso nem espinha,
parece a mesma brandura (...)"
"As cores, que no camaleão são gala,
no polvo são malícia (...)"
"(...) e o salteador, que está de
emboscada (...) lança-lhe os braços de
repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais
Judas?"
"Vê,
peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade,
pois Judas em tua comparação já é menos
traidor!"
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Enumeração |
"No mar, pescam as canas, na terra pescam as
varas (e tanta sorte de varas); pescam as
ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões
e até os ceptros pescam (...)"
"(...) que também nelas há
falsidades, enganos, fingimentos, embustes,
ciladas e muito maiores e mais perniciosas
traições."
"Eu
falo, mas vós não ofendeis a Deus com
palavras; eu lembro-me, mas não ofendeis a
Deus com a memória; eu discorro, mas vós não
ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero,
mas vós não ofendeis a Deus com a vontade."
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Exclamação retórica |
"Oh maravilhas do altíssimo! Oh
poderes do que criou o mar e a terra!"
"Mas ah sim, que me não lembrava!"
"Tanto pescar e tão pouco tremer!"
"Oh
que boa doutrina era esta para a terra, se eu
não pregara para o mar!"
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Gradação crescente |
"(...)
um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão
astuto, tão enganoso e tão conhecidamente
traidor!" |
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Interrogação retórica |
"(...) qual será, ou qual pode ser,
a causa desta corrupção?"
"Não é tudo isto verdade?"
"(...) que se há-de fazer a este
sal, e que se há-de fazer a esta terra?"
"Que faria neste caso o ânimo
generoso do grande António? (...) Que faria
logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia?
Dissimularia? Daria tempo ao tempo?"
"(...)
onde permite Deus que estejam vivendo em
cegueira tantos milhares de gentes há tantos
séculos?!"
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Ironia |
"Mas ah sim, que me não lembrava! Eu
não prego a vós, prego aos peixes."
"E
debaixo desta aparência tão modesta, ou desta
hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o
maior traidor do mar."
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Metáfora |
"Esta é a língua, peixes, do vosso
grande pregador, que também foi rémora vossa,
enquanto o ouvistes; e porque agora está muda
(...) se vêem e choram na terra tantos
naufrágios."
"(...) pois às águias, que são os
linces do ar (...) e aos linces que são as
águias da terra (...)"
"(...) onde permite Deus que estejam
vivendo em cegueira tantos milhares de gentes
há tantos séculos?!"
" (...) vestir ou pintar as mesmas
cores (...)"
"(...)
e o polvo dos próprios braços faz as cordas."
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Paradoxo |
"(...) a terra e o mar tudo era
mar."
"E debaixo desta aparência tão
modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o
dito polvo é o maior traidor do mar."
"hipocrisia
tão santa"
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Paralelismo e anáfora |
"Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores...;
ou porque a terra se não deixa
salgar, e os ouvintes...
Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores...;
ou porque a terra se não deixa
salgar, e os ouvintes...
Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores...;
ou porque a terra se não deixa
salgar, e os ouvintes..."
"Deixa as praças, vai-se às praias;
deixa a terra, vai-se ao mar..."
"Quantos, correndo fortuna na Nau
Soberba (...), se a língua de António, como
rémora (...)
Quantos, embarcados na Nau Vingança
(...), se a rémora da língua de António (...)
Quantos, navegando na Nau Cobiça
(...), se a língua de António (...)
Quantos, na Nau Sensualidade (...),
se a rémora da língua de António (...)"
"(...) com aquele seu capelo na
cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos,
parece uma estrela;
com aquele não ter osso nem espinha,
parece a mesma brandura (...)"
"Se está nos limos, faz-se verde;
se está na areia, faz-se branco;
se
está no lodo, faz-se pardo (...)"
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Quiasmo |
"(...) os homens tinham a razão sem
o uso, e os peixes o uso sem a razão."
"(...) pescam os bastões e até os
ceptros pescam (...)"
"(...) pois às águias, que são os
linces do ar (...) e aos linces que são as
águias da terra (...)"
"Quem
pode nadar e quer voar, tempo virá em que não
voe nem nade."
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Trocadilho |
"Os homens tiveram entranhas para
deitar Jonas ao mar, e o peixe recolheu nas
entranhas a Jonas, para o levar vivo à terra."
"E porque nem aqui o deixavam os que
o tinham deixado, primeiro deixou Lisboa,
depois Coimbra, e finalmente Portugal."
"(...)
o peixe abriu a boca contra quem se lavava, e
Santo António abria a sua contra os que se não
queriam lavar."
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