FL |
Farol
das
Letras |
 |
|
Frei Luís de Sousa
as personagens
 |
O ator
Rui
Morison
Imagem
do filme
Quem
és tu?
de
João
Botelho |
|
Manuel
Sousa
Coutinho
*
Nobre, cavaleiro de Malta (1)
- No
ato I, assume uma atitude condizente com um
espírito clássico, deixando transparecer uma
serenidade e um equilíbrio próprios de uma razão
(2)
que domina os sentimentos e que se manifesta num discurso
expositivo e numa linguagem cuidada e erudita:
-
revela-se patriota, corajoso e decidido (3);
-
não sente ciúmes pelo passado de Madalena (4);
- No
ato III, evidencia uma postura acentuadamente
romântica: a dor, após a chegada do Romeiro,
parece ofuscar-lhe a razão, tal é a
forma como exterioriza os seus sentimentos,
fazendo-o de uma forma um tanto violenta,
descontrolada e, por vezes, até contraditória
(a razão
leva-o a desejar
a morte da filha e o amor impele-o a
contrariar a razão e a suplicar
desesperadamente pela sua vida) (5);
-
Pode-se, pois, concluir que esta personagem,
do ponto de vista psicológico, evolui de uma
personalidade de tipo clássico (atos I e II)
para uma personalidade de tipo romântico (ato
III).
|
Manuel, nobre e
cavaleiro de Malta
Madalena
- [...] Oh! e
quantas faluas navegando tão garridas por
esse Tejo! Talvez nalguma delas - naquela
tão bonita - venha Manuel de Sousa. Mas
neste tempo não há que fiar no Tejo: dum
instante para o outro levanta-se uma
nortada... e então aqui o pontal de
Cacilhas! Que ele é tão bom mareante...
Ora, um cavaleiro de Malta! (olha para
o retrato com amor)
(ato I, cena II)
Maria
- O que eu sou... só
eu sei minha mãe... E não sei, não: não
sei nada, senão que o que devia ser não
sou... - Oh! porque não havia de eu ter um
irmão que fosse galhardo e valente
mancebo, capaz de comandar os terços de
meu pai, de pegar numa lança daquelas com
que os nossos avós corriam a Índia,
levando adiante de si Turcos e Gentios! um
belo moço que fosse o retrato próprio
daquele gentil cavaleiro de Malta que ali
está. (apontando para o retrato) Como
ele era bonito, meu pai! Como lhe ficava
bem o preto!... e aquela cruz tão alva em
cima! para que deixou ele o hábito, minha
mãe, porque não ficou naquela santa
religião, a vogar em suas nobres galeras
por esses mares, e a afugentar os infiéis
da bandeira da Cruz?
(ato
I,
cena IV)
Manuel e o uso da
razão
Manuel
- Ora ouve cá,
filha. Tu tens uma grande propensão
para achar maravilhas e mistérios nas
coisas mais naturais e singelas. E
Deus entregou tudo à nossa razão,
menos os segredos de sua natureza
inefável, os de seu amor, e de sua
justiça e misericórdia para connosco.
Esses são os pontos sublimes e
incompreensíveis da nossa fé! Esses
crêem-se; tudo o mais examina-se. Mas
vamos: (sorrindo) não dirão
que sou da Ordem dos Pregadores?
Há-de ser destas paredes, é unção da
casa: que isto é quase um convento
aqui, Maria... Para frades de S.
Domingos não nos falta senão o
hábito...
(ato
I
I, cena III)
Manuel,
patriota, corajoso e decidido
Manuel
- [...] É
preciso sair já desta casa,
Madalena.
Maria
- Ah!
inda bem, meu pai!
Manuel
- Inda mal! mas
não há outro remédio. Sairemos
esta noite mesma. Já dei ordens
a toda a família. [...]
[...]
Manuel
- Luís de Moura
é um vilão ruim, faz como quem
é; o arcebispo é... o que os
outros querem que ele seja. Mas
o conde de Sabugal, o conde de
Santa Cruz, que deviam olhar por
quem são, e que tomaram este
encargo odioso... e vil, de
oprimir os seus naturais em nome
dum rei estrangeiro... Oh que
gente, que fidalgos
portugueses!... Hei-de-lhes dar
uma lição, a eles, e a este
escravo deste povo que os sofre,
como não levam tiranos há muito
tempo nesta terra.
(ato I,
cena VII)
Manuel
(passeia
agitado
de
um
lado
para
o
outro
da cena, com as mãos cruzadas
detrás das costas; e parando de
repente) - Há-de saber-se no
mundo que ainda há um português
em Portugal.
Madalena
- Que tens tu,
dize, que tens tu?
Manuel
- Tenho que não
hei-de sofrer esta afronta... e
que é preciso sair desta casa,
senhora.
Madalena
- Pois sairemos,
sim; eu nunca me opus ao teu
querer, nunca soube que coisa
era ter outra vontade diferente
da tua; estou pronta a
obedecer-te sempre, cegamente,
em tudo. Mas, oh! esposo da
minha alma... para aquela casa
não, não me leves para aquela
casa. (deitando-lhe os
braços ao pescoço)
Manuel
-
Ora tu não eras acostumada a
ter caprichos! Não temos outra
para onde ir; e a estas horas,
neste aperto... Mudaremos
depois, se quiseres... mas não
lhe vejo remédio agora. E a casa
que tem? Porque foi de teu
primeiro marido? É por mim que
tens essa repugnância? Eu
estimei e respeitei sempre a D.
João de Portugal; honro a sua
memória, por ti, por ele e por
mim; e não tenho na consciência
por que receie abrigar-me
debaixo dos mesmos tetos que o
cobriram. Viveste ali com ele?
Eu não tenho ciúmes de um
passado que me não pertencia. E
o presente, esse é meu, meu só,
todo meu, querida Madalena...
Não falemos mais nisso; é
preciso partir, e já.
Madalena
- Mas é que tu
não sabes... Eu não sou
melindrosa nem de invenções; em
tudo o mais sou mulher, e muito
mulher, querido; nisso não...
Mas tu não sabes a violência, o
constrangimento de alma, o
terror com que eu penso em ter
de entrar naquela casa.
Parece-me que é voltar ao poder
dele, que é tirar-me dos teus
braços, que o vou encontrar
ali... - oh perdoa, perdoa-me,
não me sai esta ideia da
cabeça... - que vou achar ali a
sombra despeitosa de D. João que
me está ameaçando com uma espada
de dois gumes... que a atravessa
no meio de nós, entre mim e ti e
a nossa filha, que nos vai
separar para sempre... Que
queres? Bem sei que é loucura;
mas a ideia de tornar a morar
ali, de viver ali contigo e com
Maria, não posso com ela. Sei
decerto que vou ser infeliz, que
vou morrer naquela casa funesta,
que não estou ali três dias,
três horas sem que todas as
calamidades do mundo venham
sobre nós. Meu esposo, Manuel,
marido da minha alma, pelo nosso
amor te peço, pela nossa
filha... Vamos seja para onde
for, para a cabana de algum
pobre pescador desses contornos,
mas para ali não, oh! não.
Manuel
- Em verdade
nunca te vi assim; nunca pensei
que tivesses a fraqueza de
acreditar em agouros. Não há
senão um temor justo, Madalena:
é o temor de Deus; não há
espetros que nos possam aparecer
senão os das más ações que
fazemos. Que tens tu na
consciência que tos faça temer?
O teu coração e as tuas mãos tão
puras; para os que andam diante
de Deus, a terra não tem sustos,
nem o inferno pavores que se
lhes atrevam. Rezaremos por alma
de D. João de Portugal nessa
devota capela que é parte da sua
casa; e não hajas medo que nos
venha perseguir neste mundo
aquela santa alma que está no
Céu, e que em tão santa batalha,
pelejando por seus Deus e por
seu rei, acabou mártir às mãos
dos infiéis. - Vamos, dona
Madalena de Vilhena, lembrai-vos
de quem sois e de quem vindes,
senhora... e não me tires,
querida mulher, com vãs quimeras
de crianças, a tranquilidade do
espírito e a força do coração,
que as preciso inteiras nesta
hora.
Madalena
-
Pois que vais tu fazer?
Manuel
- Vou, já te
disse, vou dar uma lição aos
nossos tiranos que lhes há-de
lembrar, vou dar um exemplo a
este povo que os há-de
alumiar...
(ato I,
cena VIII)
Madalena
-
Que fazes?... que fizeste? -
Que é isto, oh meu Deus!
Manuel
(tranquilamente) - Ilumino a
minha casa para receber os muito
poderosos e excelentes senhores
governadores destes reinos. Suas
excelências podem vir quando
quiserem.
(ato I,
cena XII)
Manuel,
uma atitude romântica
Manuel
- Oh, minha
filha, minha filha! (silêncio
longo) Desgraçada filha,
que ficas órfã!... órfã de
pai e de mãe... (pausa)
...e de família e de nome,
que tudo perdeste hoje... (levanta-se
com violenta aflição) A
desgraçada nunca os teve!
Oh, Jorge, que esta
lembrança é que me mata, me
desespera! (apertando a
mão do irmão, que se levantou
após ele e o está consolando
do gesto) É o castigo
terrível do meu erro... se
foi erro... crime sei que
não foi. E sabe-o Deus,
Jorge, e castigou-me assim,
meu irmão!
[...]
Manuel
- Olha,
Jorge: queres que te diga o
que eu sei decerto, e que
devia ser consolação... mas
não é, que eu sou homem, não
sou anjo, meu irmão - devia
ser consolação, e é
desespero, á a coroa de
espinhos e toda esta paixão
que estou passando... É que
a minha filha... Maria, a
filha do meu amor, a filha
do meu pecado, se Deus quer
que seja pecado, não vive,
não resiste, não sobrevive a
esta afronta. (Desata a
soluçar, com os cotovelos
fixos na mesa e as mãos
apertadas no rosto: fica nesta
posição por longo tempo.
Ouve-se de quando em quando um
soluço comprido. [...])
[...]
Manuel
- A lançar sangue?... Se
ela deitou o do coração!...
não tem mais. Naquele corpo
tão franzino, tão delgado,
que mais sangue há-de haver?
Quando ontem a arranquei de
ao pé da mãe e a levava nos
braços, não mo lançou todo
às golfadas aqui no peito?
(mostra um lenço branco todo
manchado de sangue) Não o
tenho aqui... o sangue... o
sangue da minha vítima?...
que é o sangue das minhas
veias... que é o sangue da
minha alma, é o sangue da
minha querida filha! (beija
o lenço muitas vezes) Oh,
meu Deus, meu Deus! Eu
queria pedir-te que a
levasses já... e não tenho
ânimo. Eu devia aceitar por
mercê de tuas misericórdias
que chamasses aquele anjo
para junto dos teus, antes
que o mundo, este mundo
infame e sem comiseração,
lhe cuspisse na cara com a
desgraça do seu nascimento.
Devia, devia... e não posso,
não quero, não sei, não
tenho ânimo, não tenho
coração. Peço-te vida, meu
Deus (ajoelha e põe as
mãos), peço-te vida, vida,
vida... vida para ela, vida
para a minha filha!...
saúde, vida para a minha
querida filha!... e morra eu
de vergonha, se é preciso;
cubra-me o escárnio do
mundo, desonre-me o opróbrio
dos homens, tape-me a
sepultura uma loisa de
ignomínia, um epitáfio que
fique a bradar por essas
eras desonra e infâmia sobre
mim!... Oh, meu Deus, meu
Deus! (cai de bruços no
chão [...])
(ato
III, cena I)
|
|
 |
As atrizes Suzana
Borges (Madalena) e Patrícia
Guerreiro (Maria)
Imagem do filme
Quem és
tu?
de
João
Botelho |
|
*
Uma mulher bem nascida, da família e sangue dos
Vilhenas (6),
os sentimentos dominam a razão:
- «Não é uma figura típica da época
clássica, em que vive, em oposição ao que
acontece com Manuel de Sousa. Toda a ordem
abstrata de valores encontra nela uma
ressonância pouco
profunda, todo o idealismo generoso se
empobrece dentro dos limites de um seu
conceito prático, objetivo, pessoal de
felicidade imediata, toda a espécie de
transcendência choca, numa zona muito íntima
da sua personalidade, com uma aspiração
vitalista de realização humana e terrena.» - Luís Amaro de Oliveira, Frei Luís
de Sousa, de Almeida Garrett, Realização
Didática;
- O sentimento do amor à Pátria é
praticamente inexistente: considera a atitude
dos governadores espanhóis como uma ofensa
pessoal (7);
- Para ela, é inaceitável que o
sentimento do amor de Deus possa conduzir ao
sacrifício do amor humano, não compreendendo,
nem aceitando a atitude da condessa de Vimioso
que abandonou o casamento para entrar em votos
(8): isto
explica que, até ao limite, tente dissuadir o
marido da tomada do hábito, só se resignando
quando tem a certeza de que ele já foi (9);
- Apesar de se não duvidar do seu amor de mãe,
é nela mais forte o amor de mulher, ao
contrário do que acontece com Manuel de Sousa
Coutinho, que se mostra muito mais preocupado
com a filha do que com a mulher (10);
|
|
- A consciência da sua condição social
mantém a sua dignidade, mas tal não impediu de
ter amado Manuel de Sousa ainda em vida de D.
João de Portugal e de ter casado com aquele sem
a prova material da morte deste (11).
- Nota de curiosidade:
Madalena, que, desde o primeiro instante, vive
aterrorizada com o «fantasma» do seu primeiro
marido, no momento em que o tem, fisicamente,
diante de si, e apesar das inúmeras
coincidências, é incapaz de o reconhecer!
Penso que as modificações físicas que
entretanto se operaram na pessoa não
justificam, por si só, tal falha.
|
Madalena, a mais
honrada e virtuosa dama que tem Portugal
Telmo
- Desgraçada! Porquê? Não sois feliz na
companhia do homem que amais, nos braços
do homem a quem sempre quisestes mais
sobre todos? - Que o pobre do meu amo...
respeito, devoção, lealdade, tudo lhe
tivestes, como tão nobre e honrada senhora
que sois... mas amor!
[...]
Telmo (ajoelhando e
beijando-lhe a mão) - Senhora... senhora
D. Madalena, minha ama, minha senhora...
castigai-me... mandai-me já castigar,
mandai-me cortar esta língua perra que não
toma insino. Oh senhora, senhora! é vossa
filha, é a filha do senhor Manuel de Sousa
Coutinho, fidalgo de tanto primor, e de
tão boa linhagem como os que têm por
melhores neste reino, em toda a Espanha. A
senhora D. Maria... a minha querida D.
Maria é sangue de Vilhenas e de Sousas;
não precisa mais nada, mais nada, minha
senhora, para ser... para ser...
(ato I, cena II)
Telmo
- Sois injusto.
Romeiro
- Bem sei o que queres
dizer. E é verdade isso? É verdade que por
toda a parte me procuraram, que por toda a
parte... ela mandou mensageiros, dinheiro?
Telmo
- Como é certo estar Deus
no céu, como é verdade ser aquela a mais
honrada e virtuosa dama que tem Portugal.
(ato III, cena V)
Jorge
- [...]
É certo que tive umas notícias de Lisboa...
Madalena
(assustada) - Pois que é,
que foi?
Jorge - Nada, não
vos assusteis; mas é bom que estejais
prevenida, por isso vo-lo digo. Os
governadores querem sair da cidade... é
um capricho verdadeiro... Depois
de aturarem metidos ali dentro toda a
força da peste, agora que ela está, se
pode dizer, acabada, que são raríssimos
os casos, é que por força querem mudar
de ares.
Madalena
- Pois coitados!...
[...]
Jorge
(alto) - Mas, enfim,
resolveram sair; e sabereis mais que, para
corte e «buen retiro» dos nossos cinco
reis, os senhores governadores de Portugal
por D. Filipe de Castela que Deus guarde,
foi escolhida esta nossa boa vila de
Almada, que o deveu à fama de suas águas
sadias, ares lavados e graciosa vista.
Madalena
- Deixá-los vir.
Jorge - Assim é, que
remédio! Mas ouvi o resto. O nosso pobre
convento de S. Paulo tem de hospedar o
senhor arcebispo D. Miguel de Castro,
presidente do governo. Bom prelado é
ele; e, se não fosse que nos tira do
humilde sossego de nossa vida, por vir
como senhor e príncipe secular... o
mais, paciência. Pior é o vosso caso.
Madalena
- O meu?
Jorge - O vosso e o de Manuel de Sousa:
porque os outros quatro governadores - e
aqui está o que me mandaram dizer em
muito segredo de Lisboa - dizem que
querem vir para esta casa, e pôr aqui
aposentadoria.
[...]
Madalena
- Mas que mal fizemos nós
ao conde de Sabugal e aos outros
governadores para nos fazerem esse
desacato? Não há por aí outras casas; e
eles não sabem que nesta há senhoras, uma
família... e que estou eu aqui?...
(ato I, cena V)
Madalena e a
atitude da condessa de Vimioso
Manuel
- Oh! querida mulher
minha, parece que vou eu agora imbarcar
num galeão para a Índia... Ora vamos: ao
anoitecer, antes da noite, aqui estou. E
Jesus!... Olha a condessa de Vimioso, esta
Joana de Castro que a nossa Maria tanto
deseja conhecer... Olha se ela faria esses
prantos quando disse o último adeus ao
marido...
Madalena
- Bendita ela seja!
Deu-lhe Deus muita força, muita virtude.
Mas não lhe invejo, não sou capaz de
chegar a essas perfeições.
[...]
Madalena
- Vivos ambos... sem
ofensa um do outro, querendo-se,
estimando-se... e separar-se cada um para
sua cova! Verem-se com a mortalha já
vestida e... vivos, sãos... depois de
tantos anos de amor... e convivência...
condenarem-se a morrer longe um do outro,
sós, sós! E quem sabe se nessa tremenda
hora... arrependidos!...
(ato II, cena
VIII)
Madalena não
se resigna à tomada de hábito
Madalena
- Ouve, espera: uma só,
uma só palavra, Manuel de Sousa!... (toca
o órgão dentro)
[...]
Madalena
(indo abraçar-se com a cruz)-
Oh Deus, Senhor meu! pois já, já? nem
mais um instante, meu Deus? Cruz do meu
Redentor, oh cruz preciosa, refúgio de
infelizes, ampara-me tu, que me
abandonaram todos neste mundo, e já não
posso com as minhas desgraças... e estou
feita um espetáculo de dor e de espanto
para o céu e para a terra! Tomai, Senhor,
tomai tudo... A minha filha também?... Oh!
a minha filha, a minha filha... também
essa vos dou, meu Deus. E agora, que mais
quereis de mim, Senhor? (toca o órgão
outra vez)
[...]
Madalena
(enxugando as lágrimas e com
resolução) - Ele foi?
Jorge
- Foi sim, minha irmã.
Madalena
(levantando-se) - E eu
vou. (saem ambos pela porta do fundo)
(ato III, cena
IX)
Madalena
tenta a todo o custo salvar o seu casamento
Madalena
- Esposo, esposo,
abri-me, por quem sois. Bem sei que
aqui estais! Abri!
[...]
Madalena
- Marido da minha
alma, pelo nosso amor te peço, pelos
doces nomes que me deste, pelas
memórias da nossa felicidade antiga,
pelas saudades de tanto amor e tanta
ventura, oh! não me negues este último
favor.
[...]
Madalena
- Meu marido, meu
amor, meu Manuel!
(ato III,
cena VI)
Madalena
- Sim, ouvi. Onde está
ele Telmo? Onde está meu marido...
Manuel de Sousa?
Manuel
(que tem estado no fundo,
enquanto Madalena, sem o ver, se
adiantara para a cena, vem agora à
frente) - Esse homem está aqui,
senhora; que lhe quereis?
Madalena
- Oh, que ar, que tom,
que modo esse com que me falas!...
Manuel
(enternecendo-se) - Madalena...
(caindo em si e gravemente) Senhora
como quereis que vos fale, que quereis
que vos diga? Não está tudo dito entre
nós?
Madalena
- Tudo! quem sabe? Eu
parece-me que não. Olha: eu sei?...
mas não daríamos nós, com demasiada
precipitação, uma fé tão cega, uma
crença tão implícita a essas
misteriosa palavras de um romeiro, um
vagabundo... um homem enfim que
ninguém conhece? Pois dize...
[...]
Manuel
- Oh Madalena,
Madalena! não tenho mais nada que te
dizer. Crê-me, que to juro na presença
de Deus: a nossa união, o nosso amor é
impossível.
(ato III,
cena VII)
Madalena
e o remorso do pecado do passado
Madalena
- Hoje... hoje! Pois
hoje é o dia da minha vida que mais
tenho receado... que ainda temo que
não acabe sem muito grande desgraça...
É um dia fatal para mim: faz hoje anos
que... que casei a primeira vez; faz
anos que se perdeu el-rei D.
Sebastião; faz anos também que... vi
pela primeira vez a Manuel de Sousa.
Jorge
- Pois contais essa
entre as infelicidades de vossa vida?
Madalena
- Conto. Este amor -
que hoje está santificado e bendito no
Céu, porque Manuel de Sousa é meu
marido - começou com um crime, porque
eu amei-o assim que o vi... e quando o
vi - hoje, hoje... foi em tal dia como
hoje! - D. João de Portugal ainda era
vivo. O pecado estava-me no coração; a
boca não o disse... os olhos não sei o
que fizeram; mas dentro da minha alma
eu já não tinha outra imagem senão a
do amante... já não guardava a meu
marido, a meu bom... a meu generoso
marido... senão a grosseira fidelidade
que uma mulher bem nascida quase que
mais deve a si do que ao seu esposo.
Permitiu Deus... quem sabe se para me
tentar?... que naquela funesta batalha
de Alcácer, entre tantos, ficasse
também D. João...
(ato II, cena
X)
Madalena,
superstição e terrores
Madalena
(repetindo
maquinalmente e devagar o que acaba
de ler)
«Naquele
ingano d'alma ledo e cego
Que a
fortuna não deixa durar muito...»
Com paz
e alegria d'alma... um ingano, um
ingano de poucos instantes que
seja... deve de ser a felicidade
suprema neste mundo. E que importa
que o não deixe durar muito a
fortuna? Viveu-se, pode-se morrer.
Mas eu!... (pausa)
Oh! que o não saiba ele ao menos,
que não suspeite o estado em que
eu vivo... este medo, estes
contínuos terrores, que ainda me
não deixaram gozar um só momento
de toda a imensa felicidade que me
dava o seu amor. Oh! que amor, que
felicidade... que desgraça a
minha!
(ato I,
cena I)
Madalena
(assustada) - Está
bom: não entremos com os teus
agouros e profecias do costume:
são sempre de aterrar...
Deixemo-nos de futuros...
[...]
Telmo - [...] «vivo ou
morto, Madalena, hei-de ver-vos
pelo menos ainda uma vez neste
mundo.» - Não era assim que dizia?
Madalena
(aterrada) - Era.
Telmo - Vivo não veio...
inda mal! E morto... a sua alma, a
sua figura...
Madalena
(possuída de grande
terror) - Jesus, homem!
Telmo - Não vos apareceu
decerto.
Madalena
- Não, credo!
Telmo (misterioso) - Bem sei
que não. [...]
Madalena
- Valha-me Deus,
Telmo! Conheço que desarrazoais; e
contudo as vossas palavras
metem-me um medo... Não me faças
mais desgraçada.
(ato I,
cena II)
Madalena
- [...] Mas tu não
sabes a violência, o
constrangimento de alma, o terror
com que eu penso em ter de entrar
naquela casa. Parece-me que é
voltar ao poder dele, que é
tirar-me dos teus braços, que o
vou encontrar ali... - oh perdoa,
perdoa-me, não me sai esta ideia
da cabeça... - que vou achar ali a
sombra despeitosa de D. João que
me está ameaçando com uma espada
de dois gumes... que a atravessa
no meio de nós, entre mim e ti e a
nossa filha, que nos vai separar
para sempre... Que queres? Bem sei
que é loucura; mas a ideia de
tornar a morar ali, de viver ali
contigo e com Maria, não posso com
ela. Sei decerto que vou ser
infeliz, que vou morrer naquela
casa funesta, que não estou ali
três dias, três horas sem que
todas as calamidades do mundo
venham sobre nós. [...]
(ato I,
cena VIII)
Madalena
- Sexta-feira! (aterrada)
Ai que é sexta-feira!
[...]
Madalena
- E tua mãe,
filha, deixa-la aqui só, a morrer
de tristeza? (aparte) e
de medo?
(ato II,
cena V)
Madalena
- Hoje... hoje!
Pois hoje é o dia da minha vida
que mais tenho receado... que
ainda temo que não acabe sem muito
grande desgraça... É um dia fatal
para mim: faz hoje anos que... que
casei a primeira vez; faz anos que
se perdeu el-rei D. Sebastião; faz
anos também que... vi pela
primeira vez a Manuel de Sousa.
(ato II,
cena X)
|
|

|
A atriz Patrícia
Guerreiro
Imagem do filme
Quem és
tu?
de
João
Botelho |
|
Maria
* Uma personagem idealizada:
- a ingenuidade, a
pureza, a meiguice, o abandono, etc.,
próprios duma alma infantil, e a
inteligência, a experiência, a cultura, a
intuição, características de um espírito
adulto, confluem numa personagem pouco real,
só entendida à luz do desvelo que Garrett
votava a sua filha Maria Adelaide e à
condição social que, para a mesma, resultara
da morte prematura da mãe;
- protótipo da
mulher-anjo, tão do agrado dos românticos,
Maria é demasiado angélica para ser
verdadeira;
-
a sua dimensão psicológica resulta, por
isso, contraditória, ao revelar
comportamentos, simultaneamente, de criança
e de adulto;
* Alguns traços
caracterizadores de Maria:
- ternura (13)
- culto
sebastianista (14)
- dom de sibila
(dom da profecia) (15)
- cultura (16)
- coragem,
ingenuidade e pureza (17)
|
|
Ternura de Maria
Maria
- Então, minha mãe, então!
- Vêem, vêem?... também minha mãe não
gosta. Oh! essa ainda é pior, que se
aflige, chora... ela aí está a chorar...
(Vai-se abraçar com a mãe, que chora.)
Minha querida mãe, ora pois então! [...]
Minha querida mãe!
(ato I, cena III)
Maria
(com sa lágrimas nos olhos, e
tomando-lhe as mãos) - Meu Telmo, meu
bom Telmo!... é uma glória ser filha de
tal pai, não é? Dize!
(ato II, cena I)
Maria
(reconhecendo-o) - Oh meu
pai, meu querido pai! Já me não diz mais
nada o coração senão isto. (lança-se-lhe
nos braços e beija-o na face muitas vezes)
Ainda bem que vieste.
(ato I I, cena
II)
Maria
- Minha mãe! (abraçando-a)
Então, se chorais assim, não vou.
(ato II, cena
VII)
Sebastianismo
de Maria
Maria
(entrando com umas
flores na mão, incontra-se com Telmo, e
o faz tornar para cena) - [...]
Telmo, aqui posto a conversar com
minha mãe, sem se importar de mim! Que
é do romance que me prometeste? Não é
o da batalha, não é o que diz:
«Postos estão,
frente a frente,
Os dois valorosos
campos;»
é o outro,
é o da ilha incoberta onde está el-rei
D. Sebastião, que não morreu e que
há-de vir, um dia de névoa muito
cerrada... Que ele não morreu; não é
assim, minha mãe?
Madalena
- Minha querida
filha, tu dizes coisas! [...] O
povo, coitado, imagina essas quimeras
para se consolar na desgraça.
Maria
- Voz do povo, voz de Deus, minha
senhora mãe: eles que andam tão
crentes nisto, alguma coisa há-de ser.
Mas ora o que me dá que pensar é ver
que, tirado aqui o meu bom velho Telmo
(chega-se toda para ele,
acarinhando-o), ninguém nesta casa
gosta de ouvir falar em que escapasse
o nosso bravo rei, o nosso santo rei
D. Sebastião. [...]
(ato I, cena
III)
Maria
- Pois não há
profecias que o dizem? Há, e eu creio
nelas. E também creio naqueloutro que
ali está (indica o retrato de
Camões), aquele teu amigo com quem tu
andaste lá pela Índia, nessa terra de
prodígios e bizarrias, por onde ele ia
... como é? ah, sim...
«N'uma
mão sempre a espada e n'outra a
pena...»
[...]
Maria
- Ninguém mais!...
Pois não lêem aquele livro que é para
dar memória aos mais esquecidos?
[...]
Maria
- Está no céu. Que o
céu fez-se para os bons e para os
infelizes, para os que já cá da terra
o adivinharam! - Este lia nos
mistérios de Deus; as suas palavras
são de profeta. Não te lembras o que
lá diz do nosso rei D. Sebastião?...
Como havia de ele então morrer? Não
morreu.
(ato II, cena
I)
Profecias
de Maria
Maria
- Não é
isso, não é isso: é que vos tenho
lido nos olhos... Oh, que eu leio
nos olhos, leio, leio!... e nas
estrelas do céu também - e sei
coisas...
[...]
Maria - [...]
quero-a dormir de um sono, não
quero sonhar, que me faz ver
coisas... lindas às vezes, mas tão
extraordinárias e confusas...
(ato I,
cena IV)
Maria
- [...] Vês tu?
Ela que não cria em agouros, que
sempre me estava a repreender
pelas minhas cismas, agora não lhe
sai da cabeça que a perda do
retrato é prognóstico fatal de
outra perda maior que está perto,
de alguma desgraça inesperada, mas
certa, que a tem de separar de meu
pai. - E eu agora é que faço de
forte e assisada, que zombo de
agouros e de sinas... para a
animar, coitada!... que aqui entre
nós, Telmo, nunca tive tanta fé
neles. Creio, oh, se creio! que
são avisos que Deus nos manda para
nos preparar. E há...oh! há grande
desgraça a cair sobre meu pai...
decerto! e sobre minha mãe também,
que é o mesmo.
[...]
Maria
- [...] Mas tenho
cá uma coisa que me diz que aquela
tristeza de minha mãe, aquele
susto, aquele terror em que está,
e que ela disfarça com tanto
trabalho na presença de meu pai
(também a mim mo queria incobrir,
mas agora já não pode, coitada!),
aquilo é pressentimento de
desgraça grande...
[...]
Maria
- Pois não
há profecias que o dizem? Há, e eu
creio nelas.
(ato I I,
cena I)
Maria
- [...] Mãe,
mãe, eu bem o sabia... nunca to
disse, mas sabia-o: tinha-mo dito
aquele anjo terrível que me
aparecia todas as noites para me
não deixar dormir...
(ato III,
cena XI)
Cultura
de Maria
Maria
(entrando
com umas flores na mão,
incontra-se com Telmo, e o faz
tornar para cena) - [...]
Que é do romance que me
prometeste? Não é o da
batalha, não é o que diz:
«Postos
estão, frente a
frente,
Os
dois valorosos
campos;»
é o
outro, é o da ilha incoberta
onde está el-rei D. Sebastião,
que não morreu e que há-de
vir, um dia de névoa muito
cerrada...
(ato
I, cena III)
Maria
-
E não lhas posso realizar,
bem sei. - Mas que hei-de eu
fazer? eu estudo, leio...
[...]
Madalena
- Lês de
mais, cansas-te, não te
distrais como as outras
donzelas da tua idade, não
és...
(ato
I, cena IV)
Jorge
- A minha donzela Teodora!
(ato
I, cena V)
Nota: mulher do imperador
Justiniano I, Teodora é símbolo
de coragem e da sabedoria
feminina.
Maria
- Tio,
venha, quero ver se me
acomodam os meus livrinhos; (confidencialmente)
e os meus papéis, que eu
também tenho papéis. Deixai
que lá na outra casa vos
hei-de mostrar... Mas segredo!
(ato
I, cena VII)
Maria
- «Menina e
moça me levaram de casa de meu
pai» - é o princípio daquele
livro tão bonito que minha mãe
diz que não intende: intendo-o
eu. [...]
[...]
Maria
- Pois
não há profecias que o dizem?
Há, e eu creio nelas. E também
creio naqueloutro que ali está
(indica o retrato de Camões),
aquele teu amigo com quem tu
andaste lá pela Índia, nessa
terra de prodígios e
bizarrias, por onde ele ia ...
como é? ah, sim...
«N'uma
mão sempre a espada e
n'outra a pena...»
(ato
I I, cena I)
Coragem,
ingenuidade e pureza de Maria
Maria
- Coitado
do povo! Que mais valem as
vidas deles? Em pestes e
desgraças assim, eu
entendia, se governasse,
que o serviço de Deus e do
rei me mandava ficar, até
à última, onde a miséria
fosse mais e o perigo
maior, para atender com
remédios e amparo aos
necessitados. Pois rei não
quer dizer pai comum de
todos?
[...]
Maria
(com
vivacidade) - Fechamo-lhes
as portas. Metemos a nossa
gente dentro - o terço de
meu pai tem mais de
seiscentos homens - e
defendemo-nos. Pois não é
uma tirania?... - e há-de
ser bonito!... Tomara eu
ver seja o que for que se
pareça com uma batalha!
(ato
I, cena V)
Doença
de Maria
Telmo
- [...] (aparte,
e indo-se depois de lhe
tomar as mãos) Que
febre que ela tem
hoje, meu Deus!
queimam-lhe as mãos...
e aquelas rosetas nas
faces... Se o
perceberá a pobre da
mãe!
(ato
I, cena III)
Maria
- Pois oiço eu muito
claro. É meu pai que
aí vem... e vem
afrontado!
(ato
I, cena V)
Nota: diz-se que os
tuberculosos têm o
ouvido muito apurado.
Jorge
- [...] mas quero-te
mais fria de cabeça,
ouves?
Maria
(aparte) - Fria!...
quando ela estiver
oca!
(ato
II, cena V)
Manuel
- A lançar
sangue?... Se ela
deitou o do
coração!... não tem
mais. Naquele corpo
tão franzino, tão
delgado, que mais
sangue há-de haver?
Quando ontem a
arranquei de ao pé da
mãe e a levava nos
braços, não mo lançou
todo às golfadas aqui
no peito? (mostra
um lenço branco todo
manchado de sangue) Não
o tenho aqui... o
sangue... o sangue da
minha vítima?... que é
o sangue das minhas
veias... que é o
sangue da minha alma,
é o sangue da minha
querida filha!
(ato
III, cena I)
|
|

|
O ator José
Pinto
Imagem
do filme
Quem és tu?
de
João
Botelho |
|
Telmo
Pais
A
personagem central do Frei
Luís de Sousa?
«A
tragédia grega é a história de um fado que
brinca com os homens: é típico o caso de
Édipo. Os homens bem fazem, bem fogem, bem
inventam desculpas e subterfúgios - vale
tanto como nada. Eles próprios sabem, muito
embora finjam o contrário, que o destino os
virá colher na rede. E pouco a pouco a face
deles, que se fingia despreocupada, vai-se
cavando e petrificando nas rugas do terror.
Ora é este destino que se aproxima passo a
passo e este terror crescente dos humanos
que se sabem colhidos na rede da história
que Garrett nos conta no Frei Luís de
Sousa. Por isso mesmo, o drama quase
não tem enredo. Logo de começo se sabe o que
vai acontecer; o desfecho é evidente e não
interessa ao autor torná-lo incerto por meio
de uma intriga complicada. Interessa-lhe
antes contar o terror e o pasmo dos homens
ante esse desfecho garantido de antemão. A
única ação movimentada - a resistência de
Manuel de Sousa aos regentes e o incêndio de
sua casa - serve para encaminhar as
personagens ao ponto preciso em que o
destino as quer apanhar: a casa do próprio
D. João de Portugal, à vista do seu retrato.
Em vão D. Madalena resiste, em vão Manuel de
Sousa sossega, tentando conjurar o destino
pela ignorância inocente do que todos sabem
que vai acontecer.
[...]
Convém
analisar o terceiro elemento que Garrett
recebeu do teatro clássico: o conflito
psicológico suscitado pelos dilemas perante
os quais são colocadas as personagens.
Este
terceiro elemento realiza-se particularmente
na figura de Telmo Pais, que Garrett
interpretou pessoalmente na representação
particular da peça.
Telmo
Pais
tem de escolher entre Maria, que ele criou,
e D. João, que ele também criou e a quem
deve, além disso, fidelidade de escudeiro.
Mas o que faz deste caso uma novidade na
história do teatro é que Telmo Pais, na
realidade, não tem de escolher, ele está de
antemão decidido. A perplexidade perante o
dilema é apenas a forma exterior com que
Garrett revestiu uma coisa bem diferente
daquilo que o teatro clássico conhecia.
Telmo Pais, amo e criado de D. João de
Portugal, era o seu maior amigo, e nenhuma
criatura sofreu tanto como ele o seu
desaparecimento; opôs-se quanto pôde a que a
sua viúva casasse segunda vez e não lhe pôde
perdoar a infidelidade para com o amo, cuja
morte se recusou sempre a aceitar. (19)
O resto dos seus dias é consagrado ao culto
do desaparecido, a quem levanta no seu
coração um altar. E lentamente os dias vão
passando, a imagem de D. João vai-se-lhe
entranhando na alma, tornando-se com o tempo
talvez mais rígida, mais nítida, mais
adorada. O tempo só fazia aumentar a
adoração. Mas deste casamento abominado
nascera uma criança. Quis o destino que
Telmo também fosse o amo dela, e o seu
coração cresceu com este novo amor. (20)
Mas pode Telmo continuar a não acreditar na
morte de seu amo? Porque se ele é vivo e
voltar, que será feito da sua menina? Órfã e
desgraçada é o que ela será, segundo a moral
da época. Durante muito tempo Telmo não
chega a ter consciência clara desta
contradição. Conserva os círios acesos no
altar de D. João - mas, no fundo, desejará a
sua vinda? Os círios, que ele não deixa
apagar, não serão, realmente, círios à
imagem de um morto a quem desta maneira se
paga uma dívida e se pede perdão por
continuarmos a viver? É o que se verá quando
D. João chegar.
No
momento
culminante, o pobre Telmo Pais descobre que
no fundo da alma desejava que D. João
tivesse continuado morto. (21)
O seu reaparecimento transtorna-lhe a sua
verdadeira vida. E Garrett leva o drama
desta personagem às suas consequências
últimas, porque é ele - a mandado de D.
João, é verdade, mas com uma satisfação
secreta e cheia de remorsos -, é ele quem
vai à última hora espalhar que o Romeiro é
um impostor. É ele, afinal, e isto é que é
terrível, quem vai matar definitivamente seu
amo (22),
ele,
o único que lhe não tinha acreditado na
morte e que fizera votos pelo seu regresso,
o único que pode testemunhar a sua vida.
Se esta
interpretação é verdadeira, Garrett põe
mediante esta personagem um problema, que é
novo, na história do teatro. Telmo Pais tem
uma personalidade fictícia, convencional, e
por baixo desta uma personalidade autêntica.
A personalidade fictícia, construída, feita
da nossa vida passada, coerente, é aquela
que nós próprios nos atribuímos e aquela com
que figuramos nos atos correntes da vida.
Mas a outra personalidade, secreta, que nós
próprios às vezes não conhecemos, é a que
vem à superfície nos momentos de crise e
ante o nosso próprio espanto. Telmo quer ser
coerente com o seu passado; a imagem em que
ele próprio se construiu foi a do escudeiro
fiel: com essa máscara o vêem os outros e se
vê ele próprio a si. e um dia esta imagem é
quebrada como uma capa de gelo, e a onda da
vida jorra. [...]»
António José Saraiva, Conferência
proferida em 29/03/1947 no Salão de O
SÉCULO
|
|
Oposição de Telmo ao
segundo casamento de D. Madalena
Telmo
(deitando-lhe os olhos) - Oh! oh! livro
para damas - e para cavaleiros... e para
todos: um livro que serve para todos; como
não há outro, tirante o respeito devido ao
da palavra de Deus! Mas esse não tenho eu
a consolação de ler, que não sei latim
como o meu senhor... quero dizer, como o
Sr Manuel de Sousa Coutinho - que lá
isso!... [...]
Madalena
- Olhai, Telmo; eu não vos quero dar
conselhos: bem sabeis que desde o tempo
que... que...
Telmo
- Que já lá vai, que era outro tempo.
[...]
Madalena
- [...] Conheci-te de tão criança, de
quando casei a... a... a... primeira vez -
costumei-me a olhar para ti com tal
respeito: já então eras o que és, o
escudeiro valido, o familiar quase
parente, o amigo velho e provado de teus
amos...
Telmo
(enternecido) - Não digais mais, senhora,
não me lembreis de tudo o que eu era.
Madalena
(quase ofendida) - Porquê? Não és hoje o
mesmo, ou mais ainda, se é possível?
Quitaram-te alguma coisa da confiança, do
respeito, do amor e carinho a que estava
costumado o aio fiel de meu senhor D. João
de Portugal, que Deus tenha em glória?
Telmo
(aparte) - Terá...
[...]
Madalena
- [...] Depois que fiquei só, depois
daquela funesta jornada de África que me
deixou viúva, órfã e sem ninguém... sem
ninguém, e numa idade... com dezassete
anos! - em vós, Telmo, em vós só, achei o
carinho e proteção, o amparo que eu
precisava. Ficastes-me em lugar de pai: e
eu... salvo numa coisa! - tenho sido para
vós, tenho-vos obedecido como filha.
Telmo
- Oh, minha senhora, minha senhora! mas
essa coisa em que vos apartastes dos meus
conselhos...
Madalena
- Para essa houve poder maior que as
minhas forças... D. João ficou naquela
batalha com seu pai, com a flor da nossa
gente. (sinal de impaciência em
Telmo) Sabeis como chorei a sua perda,
como respeitei a sua memória, como durante
sete anos, incrédula a tantas provas e
testemunhos de sua morte, o fiz procurar
por essas costas de Berberia, por todas as
sejanas de Fez e Marrocos, por todos
quantos aduares de Alarves aí houve...
Cabedais e valimentos, tudo se empregou;
gastaram-se grossas quantias; os
embaixadores de Portugal e Castela tiveram
ordens apertadas de o buscar por toda a
parte; aos padres da Redenção, a quanto
religioso ou mercador podia penetrar
naquelas terras, a todos se encomendava o
seguir a pista do mais leve indício que
pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos,
aquela notícia que logo viera com as
primeiras novas da batalha de Alcácer.
Tudo foi inútil; e a ninguém mais ficou
resto de dúvida...
Telmo
- senão a mim.
Madalena
- Dúvida de fiel servidor, esperança de
leal amigo, meu bom Telmo, que diz com
vosso coração, mas que tem atormentado o
meu... E então sem nenhum fundamento, sem
o mais leve indício... Pois dizei-me em
consciência, dizei-mo de uma vez, claro e
desenganado: a que se apega esta vossa
credulidade de sete... e hoje mais
catorze... vinte e um anos?
Telmo
(gravemente) - Às palavras, às formais
palavras daquela carta escrita na própria
madrugada do dia da batalha, e entregue a
Frei Jorge que vo-la trouxe. - «Vivo ou
morto» - rezava ela - «vivo ou morto...»
Não me esqueceu uma letra daquelas
palavras: e eu sei que homem era meu amo
para as escrever em vão: - «vivo ou morto,
Madalena, hei-de ver-vos pelo menos ainda
uma vez neste mundo.» - Não era assim que
dizia?
Madalena
(aterrada) - Era.
Telmo
- Vivo não veio... inda mal! E morto... a
sua alma, a sua figura...
Madalena
(possuída de grande terror) - Jesus,
homem!
Telmo
- Não vos apareceu decerto.
Madalena
- Não, credo!
Telmo
(misterioso) - Bem sei que não.
Queria-vos muito; e a sua primeira visita,
como de razão, seria para minha senhora.
Mas não sei se ia sem aparecer também ao
seu aio velho.
Madalena
- Valha-me Deus, Telmo! Conheço que
desarrazoais; e contudo as vossas palavras
metem-me um medo... Não me faças mais
desgraçada.
Telmo
- Desgraçada! Porquê? Não sois feliz na
companhia do homem que amais, nos braços
do homem a quem sempre quisestes mais
sobre todos? - Que o pobre do meu amo...
respeito, devoção, lealdade, tudo lhe
tivestes, como tão nobre e honrada senhora
que sois... mas amor!
Madalena
- Não está em nós dá-lo, nem quitá-lo,
amigo.
Telmo
- Assim é. Mas os ciúmes que meu amo não
teve nunca - bem sabeis que têmpera de
alma era aquela - tenho-os eu... aqui está
a verdade nua e crua... tenho-os eu por
ele. Não posso, não posso ver... e desejo,
quero, forcejo por me acostumar... mas não
posso. Manuel de Sousa... o senhor Manuel
de Sousa Coutinho é guapo cavalheiro,
honrado fidalgo, bom português... mas -
mas não é, nunca há-de ser, aquele espelho
de cavalaria e gentileza, aquela flor dos
bons... Ah meu nobre amo, meu santo amo!
(ato I, cena II)
Amor de Telmo
por Maria
Madalena
- Filha do meu coração!
Telmo
- E do meu. Pois não se lembra, minha
senhora, que ao princípio era uma
criança que eu não podia... - é a
verdade, não a podia ver: já sabereis
porquê; mas vê-la, era ver... Deus me
perdoe!... nem eu sei... E daí
começou-me a crescer, a olhar para mim
com aqueles olhos a fazer-me tais
meiguices, e a fazer-se-me um anjo tal
de formosura e de bondade, que -
vedes-me aqui agora, que lhe quero
mais do que seu pai.
Madalena (sorrindo) - Isso agora...
Telmo
- Do que vós.
Madalena (rindo) - Ora, meu Telmo!
Telmo
- Mais, muito mais. E veremos: tenho
cá uma coisa que me diz que, antes de
muito, se há-de ver quem é que quer
mais à nossa menina nesta casa.
[...]
Telmo
- Assim é. Mas os ciúmes que meu amo
não teve nunca - bem sabeis que
têmpera de alma era aquela - tenho-os
eu... aqui está a verdade nua e
crua... tenho-os eu por ele. Não
posso, não posso ver... e desejo,
quero, forcejo por me acostumar... mas
não posso. Manuel de Sousa... o senhor
Manuel de Sousa Coutinho é guapo
cavalheiro, honrado fidalgo, bom
português... mas - mas não é, nunca
há-de ser, aquele espelho de cavalaria
e gentileza, aquela flor dos bons...
Ah meu nobre amo, meu santo amo!
Madalena
- Pois sim, tereis razão... tendes
razão, será tudo como dizeis. Mas
refleti, que haveis cabedal de
inteligência para muito; eu resolvi-me
por fim a casar com Manuel de Sousa;
foi do aprazimento geral de nossas
famílias, da própria família de meu
primeiro marido, que bem sabeis quanto
me estima; vivemos (com afetação)
seguros, em paz e felizes... há
catorze anos. Temos esta filha, esta
querida Maria que é todo o gosto e
ânsia da nossa vida. Abençoou-nos Deus
na formosura, no ingenho, nos dotes
admiráveis daquele anjo... E tu, meu
Telmo, que és tão seu, que chegas a
pretender ter-lhe mais amor que nós
mesmos...
Telmo
- Não, não tenho!
Madalena
- Pois tens: melhor! E és tu o que
andas, continuamente e quase por
acinte, a sustentar essa quimera, a
levantar esse fantasma, cuja sombra, a
mais remota, bastaria para inodoar a
pureza daquela inocente, para condenar
a eterna desonra a mãe e a filha!... (Telmo
dá sinais de grande agitação) Ora
dize: já pensaste bem no mal que estás
fazendo? Eu bem sei que a ninguém
neste mundo, senão a mim, falas em
tais coisas... falas assim como hoje
temos falado... mas as tuas palavras
misteriosas, as tuas alusões
frequentes a esse desgraçado rei D.
Sebastião, que o seu mais desgraçado
povo ainda não quis acreditar que
morresse, por quem ainda espera em sua
leal incredulidade, - esses contínuos
agouros, em que andas sempre, de uma
desgraça que está iminente sobre a
nossa família... não vês que estás
excitando com tudo isso a curiosidade
daquela criança, aguçando-lhe o
espírito - já tão perspicaz! - a
imaginar, a descobrir... quem sabe se
a acreditar nessa prodigiosa desgraça,
em que tu mesmo... tu mesmo... sim,
não crês deveras? Não crês, mas achas
não sei que doloroso prazer em ter
sempre viva e suspensa essa dúvida
fatal. E então considera, vê: se um
terror semelhante chega a entrar
naquela alma, quem lho há-de tirar
nunca mais?... O que há-de ser dela e
de nós? - Não a perdes, não a matas...
não me matas a minha filha?
Telmo
(em grande agitação durante a fala
precedente, fica pensativo e aterrado;
fala depois como para si) - É verdade
que sim! A morte era certa. E não
há-de morrer: não, não, não, três
vezes não. (para Madalena) À
fé de escudeiro honrado, senhora D.
Madalena, a minha boca não se abre
mais; e o meu espírito há-de... há-de
fechar-se também... (aparte) Não
é
possível,
mas
eu
hei-de salvar o meu anjo do Céu!
(alto para Madalena) Está dito,
minha senhora.
(ato I, cena
II)
Telmo
(só) - Virou-se-me
a alma toda com isto: já não sou o
mesmo homem. Tinha um pressentimento
do que havia de acontecer...
parecia-me que não podia deixar de
suceder... e cuidei que o desejava
enquanto não veio. Veio, e fiquei mais
aterrado, mais confuso que ninguém!
Meu honrado amo, o filho do meu nobre
senhor está vivo... o filho que eu
criei nestes braços... vou saber novas
certas dele, no fim de vinte anos de o
julgarem todos perdido; e eu, eu que
sempre esperei, que sempre suspirei
pela sua vinda... - era um milagre que
eu esperava sem o crer! - Eu agora
tremo... É que o amor desta outra
filha, desta última filha, é maior, e
venceu... venceu, apagou o outro.
Perdoe-me Deus, se é pecado. Mas que
pecado há-de haver com aquele anjo? Se
ela me viverá, se escapará desta crise
terrível? Meu Deus! (ajoelha) Levai
o velho que já não presta para nada,
levai-o por quem sois! (aparece o
romeiro à porta da esquerda, e vem
lentamente aproximando-se de Telmo que
não dá por ele) Contentai-vos com
este pobre sacrifício da minha vida,
Senhor, e não me tomeis dos braços o
inocentinho que eu criei para vós,
Senhor, para vós... mas ainda não, não
mo leveis ainda. Já padeceu muito, já
traspassaram bastantes dores aquela
alma; esperai com a da morte algum
tempo!...
(ato III,
cena IV)
Telmo deseja a
morte de D. João de Portugal
Telmo
(só) - Virou-se-me
a alma toda com isto: já não sou o
mesmo homem. Tinha um pressentimento
do que havia de acontecer...
parecia-me que não podia deixar de
suceder... e cuidei que o desejava
enquanto não veio. Veio, e fiquei mais
aterrado, mais confuso que ninguém!
Meu honrado amo, o filho do meu nobre
senhor está vivo... o filho que eu
criei nestes braços... vou saber novas
certas dele, no fim de vinte anos de o
julgarem todos perdido; e eu, eu que
sempre esperei, que sempre suspirei
pela sua vinda... - era um milagre que
eu esperava sem o crer! - Eu agora
tremo... É que o amor desta outra
filha, desta última filha, é maior, e
venceu... venceu, apagou o outro.
Perdoe-me Deus, se é pecado. Mas que
pecado há-de haver com aquele anjo? Se
ela me viverá, se escapará desta crise
terrível? Meu Deus! (ajoelha) Levai
o velho que já não presta para nada,
levai-o por quem sois! (aparece o
romeiro à porta da esquerda, e vem
lentamente aproximando-se de Telmo que
não dá por ele) Contentai-vos com
este pobre sacrifício da minha vida,
Senhor, e não me tomeis dos braços o
inocentinho que eu criei para vós,
Senhor, para vós... mas ainda não, não
mo leveis ainda. Já padeceu muito, já
traspassaram bastantes dores aquela
alma; esperai com a da morte algum
tempo!...
(ato III,
cena IV)
Telmo
- Esta voz... esta voz! Romeiro,
quem és tu?
Romeiro (tirando o chapéu e
alevantando o cabelo dos olhos) - Ninguém,
Telmo, ninguém, se nem já tu me
conheces.
Telmo
(deitando-se-lhe às mãos para lhas
beijar) - Meu amo, meu senhor... sois
vós? Sois, sois. D. João de Portugal,
oh, sois vós, senhor?
Romeiro
- Teu filho já não?
[...]
Telmo
- Por tão longe andastes?
Romeiro
- E por tão longe eu morrera! - Mas
não quis Deus assim.
Telmo
- Seja feita a Sua vontade.
Romeiro
- Pesa-te?
Telmo
- Oh, senhor!
Romeiro
- Pesa-te.
Telmo
- Há-de-me pesar da vossa vida? (aparte)
Meu Deus, parece-me que menti...
(ato III,
cena V)
Telmo "mata" D.
João de Portugal
Romeiro - Basta: vai dizer-lhe
que o peregrino era um impostor,
que desapareceu, que ninguém mais
houve novas dele; que tudo isto
foi vil e grosseiro embuste dos
inimigos de... dos inimigos desse
homem que ela ama... E que
sossegue, que seja feliz. Telmo,
adeus!
Telmo - E eu hei-de mentir,
senhor, eu hei-de renegar de vós,
como um ruim vilão que não sou?
Romeiro - Hás-de, porque eu te
mando.
Telmo
- Por tão longe andastes?
Romeiro - E por tão longe eu
morrera! - Mas não quis Deus
assim.
Telmo (em grande ansiedade) - Senhor,
senhor, não tenteis a fidelidade
do vosso servo. É que vós não
sabeis... D. João, meu senhor, meu
amo, meu filho, vós não sabeis...
Romeiro - O quê?
Telmo
- Que há aqui um anjo... uma
outra filha minha, senhor, que eu
também criei...
Romeiro - E a quem já queres
mais que a mim, dize a verdade.
Telmo - Não mo pergunteis.
Romeiro - Nem é preciso. Assim
devia de ser. Também tu!
Tiraram-me tudo. [...]
Telmo
- Meu Deus, meu Deus! que hei-de
eu fazer?
Romeiro - O que te ordena teu
amo. Telmo, dá-me um abraço. (abraçam-se)
Adeus, adeus, até...
Telmo (com ansiedade crescente)
- Até quando, senhor?
Romeiro - Até ao dia do juízo.
Telmo - Pois vós?...
Romeiro - Eu... - Vai, saberás
de mim quando for tempo. Agora é
preciso remediar o mal feito. Fui
imprudente, fui injusto, fui duro
e cruel. E para quê? D. João de
Portugal morreu no dia em que sua
mulher disse que ele morrera. Sua
mulher honrada e virtuosa, sua
mulher que ele amava... oh, Telmo,
Telmo, com que amor a amava eu! -
sua mulher que ele já não pode
amar sem desonra e vergonha!... Na
hora em que ela acreditou na minha
morte, nessa hora morri. Com a mão
que deu a outro riscou-me do mundo
dos vivos. D. João de Portugal não
há-de desonrar a sua viúva. Não,
vai; dito por ti terá dobrada
força: dize-lhe que falaste com o
romeiro, que o examinaste, que o
convenceste de falso e de
impostor... dize o que quiseres,
mas salva-a a ela da vergonha, e
ao meu nome da afronta. de mim já
não há senão esse nome, ainda
honrado; a memória dele que fique
sem mancha. está em tuas mãos,
Telmo, entrego-te mais do que a
minha vida. Queres faltar-me
agora?
Telmo
- Não, meu senhor; a resolução é
nobre e digna de vós. Mas pode ela
aproveitar ainda?
Romeiro - Porque não?
Telmo
- Eu sei! - Talvez...
(ato III,
cena V)
Telmo (à parte, a
Jorge) - Tenho que vos dizer,
ouvi. (conversam ambos à
parte)
[...]
Jorge (continuando
a conversação com Telmo, e
levantando a voz com aspereza) -
É impossível já agora... e sempre
o devia ser.
(ato III,
cena VII)
Romeiro (para Telmo) - Vai,
vai; vê se ainda é tempo;
salva-os, salva-os, que ainda
podes.... (Telmo dá alguns
passos para diante)
(ato III,
cena XII)
|
|

|
O ator Francisco
d'Orey
Imagem do
filme
Quem és
tu?
de
João
Botelho |
|
D.
João de Portugal
*
Casado com D. Madalena, mas desaparecido na
Batalha de Alcácer Quibir (23),
revela-se como:
-
Uma existência abstrata (uma
espécie de fantasma omnipresente) até à cena
XII do ato II, inclusive, permanecendo em
cena através dos receios evocativos de
Madalena (24),
da crença de Telmo em relação ao seu
regresso (25)
e do sebastianismo de Maria (26)
(se D. Sebastião pode regressar, o mesmo
pode acontecer em relação a D. João de
Portugal);
-
Uma existência concreta a partir da
cena XIII do ato II:
- regressa a Portugal ao
fim de 21 anos, depois de ter passado 20
em cativeiro, em África e na Ásia,
surgindo na figura do Romeiro (mesmo
assim, a sua identidade só é revelada no
final do ato II (27));
- procura interferir
voluntariamente na ação dramática,
tentando impedir, com a cumplicidade de
Telmo, a entrada em hábito de Madalena e
de Manuel de Sousa (28);
- acaba por assistir à
morte de Maria e à tomada de hábito dos
ex-cônjuges (29).
|
Desaparecido
na batalha de Alcácer Quibir
Madalena
- [...] a todos se encomendava o seguir
a pista do mais leve indício que pudesse
desmentir, pôr em dúvida ao menos, aquela
notícia que logo viera com as primeiras
novas da batalha de Alcácer. [...]
(ato I, cena II)
Manuel
- [...] Rezaremos por alma de D. João de
Portugal nessa devota capela que é parte
da sua casa; e não hajas medo que nos
venha perseguir neste mundo aquela santa
alma que está no Céu, e que em tão santa
batalha, pelejando por seus Deus e por seu
rei, acabou mártir às mãos dos infiéis.
[...]
(ato I, cena VIII)
Madalena
(na maior ansiedade) - Deus tenha
misericórdia de mim! E esse homem, esse
homem, Jesus! esse homem era... esse homem
tinha sido... levaram-no aí de donde?...
de África?
Romeiro
- Levaram.
Madalena
- Cativo?...
Romeiro
- Sim.
Madalena
- Português?... cativo da batalha de?...
Romeiro
- De Alcácer Quibir.
(ato II, cena XIV)
Revelação da
identidade do Romeiro
Jorge
- [...] Oh! Inspiração
divina... (chegando ao Romeiro) Conheceis
bem esse homem, romeiro, não é assim?
Romeiro
- Como a mim mesmo.
Jorge
- Se o víreis ainda
que fora noutros trajos... com menos
anos, pintado, digamos,
conhecê-lo-eis?
Romeiro
- Como se me visse a
mim mesmo num espelho.
Jorge
- Procurai nesses
retratos, e dizei-me se algum deles
pode ser.
Romeiro
(sem procurar, e
apontando logo para o retrato de D.
João) - É aquele.
(ato II, cena
XIV)
Jorge
- Romeiro, Romeiro!
quem és tu?
Romeiro
(apontando com o
bordão para o retrato de D. João de
Portugal) - Ninguém.
(ato II, cena
XV)
D. João assiste
à morte de Maria
Romeiro
(para Telmo) - Vai,
vai; vê se ainda é tempo;
salva-os, que ainda podes... (Telmo
dá alguns passos para diante)
Maria
(apontando para o
Romeiro) - É aquela voz, é ele,
é ele. Já não é tempo... Minha
mãe, meu pai, cobri-me bem estas
faces, que morro de vergonha... (esconde
o rosto no seio da mãe) morro,
morro... de vergonha... (cai
e fica morta no chão. Manuel de
Sousa e Madalena prostram-se ao pé
do cadáver da filha)
Manuel
(depois de algum
espaço, levanta-se de joelhos) - Minha
irmã, rezemos por alma...
encomendemos a nossa alma a este
anjo que Deus levou para si. Padre
Prior, podeis-me lançar aqui o
escapulário?
Prior
(indo buscar os
escapulários ao altar-mor e
tornando) - Meus irmãos, Deus
aflige neste mundo àqueles que
ama. A coroa de glória não se dá
senão no Céu.
(Toca o
órgão; cai o pano.)
(ato III,
cena XII)
|
|
|
topo
|
Visitas desde 21
de outubro de 2001:

© 2001-
-
Manuel Maria, associado da SPA.
Textos
em conformidade com as normas do novo acordo ortográfico.
|