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José Saramago

Discurso na 1ª pessoa

Tudo é autobiografia

«Um dia escrevi que tudo é autobiografia, que a vida de cada um de nós a estamos contando em tudo quanto fazemos e dizemos, nos gestos, na maneira como nos sentamos, como andamos e olhamos, como viramos a cabeça ou apanhamos um objeto do chão.» Ontem como hoje, «pergunto-me se o que move o leitor à leitura não será a secreta esperança ou a simples possibilidade de vir a descobrir, dentro do livro, mais do que a história contada, a pessoa invisível, mas omnipresente, que é o autor».

In Diário de Notícias, 1998-10-09

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Os livros levam uma pessoa dentro: o autor

«Há alguns anos, após uma palestra na Universidade de Valência, um aluno, rapaz alto, forte, tipo de atleta (...), aproximou-se timidamente e conseguiu dizer: "Gostei daquela sua ideia de que os livros levam uma pessoa dentro, o autor." Agradeci-lhe ter-me compreendido.»

In Diário de Notícias, 1998-10-09

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O pai espiritual do homem que eu sou é a criança que eu fui

«Quero é recuperar, saber, reinventar a criança que eu fui. Pode parecer uma coisa um pouco tonta, um senhor nesta idade estar a pensar na criança que foi. Mas é porque eu acho que o pai da pessoa que eu sou é essa criança que eu fui. Há o pai biológico, e a mãe biológica, mas eu diria que o pai espiritual do homem que eu sou é a criança que eu fui.»

 Público, 1998-10-14, in Instituto Camões

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Até aos 50 anos devíamos estar a aprender

«As obras da maturidade aparecem, nuns, aos 40 anos, noutros só aos 80 e tal. As vidas são muito curtas... até aos 50 anos devíamos estar a aprender, depois dos 50 a trabalhar e depois, aí uns dez anos, a acabar. Isso desde que mantivéssemos, claro, a cabeça a funcionar.»

JL, 1983-01-18

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Como me fiz escritor

«Carlos Reis entrou a matar: como é que se formou o escritor José Saramago? Respondeu depois de algum silêncio, como é habitual: "Aprendi a ler com o "Diário de Notícias"." Lia tudo, confessou, das notícias aos anúncios.»
 

Entrevista conduzida pelo Prof. Carlos Reis, in Público, 1998-10-09

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A fama não é em si mesma positiva

PERGUNTA – No seu último romance – Todos os Nomes – há uma frase que diz: «A fama, ai de nós, é uma aragem que tanto vai como vem, é um cata-vento que tanto vira a norte como a sul e, da mesma maneira que uma pessoa passa do anonimato à celebridade mal se apercebendo como, também não é raro que depois de se ter pavoneado diante do entusiasta favor do público acabe sem saber como se chama». O que o levou a refletir, neste livro, precisamente sobre a fama?

RESPOSTA – Em primeiro lugar, a fama não é em si mesma positiva e pode acontecer que muitas vezes uma pessoa seja famosa por razões negativas. Então, o que é a fama? A fama não passa disso, de ser conhecido. Há um nível em que, mais ou menos, todos somos conhecidos, mesmo que seja na rua onde vivemos, no círculo das nossas amizades ou na atividade que temos, e falam de nós bem ou mal.

Depois pode-se chegar a ser conhecido por um mundo maior, na nossa aldeia, no nosso país, em vários países, no continente onde se está ou no mundo inteiro, mas, de todas as formas, sempre resta uma maioria de pessoas para quem o famoso não o é. (...) Mas o que é preciso ter muito claro é que há milhões de pessoas que não sabem quem somos. Essa é a ideia que um famoso deve sempre ter.

 

Expresso, entrevista com Juan Cruz, 1998-10-10, in Instituto Camões

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Como escritor, sou um produto do 25 de novembro

«Como escritor, sou um produto do 25 de novembro. Com o 25 de novembro, fiquei sem trabalho e com pouca esperança de conseguir um sítio onde o encontrar. Eu estava muito marcado. Decidi, aos 53 anos, que seria "agora ou nunca". Se as circunstâncias me retiraram a possibilidade de trabalhar, iria escrever. Não foi fácil. Durante uns anos vivi de traduções. Eu já não estava no circuito, ninguém pensou mais em mim e ainda bem. Fechei-me em casa a traduzir para ganhar a vida e para escrever. Publico, em 1977, o Manual de Pintura e Caligrafia; em 1978, o Objeto Quase. Ainda nesse ano vou para o Alentejo e daí saiu o Levantado do Chão. O Memorial do Convento, em 1980, e acho que também O Ano da Morte de Ricardo Reis confirmaram que estava ali um escritor. A partir daí não tinha nada que provar a não ser a mim mesmo, até onde poderia chegar. Cheguei às Intermitências da Morte, aos 83 anos, e espero que haja mais.»

In Diário de Notícias, 2005-11-09

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