Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora
amo a Natureza
Como
um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente,
a meu modo, como dantes,
Mas
de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo
melhor os rios quando vou contigo
Pelos
campos até à beira dos rios;
Sentado
a teu lado reparando nas nuvens
Reparo
nelas melhor -
Tu
não me tiraste a Natureza...
Tu
mudaste a Natureza...
Trouxeste-me
a Natureza para o pé de mim,
Por
tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por
tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por
tu me escolheres para te ter e te amar,
Os
meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre
todas as cousas.
Não
me arrependo do que fui outrora
Porque
ainda o sou.
6-7-1914
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Vai
alta no céu a lua da primavera.
Penso em ti e dentro de
mim estou completo.
Corre
pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso
em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.
Amanhã
virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E
eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu
já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e
andares comigo no campo a colher flores,
Isso
será uma alegria e uma verdade para mim.
6-7-1914
topo
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque
já não posso andar só.
Um
pensamento visível faz-me andar mais depressa
E
ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo
tudo.
Mesmo
a ausência dela é uma cousa que está comigo.
E
eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se
a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores
altas.
Mas se a vejo
tremo, não sei o que é feito do que sinto na
ausência dela.
Todo eu sou
qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com
a cara
dela no meio.
10-7-1930
topo
O
pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela
encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a
flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe
apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o
cajado.
Outros, praguejando contra ele,
recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da
verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos
verdes de sempre,
As grandes
montanhas longe, mais reais que qualquer
sentimento,
A realidade
toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
estão presentes.
(E de novo o
ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco
nos pulmões)
E sentiu que
de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade
no peito.
10-7-1930
topo
Passei toda a noite, sem
dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre
de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos
com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada
pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só
de pensar nela.
Não sei bem o
que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o
que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela,
senão pensar.
10-7-1930
topo
Todos os dias
acordo com alegria e pena.
Antigamente
acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho
alegria e pena porque perco o que sonho
E
posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não
sei o que hei-de fazer das minhas sensações.
Não
sei o que hei-de ser comigo sozinho.
Quero
que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de
novo.
23-7-1930
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